A Hora da Ciência: Quando uma vacina fica pronta?

O Globo

Colunista: Natalia Pasternak

07/11/2020 - Com todos os olhos voltados para os testes de vacinas, é impossível não fazer a pergunta de um milhão de dólares: quando teremos vacinas? Quando terminam os testes clínicos?

 

O encerramento da última etapa de testes, quando o fabricante determina se tem ou não algo que merece ser oferecido ao público, a chamada fase três, é imprevisível. Vamos entender por quê.

 

O objetivo dessa fase é descobrir se a vacina realmente protege contra a doença: nas etapas anteriores, determinamos que ela é segura e que estimula o sistema imune. A fase três existe para descobrir se esse estímulo serve, na prática, para alguma coisa.

 

Fazemos isso recrutando milhares de pessoas, que são divididas em dois grupos: um que recebe a vacina, e outro grupo que recebe um placebo, uma vacina de mentira. Nesse momento, todo mundo, voluntários e pesquisadores, está “cego”: não se sabe quem recebeu vacina e quem recebeu placebo.

 

Devolvemos então esses milhares de voluntários para suas vidas normais, e esperamos até que parte deles pegue a doença. É por isso que países onde o vírus circula livremente, como o Brasil, são bons campos de teste. Esses adoecimentos entre os participantes do estudo são chamados de eventos. O estudo só termina depois de ocorrer um número preestabelecido de eventos: aí quebramos o “cegamento” e vemos se o número de doentes no grupo placebo é muito maior que no grupo que recebeu a vacina de verdade. Um cálculo estatístico então nos diz se a diferença, caso exista, é suficiente para que possamos dizer que a vacina teve um efeito protetor.

 

Se o fim do estudo depende de as pessoas ficarem doentes, quanto tempo isso leva? Não sabemos. Depende de quanto a doença está circulando nos locais de testes, e do quanto as pessoas estão expostas. E então esperamos, até chegar num número mínimo de eventos, que permita fazer uma comparação justa entre os dois grupos. Por isso, não tem data de entrega. Não seria possível ir acompanhando esses eventos no caminho, fazendo contagens parciais, para ter uma ideia se está funcionando? Parece uma ideia interessante, mas é perigosa. Se, em vez de esperar o número de eventos adequados, olharmos no meio do caminho, podemos nos enganar.

 

Imagine que queremos saber se é possível alguém usar de telepatia para adivinhar cartas do baralho. Vamos testar com cem cartas, e pedir para nosso “vidente” dizer se são pretas ou vermelhas. Por sorte, ele deve acertar cerca de 50%.

 

Agora imagine que, dessa sequência de cem cartas, o “telepata” acerta as 20 primeiras. E depois erra 70, acertando mais dez no meio. Na média, ele errou 70 e acertou 30. Ou seja, saiu-se pior do que o esperado pela sorte. Mas, se em vez de irmos até o fim, pararmos o teste um pouco depois da vigésima carta, teremos um “falso positivo”: nesse recorte, nosso voluntário acertou quase tudo! Por isso, é importante cumprir o desenho experimental até o fim. No caso da vacina, isso significa aguardar até o último evento — venha quando vier.

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

DikaJob de

Para adicionar comentários, você deve ser membro de DikaJob.

Join DikaJob

Faça seu post no DikaJob