A Hora da Ciência: Sem medo das vacinas genéticas

O Globo
Colunista: Natalia Pasternak

17/10/2020 - Genes, DNA e RNA são termos facilmente associados a coisas que vemos no cinema, como clonagem e mutações. Pensamos logo em algo que pode alterar o material genético, seja de animais (incluindo humanos) ou de plantas, mudar características, corrigir doenças hereditárias.

É natural, portanto, que haja algum espanto quando ouvimos falar das vacinas genéticas, feitas com DNA ou RNA. Infelizmente, esse espanto foi explorado por movimentos contrários à vacinação, que não têm pudor em exagerar e mentir. Vídeos circulam nas redes sociais dizendo que as vacinas genéticas podem nos transformar em mutantes, alterar os genes que passamos para nossos filhos, ou ser usadas para implantar chips que nos transformariam em zumbis.

Esses vídeos constroem suas mentiras paranóicas distorcendo conceitos científicos reais, o que pode dar a impressão, para um público não especialista, que sabem do que estão falando. Aos fatos, então.

Vacinas funcionam “treinando” o sistema imune para enfrentar uma infecção. A vacina é como um “sparring”, aquele lutador mais fraco que ajuda os atletas profissionais a se preparar para os combates de verdade. As vacinas mais simples, de primeira geração, fazem isso com microrganismos mortos ou enfraquecidos. Vacinas de segunda geração usam só pedaços do microrganismo, geralmente proteínas.

As vacinas de terceira geração, ou genéticas, usam apenas a informação do microrganismo: DNA ou RNA. Colocando essa informação dentro da célula humana, a própria célula se encarrega de produzir uma proteína, que vai ser o “sparring” do sistema imune. No caso do SARS-Cov2, as vacinas de DNA e RNA usam as instruções para produzir a proteína da espícula, aquela que faz a coroa do vírus.

Como essas vacinas inserem material genético nas células humanas, os vídeos mentirosos alegam que elas poderiam alterar nosso genoma. Isso não acontece. A vacina de DNA usa como veículo um DNA circular de bactéria, que só é capaz de se replicar dentro de bactérias – não de células humanas. A probabilidade de uma integração acontecer por acidente não é zero, mas é baixíssima – não existe caso conhecido. Já temos vacinas de DNA aprovadas para uso veterinário e nenhum animal virou alienígena mutante por causa disso.

Já a de RNA usa, como o nome diz, RNA, que se degrada rapidamente e não chega a entrar no núcleo celular.

Vírus reproduzem-se injetando seu DNA ou RNA nas nossas células, e usam a maquinaria celular para produzir proteínas e fazer cópias de si mesmos. Vacinas genéticas são uma versão extremamente abreviada desse processo: em vez do genoma inteiro do vírus, contêm só um fragmento mínimo. Por isso, tendem a ser muito seguras e versáteis: pode-se trocar o pedaço de DNA ou RNA de um vírus pelo de outro, adaptando a vacina para diferentes doenças rapidamente.

Há dificuldades técnicas a superar antes que essas tecnologias estejam disponíveis em larga escala, mas vacinas genéticas têm o potencial de revolucionar a maneira como fazemos imunizações, inaugurando uma era em que estaremos muito mais preparados para futuras epidemias.

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