China teme que empresas estrangeiras deixem o país

Valor Econômico
Jornalista: Katsuji Nakazawa


20/04/20 - Em meio à pandemia do coronavírus, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, propôs desenvolver uma economia que seja menos dependente de apenas um país, a China, de forma a que o Japão tenha melhores condições de evitar rupturas nas cadeias produtivas.

A proposta tocou num assunto que é motivo de debate acalorado no mundo político chinês.

Em Zhongnanhai, na região central de Pequim, onde líderes do Partido Comunista e do governo central da China têm seus escritórios, “agora há sérias preocupações quanto à saída de empresas estrangeiras da China”, disse uma fonte da área econômica chinesa. “O que se discute especialmente é a cláusula no pacote econômico emergencial do Japão que encoraja [e financia] o restabelecimento de cadeias de fornecimento”.

Não fosse a pandemia, a primeira visita de Estado do presidente da China, Xi Jinping, ao Japão já teria sido concluído a esta altura, com Xi orgulhosamente declarando uma “nova era” nas relações sino-japonesas. Ele teria saudado Abe, e o Japão estaria nos preparativos para o próximo grande evento mundial, a Olimpíada de 2020.

Em vez disso, tanto a viagem de Xi quanto a Olimpíada de Tóquio foram adiadas, e as relações sino-japonesas agora estão numa encruzilhada.

Alguns sinais da nova política do Abe já eram visíveis desde 5 de março. O Japão finalmente havia conseguido deixar para trás o desastre com o navio de cruzeiro Diamond Princess, mas ainda enfrentava o desafio de evitar uma maior disseminação do vírus.

Naquela data, coincidentemente o mesmo dia do anúncio do adiamento da visita de Xi ao Japão, o governo japonês realizou uma reunião do Conselho sobre os Investimentos para o Futuro. Abe, que preside o conselho, defendeu a volta para o Japão da manufatura de produtos de alto valor agregado.

À mesa estavam presentes influentes líderes empresariais, como Hiroaki Nakanishi, presidente da Federação de Empresas do Japão, maior lobby empresarial do país, conhecido como Keidanren.


“Em razão do coronavírus, há menos produtos vindo da China para o Japão”, disse Abe. “As pessoas estão preocupadas com nossas cadeias de fornecimento”.

No caso dos produtos que dependem muito de um único país para serem produzidos, “deveríamos tentar realocar os itens de alto valor agregado para o Japão”, disse Abe. “E, quanto a todo o resto, deveríamos diversificar para países como os da Asean [sigla em inglês da Associação de Nações do Sudeste Asiático]”.

Tóquio delineou um plano de “afastamento da China”, para que empresas locais voltem a produzir no Japão
Os comentários de Abe foram claros. Foram feitos em meio ao impacto das interrupções no fornecimento de autopeças e de outros produtos dos quais o Japão depende da China, algo que afetou profundamente as atividades empresariais no Japão.

Ele também defendeu que o país vá além do tradicional conceito da “China mais um”, no qual as empresas agregam algum outro país fornecedor que não a China, como forma de diversificar a produção. Abe estava dando forma a uma política de “afastamento da China”.

Com o país petrificado pela cobertura da mídia sobre o coronavírus, a proposta não ganhou as principais manchetes no Japão.

Mas a China estava ouvindo atentamente, talvez imaginando se estaria por entrar em uma fase de esvaziamento industrial, como o Japão já vivenciou.

Uma tendência como essa sacudiria as fundações do modelo de crescimento em vigor na China.

Em seu pacote econômico emergencial, adotado em 7 de abril, o governo japonês defendeu o restabelecimento das cadeias de fornecimento que haviam sido atingidas pela proliferação do vírus. Alocou mais de 240 bilhões de ienes (cerca de US$ 2,2 bilhões) em seu plano de orçamento suplementar para o ano fiscal de 2020 com o objetivo de auxiliar as empresas locais a transferir produção de volta para casa ou a diversificar suas bases de produção no Sudeste Asiático. É uma soma considerável de dinheiro.


No dia seguinte, 8 de abril, o Comitê Permanente do Politburo, principal órgão decisório do Partido Comunista chinês, realizou uma reunião em Pequim.

Falando no encontro, o presidente Xi afirmou que “à medida que a pandemia prossegue com sua disseminação global, a economia mundial depara-se com um crescente risco de perdas”. “Fatores de instabilidade e de incerteza estão aumentando de forma notável”, acrescentou.

Xi, que também é secretário-geral do partido, frisou a necessidade de manter uma “mentalidade de resultados” - que, no caso, significa presumir o pior - e pediu que houvesse um “preparo em mente e no trabalho para lidar com mudanças prolongadas no cenário externo”.

Os sete membros do Comitê Permanente do Politburo normalmente se reúnem uma vez por semana e é raro que o conteúdo desses encontros seja divulgado.

Xi soou o alarme para que se preparassem para “uma batalha longa” e que presumissem o pior.

Nos EUA, também há discussões sobre a dependência excessiva em relação à China.

Larry Kudlow, presidente do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, manifestou a intenção de ajudar a arcar com os custos de realocação das empresas americanas que retornarem da China.

A ideia se encaixa bem na agenda do presidente Trump, dos “EUA em primeiro lugar”.

Se EUA e Japão, primeira e terceira maiores economias do mundo, se afastarem da China, isso teria um impacto enorme na segunda maior economia do planeta.

Um assunto agora vem dando o que falar no mundo dos intelectuais chineses. Segundo a astrologia chinesa, 2020 é o ano do “Geng-Zi”, ou do rato de metal, que chega uma vez a cada 60 anos.

Costuma-se dizer que a cada vez que o ano do rato de metal chega, acontece algum incidente que sacode os pilares da história na China. Em 1840, durante a dinastia Qing, houve a Guerra do Ópio, que levou à estagnação da China por mais de cem anos.


Presidente Xi Jinping soou o alarme para que a cúpula dirigente da China se prepare para uma batalha longa
Sessenta anos depois, em 1900, já perto do fim da dinastia Qing, forças de uma aliança de oito países - Reino Unido, EUA, Alemanha, França, Itália, Rússia, Japão e Império Austro-Húngaro - deslocaram-se de Tianjin para Pequim, incidente desencadeado pela Guerra dos Boxers, iniciada em 1899. O filme americano “55 Dias em Pequim”, estrelado por Charlton Heston, mostra o cerco às legações estrangeiras na cidade durante a Guerra dos Boxers.

O ano do rato de metal voltou em 1960, o que coincidiu com a onda de fome e escassez causada pelo Grande Salto Adiante, programa proposto por Mao Tsé-tung, fundador da “nova China”, a República Popular da China.

Yang Jisheng, ex-jornalista da agência de notícias Xinhua, que perdeu o padrasto durante essa crise de fome, escreveu o livro “Tombstone” (lápide, em inglês), uma reportagem detalhada sobre esse desastre épico.

Com base em entrevistas e trabalho de campo, Yang revelou que até 36 milhões de pessoas morreram de fome durante o Grande Salto Adiante, muito mais do que a China divulgava.

Desta vez, como será o ano do rato de metal para a China?

O pico da epidemia de coronavírus na China já passou. Mas o chefe da equipe de especialistas clínicos em coronavírus, Zhang Wenhong, cujo nome está em ascensão na China, disse que uma segunda onda de infecções atingirá o país em novembro ou posteriormente.

Durante a pandemia da gripe espanhola, de 1918 a 1920, a segunda onda de infecções foi mais grave do que a primeira. Desde então, nenhuma pandemia foi tão mortal. Estima-se que 500 milhões de pessoas, um terço da população do planeta, tenha sido infectada e que 50 milhões de pessoas morreram (estimativas mais recentes colocam o número de mortes entre 17 milhões e 27 milhões).


O médico Zhong Nanshan, de 83 anos, tem se destacado desde 2003, quando teve grande papel no combate à sars, a síndrome respiratória aguda grave.

O novo coronavírus já teve mutações e sua taxa de mortalidade chega a ser 20 vezes maior do que a da influenza, alertou Zhong.

O novo vírus surgiu na China, no fim de 2019, e se disseminou pelo mundo. A censura à informação e às postagens em redes sociais sobre a epidemia até meados de janeiro, assim como a reação inicial tardia da China à crise de saúde pública acabaram contribuindo para a catástrofe e gerando indignação internacional.

Trump vinha chamando o coronavírus de “o vírus chinês”, embora já tenha parado de fazê-lo.

A opinião pública global afetará imensamente o restabelecimento de uma ordem mundial pós-vírus. Da forma como a situação está agora, os que vêm tomando a iniciativa são os EUA e a China.

Na antiga China, tiras estreitas de bambu amarradas umas às outras eram usadas como base para escrever documentos, antes do surgimento do papel. Eram chamadas de “tiras verdes” por terem essa cor antes de serem curadas e amarradas na forma de livros. Essas tiras são documentos oficiais mantidos para a posteridade e eram importantes para que os imperadores inscrevessem seus nomes nelas.

Se o flagelo do coronavírus alterar drasticamente a ordem mundial no século 21, quem será que fará as inscrições nas tiras de bambu, a China ou os EUA? A China não pode se permitir perder.

Muito dependerá de como EUA e China reconstruirão suas economias abaladas pelo vírus. Se grandes empresas estrangeiras se retirarem da China, isso será um grande empecilho para a recuperação da economia do Reino do Meio.

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