O Globo 
Jornalista: Mariana Rosário

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vetou a aplicação da vacina contra Covid-19 CoronaVac, da farmacêutica Sinovac, para brasileiros de 3 a 17 anos de idade. A decisão ocorreu por unanimidade em reunião da diretoria nesta quarta-feira (18).

Dúvidas levantadas pela agência dizem respeito à eficácia da vacina e a duração de sua proteção, uma vez aplicada nas crianças e adolescentes. Isso porque os dados apresentados pelo Instituto Butantan dizem respeito à produção de anticorpos da vacina nesse público e não à capacidade do imunizante em reduzir casos sintomáticos da doença, a chamada "eficácia", normalmente conhecida na fase 3 de testes.

O número de participantes para a análise de segurança (586 voluntários) também foi considerado baixo para caracterizar perfil de risco reduzido do fármaco, foi dito ao longo da reunião.

— A dúvida que fica é: será que os anticorpos gerados são suficientes para proteger as crianças de casos sintomáticos, graves e mortalidade? — afirmou Gustavo Mendes, da Gerência Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa.

A relação de risco benefício da vacina para essa faixa etária foi, portanto, considerada desfavorável, neste momento. Quando mais dados chegarem à agência, a liberação poderá ser reavaliada, explicaram os especialistas.

O pedido foi realizado pelo Instituto Butantan em 30 de julho e mirava uma mudança na bula do imunizante — o segundo mais utilizado no país, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
Ainda pouco praticada em outras partes do mundo — onde a vacinação contra Covid-19 normalmente é aprovada por agências reguladoras para crianças com idade superior a 12 anos, com a vacina da Pfizer — a inoculação de imunizantes para crianças de 3 a 11 anos foi emergencialmente liberada na China em junho, com as vacinas das farmacêuticas Sinovac e da Sinopharm. Na Indonésia, a mesma CoronaVac foi liberada às crianças de 12 a 17 anos.



MUDANÇA DE PERFIL

A Sinovac, desenvolvedora da vacina, publicou um estudo no periódico científico The Lancet no qual afirma que o uso da CoronaVac em crianças e adolescentes de 3 a 17 anos foi bem tolerada. Os estudos foram catalogados como fase 1 e 2 — responsáveis, normalmente, para definir a segurança e produção de anticorpos de uma vacina.

Participaram 550 crianças e adolescentes e, de acordo com a análise, 96% delas apresentaram resposta imune às aplicações do antígeno.

Atualmente, no Brasil, é aprovada apenas a vacina da Pfizer aos menores de idade. Seu intervalo de aprovação — definido na bula do medicamento — é de 12 a 17 anos. Os maiores de idade, vale relembrar, podem tomar qualquer outro imunizante aprovado no país.

Especialistas em infectologia, porém, ressaltam que é de extrema importância dedicar atenção à vacinação das crianças e adolescentes — mesmo sabendo que eles representam uma taxa pequena dos óbitos por Covid-19. O entendimento, entre outras questões, está relacionado à uma mudança gradual do perfil dos infectados.

— Temos dados, ainda não publicados, que mostram que o percentual de crianças que tinham PCR positivo aumentou 14 vezes no grupo de 1 a 10 anos, entre abril do ano passado e abril deste ano — diz Celso Granato, infectologista e diretor médico do Grupo Fleury.

O desenvolvimento dos atuais imunizantes contra Covid-19 também respeitou ritos comuns à criação de novas vacinas e medicamentos. Tradicionalmente, mira-se primeiro nos grupos mais prejudicados por determinada doença para iniciar os testes. Também é mais comum realizar os estudos clínicos com novos imunizantes primeiramente em adultos — mesmo as crianças normalmente respondendo ainda melhor que eles às vacinas.

— É uma questão de avaliar a segurança, para não ser pego de surpresa com algum efeito adverso inesperado. Tem que ter clareza da segurança da vacina, mas a resposta imune do organismo das crianças, de forma geral, é ainda melhor que os adultos — afirma o professor da Santa Casa de São Paulo Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Há ainda mais um patamar a ser considerado com cautela, diz a infectologista Camila Almeida, do Hospital e Maternidade Santa Joana, sobretudo diante da mortalidade proporcionalmente mais baixa da Covid-19 para os adolescentes e as crianças. Embora, ela explica, seja necessário dedicar uma atenção especial, e maior celeridade, nas decisões que englobam crianças e adolescentes com comorbidades.

— Numa população que normalmente tem a doença tão leve, sem mortes e internações, será que o benefício da vacina superará qualquer efeito colateral? É preciso ser analisado (com cautela). A decisão é mais difícil do que achávamos seria — diz a médica, que defende uma análise minuciosa das vacinas em cada uma das faixas etárias, entre a infância e adolescência, para solucionar essa questão.



REFORÇO EXPERIMENTAL

Na mesma reunião, os diretores da Anvisa recomendaram ao Ministério da Saúde que considere a aplicação de uma 3ª dose de reforço, em caráter experimental, para públicos prioritários previamente imunizados com duas doses de CoronaVac. Entram na sugestão os idosos, especialmente os acima de 80 anos, e pacientes com comprometimento do sistema imune.

A Anvisa aproveitou a reunião para alertar publicamente que o Butantan ainda deve entregas em relação aos dados de imunogenicidade da vacina CoronaVac, desde sua autorização de uso emergencial, em 17 de janeiro. Essas informações dizem respeito à avaliação da produção de anticorpos da vacina, considerando sua produção e durabilidade.

— A ideia é que o Instituto Butantan apresentasse para gente as respostas imunogênicas que não foram apresentadas no dia 17 (de janeiro, quando a vacina foi aprovada emergencialmente), dos participantes do estudo de fase 3 — afirmou Gustavo Mendes, da Gerência Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da agência, que afirmou que o prazo inicial para a entrega era em 28 de janeiro.

Até o momento, porém, diz Gustavo Mendes, não existem evidências que coloquem em dúvida a eficácia da vacina e a segurança demonstrada no estudo de fase 3 brasileiro, com adultos.

Mais cedo, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou em entrevista ao GLOBO que a instituição trabalha para entregar os documentos faltantes.

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