ARTIGO: A culpa não é só das variantes

O que já se sabe sobre a variante P.1 - Amazônia Real

Imagem da variante P1 do SARS-CoV-2 em arte sobre foto de Fernando Zhiminaicela/Pixabay/Jornal USP

O Globo
Autores: Luiz Reis e Paulo Chapchap


No atual momento da pandemia, as palavras vacinas e variantes fazem parte do cotidiano dos brasileiros. No entanto, entre cientistas, esses termos nunca deixaram o dia a dia: vacinas, pela certeza de que são a principal arma para sairmos da pandemia; e variantes, que, inevitavelmente, surgiriam em função da replicação viral numa população suscetível. Desde os primeiros seres vivos, a evolução se explica pela incorporação de erros na duplicação do genoma. Assim é com o Sars-CoV-2, um vírus cujo genoma é um RNA de aproximadamente 30 mil bases. Livre para se multiplicar numa população desprovida de resposta imune específica, o Sars-CoV-2 se propagou e acumulou alterações no seu genoma. Mas, para que elas sejam fixadas, essas alterações deveriam representar uma vantagem seletiva. Vejamos as girafas. Em algum momento da evolução, pescoço longo representou uma vantagem seletiva para acesso aos alimentos mais altos. Assim, a característica genética que define pescoço longo se fixou na espécie.

Os dados mostram que as variantes identificadas na Inglaterra, na África do Sul e em Manaus oferecem essa vantagem seletiva: a maior eficiência da proteína S no processo de penetração nas células, o que lhe garante maior infectividade. Vários grupos investigam se, além de mais infectantes, essas variantes causam doença mais grave. Sabe-se hoje que, para a variante inglesa, há um aumento no risco de morte em idades mais avançadas. O maior aumento (de 17% para 25%) foi observado em homens com 85 anos ou mais.

Hoje, a principal pressão seletiva que o Sars-CoV-2 sofre é a resposta imune que infectados e vacinados desenvolveram. Assim, é esperado que algumas variantes escapem da defesa do organismo, em especial, dos anticorpos neutralizantes. Já temos evidências de que isso, de fato, ocorreu. Essas variantes são menos sensíveis, mas não refratárias aos mecanismos de neutralização. Dados publicados para diferentes variantes testadas contra soro de pacientes convalescentes ou vacinados com a vacina da Pfizer/BioNtech mostraram que a atividade neutralizante permanece. Dados de São Paulo mostram que o soro de vacinados com a CoronaVac ou soro de pacientes que se recuperaram da Covid-19 neutralizaram as cepas Original, P1 (de Manaus) e P2 (do Rio de Janeiro) com eficácia comparável.

É fundamental fazer o sequenciamento dos vírus circulantes para a detecção de novas variantes, estudá-las e, eventualmente, orientar a produção de novas gerações de vacinas. Porém o surgimento dessas variantes é um fenômeno autolimitante. Alterações na forma da proteína S podem também prejudicar a entrada na célula. Assim, é de esperar que, ao longo do tempo, tenhamos um equilíbrio na dinâmica da população do Sars-CoV-2.

Nenhuma vacina se mostrou 100% eficaz na prevenção da infecção, mas várias mostraram eficácia na prevenção da quase totalidade das hospitalizações e dos óbitos. Por isso, observamos que pacientes já vacinados se infectam pelo vírus original ou por variantes. O que precisamos monitorar é se a evolução clínica dos pacientes vacinados se comporta de modo inesperado quando infectados por novas variantes.

As variantes com maior infectividade contribuem para o quadro que vivemos hoje? Sim, mas transferir a elas toda a culpa é fugir da nossa responsabilidade. As imagens de desrespeito ao distanciamento social são uma afronta ao conhecimento e às regras mínimas de cidadania. Conter a pressão no sistema de saúde e as mortes é prioridade. Se o vírus é capaz de se adaptar para viver mais, precisamos fazer o mesmo: comportamento seguro para a preservação de vidas.

(*) Luiz Reis é Doutor em Imunologia e diretor de ensino e pesquisa do Hospital Sírio-Libanês;

(*) Paulo Chapchap é Doutor em Cirurgia e diretor-geral do Hospital Sírio-Libanês

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

DikaJob de

Para adicionar comentários, você deve ser membro de DikaJob.

Join DikaJob

Faça seu post no DikaJob