A vacina para a economia?

Revista IstoÉ Dinheiro
Jornalista: Sérgio Vieira

Esqueça a dicotomia saúde versus economia que emergiu com o início do isolamento social decorrente da pandemia. É na busca da saúde da população que está o caminho para a retomada econômica. Essa relação foi confirmada na segunda-feira (9), com o anúncio da Pfizer de que os testes da fase 3 da vacina contra a Covid-19, desenvolvida em parceria com a BioNtech, mostraram eficácia de 90%. O reflexo foi imediato nos mercados.
As ações da Pfizer subiram 14%. Da BioNtech valorizaram 15%. Bolsas no mundo inteiro fecharam em alta. No Brasil também. Ações de companhias aéreas, de empresas de turismo tiveram forte alta. Petrobras, Itaú e Bradesco também foram valorizadas com o anúncio. Dólar teve queda e chegou a ser cotado por R$ 5,22. Menor preço em quase um mês.

Em comunicado, o CEO global da farmacêutica, Albert Bourla revelou que a empresa planeja produzir 50 milhões de doses da vacina neste ano e até 1,3 bilhão em 2021. No mesmo dia do anúncio, Bourla vendeu o equivalente a US$ 5,6 milhões em ações da Pfizer, em uma ação, segundo ele, que já estava planejada.

Mas o Brasil ainda não fara parte da festa. Ainda que a vacina, que deverá ser aplicada em duas doses, seja aprovada em 2020, não há previsão para sua chegada por aqui. “A Pfizer está em contato com o governo brasileiro para discutir um possível fornecimento de nossa potencial vacina”, disse à DINHEIRO o CEO da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo. Ainda que da administração de Jair Bolsonaro não parta qualquer sinalização clara de tratativas para a compra da vacina da farmacêutica. Murillo disse que, dos 43 mil voluntários que participam da última fase de testes, 3 mil são brasileiros. A empresa revelou que entre os países que já têm acordo de fornecimento estão latino-americanos como Chile, Costa Rica, México e Peru. Ou seja, não se trata de algo que ficará inicialmente restrito ao mundo rico. É desse cenário que o Brasil ainda está alijado.

Independentemente disso, virou boa noticia. Analistas econômicos entendem que o anúncio, de fato, fez com que os mercados reagissem de forma positiva a partir da perspectiva real da chegada da vacina. “O mercado gosta de previsibilidade. Estamos lidando com um vírus desconhecido, com alta taxa de contágio e que afetou demais o mundo econômico”, disse o CEO da Planner Corretora, Alan Gandelman.

“Não saber quando isso vai acabar e, principalmente, o prejuízo desse impacto é o que preocupa os setores industriais, até que a vacina chegue.” A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu autorização para testes da fase 3 de quatro estudos para a obtenção da vacina. O estudo da Universidade de Oxford. Nele, a vacina será produzida pelo laboratório Aztrazeneca, com o qual o governo brasileiro fechou acordo para a futura compra de 100 milhões de doses, com aporte de R$ 1,6 bilhão e possível produção na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. O da Jansen, divisão de pesquisa médica desenvolvida da americana Johnson & Johson. A CoronaVac, produzida pela chinesa Sinovac e que já tem acordo de compra assinado com o governo de São Paulo. E a vacina da Pfizer.
Na quarta-feira (11), a Suptnik V, vacina desenvolvida na Rússia, também mostrou avanço nos estudos, com apresentação de eficácia, inicialmente, de 92%.

DESTEMPERO

Mas é na desastrosa mistura da ciência com a ideologia política — e um olhar claro para 2022 — capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro que mora a preocupação, não só da classe científica como do setor empresarial. Horas após o governador João Doria anunciar, na segunda-feira (9), a chegada do primeiro lote com 120 mil doses da vacina, na próxima sexta-feira (20), e mais 6 milhões de doses até 30 de dezembro, além do início da construção da fábrica para produção do imunizante no Instituto Butantan, a Anvisa determinou a suspensão dos testes por causa do surgimento de um “evento adverso grave”, a morte de um voluntário – em condições que nada se relacionavam com os testes. Bolsonaro usou as redes sociais para celebrar o que chamou de vitória, ainda que inexplicável, sobre Doria. Em meio a trocas de acusações e críticas fortes do governo paulista pela possível interferência política de decisões que precisam ser eminentemente técnicas, foram quase dois dias de interrupção. O retorno dos estudos foi autorizado na quarta-feira (11), após enxurrada de críticas pela decisão considerada por muitos como precipitada da Anvisa.

O CEO da farmacêutica Aspen no Brasil, Alexandre França, empresa que irá produzir, em seu parque fabril na África do Sul a vacina da Jansen, também entende que a mistura de ciência com política é extremamente prejudicial para o andamento dos trabalhos. “A ideologia na ciência é prejudicial o avanço de trabalhos como esse. É um grande retrocesso.” A exemplo da Pfizer, também não há perspectiva para sua chegada ao Brasil. “A escolha da Aspen para produzir a vacina mostra o olhar da Johnson para o continente africano e a necessidade da democratização da vacina.” Outro ponto positivo é a possibilidade de ser dose única e de não precisar ser armazenada em câmara ultrafria, como a da Pfizer.

CONFIANÇA

Se o mundo político não atrapalhar, a economia vai agradecer. “A vacina melhora o ambiente global porque melhora a questão de perspectiva quanto a investimentos futuros”, disse o economista chefe do BNP Paribas, Gustavo Arruda. “Bolsas para cima é bom porque é confirmação de que a confiança na economia começa a voltar.” Para ele, a eventual demora da chegada ao Brasil não causará impacto financeiro no mercado brasileiro. “Mesmo que demore alguns meses, o mercado entende que é só uma questão de tempo. Importante é que com a aprovação de fato, a perspectiva de retomada passa a ser real.”

A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai, diz que o Brasil está preparado para realizar imunização em massa quando chegar a vacina, ainda que seja apenas para público-alvo em um primeiro momento. “Na Campanha Nacional da Gripe, aplicamos no Brasil cerca de 60 milhões de doses, o que mostra que temos condições logísticas de, em curto espaço de tempo, preparar a distribuição e aplicação da vacina quando ela estiver disponível.”

Para ela, o anúncio da eficácia da vacina da Pfizer é importante, mas ainda é necessário confirmações de outros profissionais e, principalmente, publicação completa do estudo em revistas científicas. Isabella pondera que o País precisa de ajustes, como a questão de armazenamento e refrigeração da vacina da Pfizer, que precisa ser guardada em temperatura perto de 70 graus negativos, mas acredita que um dos grandes problemas hoje seja, de fato, a politização da ciência. “Isso está destruindo a humanidade e afetando a confiança da população em relação à vacina. Ações desse tipo são um desserviço.”

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