ARTIGO: A economia da legalização da maconha

 

 

Valor Econômico

 

Autor: Tiago Cavalcanti

 

 

04/03/20 - Em artigo publicado em 5 de fevereiro, aqui neste Valor, refleti sobre os aspectos científicos da legalização da cannabis para uso recreativo. A conclusão principal que cheguei foi que, como qualquer outra droga, a maconha pode ter sérios efeitos na saúde das pessoas. Contudo, quando comparada ao álcool, que é amplamente usado e de consumo estimulado na nossa sociedade, a maconha, de acordo com especialistas, causa menores danos em termos de dependência física e de riscos à saúde.



Além disso, a experiência nos Estados Unidos, onde atualmente a maconha é legalizada para uso recreativo em 10 estados mais Washington DC, mostra que não houve aumento do uso de outras drogas, nem aumento da criminalidade com a legalização da cannabis nessas localidades. Há também a experiência de outros países como o Canadá e Uruguai e uma série de outros onde a cannabis é legal para uso medicinal. Assim, deduzi que, se a base de comparação for o álcool como droga recreativa, o movimento de legalização da cannabis tem base científica e empírica.

Volto mais uma vez ao tópico da liberalização do uso da maconha, porém agora irei focar na discussão dos aspectos econômicos da legalização.

A discussão não é trivial, ao meu ver. Ao contrário, alguns desses aspectos que discutirei aqui são aplicados a todas as demais drogas. Então, determinar o critério de legalidade ou não de uma droga é questão complexa e requer, de certa forma, fazer juízo de valor. A linha que tracei nesse meu julgamento é baseada no comparativo com o uso do álcool e seus efeitos negativos como droga recreativa.

Um ponto importante é que a legalidade desestimula diretamente a atividade criminosa do tráfico de maconha, diminuindo o lucro com o comércio ilícito dessa substância. A atividade comercial à margem da lei da maconha é ligada também à delinquência e a legalização diminui tanto o tamanho do mercado clandestino quanto a rentabilidade do crime. Por exemplo, o Cannabis Act de 2018 no Canadá, que legalizou o uso, produção e distribuição da maconha, tinha como um dos objetivos reduzir a renda que estava indo para os cartéis que dominavam o comércio ilegal dessa droga.


Artigo publicado pelo Cato Institute, “How Legalizing Marijuana Is Securing the Border”, mostra com registros oficiais como a legalização das drogas em alguns Estados dos EUA a partir de 2014 diminuiu o número de apreensões feitas na fronteira com o México. O número caiu de 52 kg de maconha apreendida por policial em 2013 para menos de 11 kg em 2018. Redução de 78% que não foi compensada por uma maior apreensão de outros tipos de drogas proibidas, ou seja, o efeito líquido foi de redução de drogas apreendidas, como o estudo citado atesta.

Na mesma linha, um trabalho publicado na revista científica Economic Journal, “Is Legal Pot Crippling Mexican Drug Trafficking Organisation?”, mostra como a legalização da cannabis em alguns Estados americanos diminuiu os crimes violentos nos Estados que fazem fronteira com o México.

Existe também um aspecto fiscal da legalização, pois se gera uma nova fonte de receita tributária. No Estado do Colorado criaram um imposto especial de 15% do cultivador ao varejista, além do adicional de 15% sobre o cliente final. Os registros oficiais do Colorado Department of Revenue revelam que em 2019 as vendas legais de maconha nesse Estado americano atingiram aproximadamente US$ 1,7 bilhão, gerando receitas tributárias acima de US$ 302 milhões, pelo menos cinco vezes a mais que o arrecadado com bebidas alcoólicas no mesmo ano.

A receita arrecadada pela venda legal da maconha no Colorado é alocada para educação, saúde e no combate ao uso da droga entre menores de 21 anos. O uso da maconha entre adolescentes caiu no Colorado após a legalização.

Um outro ponto adicional da legalização corresponde ao maior controle da qualidade do produto pelo governo, que pode regular sua potência e pureza, evitando maiores riscos para a saúde dos usuários. Além também da regulamentação da embalagem do produto, que pode conter informações dos efeitos colaterais do uso dessa droga com o objetivo de desestimular seu consumo.

A legalização da maconha descomprime também o sistema judicial e prisional, possibilitando a realocação dos recursos policiais e jurídicos escassos para o combate de outros crimes. Por exemplo, segundo dados da Polícia Federal em 2019 mais de um milhão de pés da cannabis foram erradicados em Pernambuco, com estimativas de se tornarem quase 393 toneladas de maconha para consumo.

Por outro lado, foram observados efeitos curiosos nos Estados americanos. Pesquisa de professores da Universidade de Connecticut, a sair no Canadian Journal of Economics, mostra que a venda de álcool caiu 12,4% onde a maconha medicinal foi legalizada. Alguns pesquisadores acharam também efeitos importantes da legalização da maconha sobre o número de prescrições de opioides, que são medicamentos legais que combatem a dor.

A cannabis é uma planta complexa, que tem diferentes uso. O Tetra-hidrocanabinol (THC) é a principal substância da maconha, que modifica a atividade cerebral das pessoas e provoca os efeitos psicoativos. Mas o THC tem também efeitos no combate à dor e ansiedade. Há também uma série de outras utilidades relacionadas com essa planta, como a fabricação do óleo da cannabis, que serve no tratamento de doenças, a exemplo do combate a crises de epilepsia, bem como a produção de fibras, que podem ser aproveitadas na indústria têxtil.

Nesse momento em que a escola de Chicago (“Chicago Oldies”, como o ministro Paulo Guedes definiu) influencia as políticas e diretrizes econômicas do Brasil, nada melhor do que lembrar que Milton Friedman, um dos principais pensadores da escola liberal de Chicago, foi um forte defensor da legalização das drogas, inclusive da maconha. Ou será que hoje Friedman seria rotulado de marxista cultural?

(*) Tiago Cavalcanti, economista, é professor da Universidade de Cambridge e da FGV-SP

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