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Laboratórios, Anvisa, Fiocruz e Butantan foram chamados para falar da transferência de tecnologia de insumos para fabricação de vacinas - Reprodução/Tv Senado

Agência Senado

Representantes dos laboratórios que produzem e distribuem vacinas contra a covid-19 no Brasil confirmaram nesta quinta-feira (8) que estão em processo de transferência de tecnologia para a produção do Ingrediente Farmacêutico Ativo, mas que os imunizantes com o IFA nacional devem ser entregues apenas no segundo semestre de 2021. O esclarecimento foi feito em audiência pública da Comissão Temporária Covid-19 após senadores manifestarem preocupação com o risco de o país não cumprir o cronograma de vacinação previsto no Plano Nacional de Imunização (PNI) divulgado pelo governo. O requerimento para o debate foi apresentado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA).

Os representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Butantan e do governo federal afirmaram que há uma “grande demanda” mundial pela vacina e que um dos maiores entraves para produção em larga escala é a aquisição de insumos para sua fabricação. As duas vacinas produzidas e distribuídas no Brasil, a Coronavac (Instituto Butantan) e a AstraZeneca (Fiocruz), necessitam hoje de IFA importado da China. Com os acordos de transferência de tecnologia concretizados, segundo os participantes da audiência, o Brasil vai conseguir agilizar a fabricação de imunizantes.

De acordo com a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, o contrato com a farmacêutica AstraZeneca que detalha a transferência de tecnologia para a produção do IFA da vacina feita em parceria com a universidade de Oxford deve ser assinado nas próximas semanas.

— Então, nós já estamos com as áreas adequadas, temos os profissionais. Estaremos assinando o contrato até o final deste mês, e as entregas se darão a partir do mês de setembro, de vacinas com o IFA nacional — afirmou.

O acordo de encomenda tecnológica entre a Fiocruz e a farmacêutica AstraZeneca prevê que, até julho, 100,4 milhões de doses sejam produzidas a partir de IFA importado. Com o IFA nacional, a previsão é a produção de 110 milhões de doses no segundo semestre.

Outro entrave apontado pelos representantes dos laboratórios é a falta de investimento na indústria de biotecnologia do país. Mesmo com a formalização do acordo de transferência de tecnologia e a produção de IFA, eles alertaram que o país precisa estruturar o parque fabril e investir na base tecnológica para agilizar a fabricação do maior número de imunizantes. Eles entendem que há um cenário de crise e mutação do vírus que ainda deve se manter por um período, exigindo uma política pública voltada para o desenvolvimento desse setor.

— A alternativa seria, a partir desta constatação da gravidade a que nós chegamos pela situação da pandemia na falta de vacinas, rever a própria estrutura do setor industrial brasileiro. O setor industrial brasileiro e a política industrial brasileira não têm acompanhado os desenvolvimentos da biotecnologia no mundo. E, hoje, nós somos um país retardatário. Nós somos simplesmente um absorvedor ou um comprador de produtos farmacológicos, ao contrário de outros países que colocaram isso como prioridade — observou Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan.

A instituição já entregou 38,2 milhões de doses ao PNI e, até o final de abril, segundo Dimas Covas, disponibilizará o restante, complementando as 46 milhões de doses previstas no primeiro contrato com o Ministério da Saúde. Um segundo contrato, que se encerra em agosto, prevê mais 54 milhões de doses. A entrega de vacinas pelo instituto com o IFA nacional também está prevista para o segundo semestre.

Produção nacional

Segundo o secretário de Pesquisa e Formação Científica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcelo Marcos Morales, a pasta tem investido em 15 plataformas diferentes de vacinas que têm como base insumos farmacêuticos ativos nacionais. Todas essas plataformas estão em processo de estudo, desenvolvimento de pesquisa ou avaliações no âmbito da Anvisa. O entendimento do ministério, conforme Morales, é desenvolver tecnologia dentro da capacidade e base nacional e assim oferecer segurança ao mercado brasileiro.  

— Ao investir nessas 15 plataformas de vacinas, chegamos a três que têm possibilidade agora. Vão iniciar, ainda neste mês, os ensaios clínicos com pacientes. Isso é extremamente importante. A Versamune MCTI foi protocolada na Anvisa. Se tudo der certo nos ensaios clínicos, teremos uma vacina nacional, e não teremos esse problema de importar insumos — afirmou.

Laboratórios veterinários

Para os senadores, além das iniciativas de médio e longo prazo, é preciso colocar em prática ações urgentes que elevem o nível de imunização no país. Entre elas, a possibilidade de produção de vacinas contra o coronavírus nas plantas industriais de imunizantes voltados à saúde animal. De acordo com o relator da comissão, senador Wellington Fagundes (PL-MT), existem quatro plantas com nível de biossegurança máxima, com capacidade instalada para atender a demanda de vacinação no país. Segundo ele, o uso dessa infraestrutura pode ser viabilizado com urgência quando houver a transferência de tecnologia para a produção do IFA.

— Nós temos instalado um parque industrial da mais alta biossegurança mundial, com todas as referências. Só estamos aguardando que haja a transferência tecnológica para que possamos, então, dizer 'sim' e fazer essa produção em curtíssimo intervalo de tempo — ressaltou.

O presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sidan), Delair Ângelo Bolis, informou que já estão sendo feitas as primeiras tratativas com o poder público e com os laboratórios que produzem vacina contra à covid-19 nesse sentido.  

— Com relação a insumos, tudo vai depender dessa conversa que, como mencionado pela Anvisa e pelo Butantan, já está acontecendo, e pela própria Fiocruz, de qual tecnologia e qual processo for utilizado. Basicamente pode ser fermentação, pode ser suspensão ou pode ser cultivo celular. É produção em ovo ou não é produção em ovo? Com base nisso, definem-se quais insumos serão necessários. Qual o investimento de adaptação dessas plantas — explicou.

Sputnik V

Os senadores cobraram agilidade da Anvisa na aprovação para importação de outras vacinas contra a covid-19, como a Sputnik V, da Rússia, e a Covaxin, da Índia.

— Parece-me que há 10 milhões de doses adquiridas da Sputnik por parte do governo brasileiro, 10 ou 12 milhões; 20 milhões pelo Consórcio do Nordeste; há outras 30 milhões da vacina Covaxin; e que poderiam estar disponibilizadas já agora. E são, convenhamos, imunizantes que estão autorizados. A Sputnik está autorizada pela agência sanitária russa. A Covaxin está autorizada pela agência sanitária indiana — cobrou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Segundo o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, a agência tem protocolos a serem observados e, no caso da vacina russa, há dificuldades no cumprimento de envio de informações e documentos, mas que o processo está em análise.

— A vacina Covaxin não tem protocolo de pedido de uso emergencial na Anvisa. Não existe. Houve um pedido de autorização de importação em molde excepcional feito pelo Ministério da Saúde que foi indeferido, fruto da inspeção presencial que fizemos na Índia. Nossa equipe esteve na Índia, fez uma inspeção presencial e constatou que não alcança índices mínimos necessários para a certificação de boas práticas — explicou.

Ainda segundo Barra Torres, essa não é uma situação definitiva e o laboratório indiano pode contornar os problemas encontrados.

Patentes

Outra inciativa aventada pelos senadores é a suspensão temporária de patentes dos imunizantes. Eles questionaram os representantes dos laboratórios sobre a efetividade dessa quebra. Para o senador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto (PL 12/2021) que trata sobre o tema, o país está em “estado de guerra” e a iniciativa é uma política humanitária para salvar vidas, que, na sua avaliação, precisa ser tomada inclusive pelo Brasil junto à Organização Mundial do Comércio (OMC).

— Esse movimento que o Congresso faz, quando o nosso governo não se posiciona na OMC, a OMS [Organização Mundial da Saúde] recomenda, a Médicos Sem Fronteira recomenda, o mundo recomenda. Há mais de 400 assinaturas já da comunidade europeia e de parlamentares recomendando esse encaminhamento que vai para o campo diplomático. Será que vai valer mais o interesse do mercado, porque há patentes e ganham bilhões de dólares, ou a vida da nossa gente e do nosso povo? — questionou.

Apesar do apelo, os representantes dos laboratórios e do Ministério das Relações Exteriores disseram que a medida não teria efeito imediato. Além disso, eles argumentaram que a suspensão temporária de patentes levaria também a quebra de patentes brasileiras, prejudicando o incentivo à pesquisa e à ciência no país. Eles apontam a transferência de tecnologia para produção do IFA e o reforço da relação diplomática com os demais países para liberação dos excedentes de insumos e vacinas como alternativas a essa opção.

— O caminho hoje é o da transferência de tecnologia, é o da aquisição de tecnologia, é o da celebração desses memorandos que o Butantan e a Fiocruz estão realizando, é a capacitação técnica dos nossos cientistas, é a construção de capacidades, como bem notou o senador Paulo Paim, de localizar e identificar onde está a capacidade brasileira e adaptá-la à produção nacional de vacinas. Nesse sentido, a proposta brasileira de engajamento em uma terceira via busca exatamente usar esse ponto de apoio para alavancar os nossos interesses — defendeu o representante do Ministério das Relações Exteriores, Maximiliano da Cunha Henriques Arienzo.

O debate contou também com as participações do diretor do Departamento de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, João Lucas de Almeida; dos representante da Fiocruz, Mario Santos Moreira; e do Butantan, Cristiano Gonçalves Pereira, e do vice-presidente do Sindan, Emílio Salani.

Os debatedores também responderam perguntas encaminhadas por internautas através do Portal e-Cidadania.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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