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Flávia Ávila. FOTO: EDNA MARCELINO

por Flávia Ávila*

Politica Estadao

Organização mundial da saúde declarou na última quarta-feira passada (11) que o novo coronavírus (covid-19) está em situação de pandemia. É uma palavra forte, que assusta. Mas, o que ela realmente quer dizer? O termo “pandemia” é utilizado para descrever a disseminação de uma doença em nível mundial. Fala sobre o aspecto geográfico da disseminação.

Entretanto, a definição de “pandemia” não leva em conta a gravidade dos sintomas ou a letalidade da doença. A situação é, sim, considerada grave diante das altas taxas de transmissão frente à capacidade dos sistemas de saúde pública em atender à população. Mas, isso não significa que estamos na iminência de um extermínio.

O coronavírus é um vírus novo, e pandemias são mais prováveis de acontecer nessa situação. Como ainda não apresentamos defesas naturais contra o vírus, assim como medicamentos e vacinas para nos proteger, ele consegue se espalhar com facilidade. Nesse sentido, as manchetes assustam: origem misteriosa, quarentenas, internações forçadas, casos suspeitos, contágio em todos os continentes, milhares de mortes. É natural que tudo isso cause medo e histeria. No entanto, essa percepção pode nos levar a tomar decisões que podem ter consequências negativas em larga escala.

Pela Economia Comportamental sabemos que o medo pode ser um dos fatores – assim como o cansaço, a autoconfiança, a desinformação etc.- que nos fazem tomar decisões piores para nós e toda sociedade. No âmbito pessoal, essas decisões de certa forma irracionais afetam nossa rotina, nos tornando ansiosos, improdutivos, imprudentes.

Ampliando para uma escala regional, decisões irracionais causam escassez de produtos básicos, fechamento de comércios e prejuízos para empresas. E numa escala global, provocam caos e instabilidade econômica e social.

Estamos vendo tudo isso acontecer com a crise do covid-19: a alta procura inflou o preço de itens como máscaras respiratórias e álcool em gel; setores econômicos sofreram retração nas vendas; empresas tiveram que cancelar eventos corporativos em cima da hora e o mercado financeiro está sofrendo com a elevada instabilidade.

Com a ajuda da Economia Comportamental podemos esclarecer quais são as heurísticas e os vieses que influenciam nosso comportamento em situações de pânico como a que estamos vivenciando.

Heurística da disponibilidade

Talvez a heurística mais comum em casos de epidemia. Foi inclusive identificada em um estudo sobre o surto de Ebola em 2014. Basicamente, essa heurística é definida pelo processo de julgar a frequência de um evento segundo a facilidade com que as ocorrências vêm à mente. Diariamente, somos atualizados pelos veículos jornalísticos e redes sociais sobre a situação do covid-19 pelo mundo. Esse bombardeio de informações faz com que a crise pareça mais grave do que a realidade. Por exemplo, atualmente no Brasil é mais provável que alguém seja infectado com sarampo do que com coronavírus. Portanto, acabamos tomando decisões com base em uma probabilidade inflada por essa percepção.

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Assim como outras heurísticas de julgamento, a heurística da disponibilidade substitui uma questão por outra: você deseja estimar o tamanho de uma categoria ou frequência de um evento, mas comunica uma impressão da facilidade com que as ocorrências vêm à mente. Como o ser humano não é um bom estatístico intuitivo, essa substituição de perguntas, consequentemente, leva a erros sistemáticos.

Novas ameaças parecem ser mais graves do que aquelas as quais já estamos acostumados mesmo que os números digam o contrário. Por exemplo: segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), neste último ano, pelos menos 29 milhões de pessoas foram infectadas com o vírus da gripe, 280 mil foram hospitalizadas e 16 mil morreram. Enquanto isso, no mesmo país, 1269 pessoas foram infectadas por coronavírus e 39 morreram até agora.

Viés da representatividade

Nesse caso, o viés da representatividade faz com que, diante de um fato novo como a pandemia do covid-19, completemos as lacunas de informação com exemplos previamente conhecidos ou estereótipos, amplificando a ideia de que podemos ser afetados. Por exemplo, tendemos a comparar o episódio atual com o do Ebola Vírus ou Influenza.

Negligência de probabilidade

A influência do viés cognitivo da negligência de probabilidade na crise do coronavírus foi apontada por Cass Sunstein em artigo recente para a Bloomberg. Negligenciamos a probabilidade de algo acontecer de acordo com suas consequências, sejam elas muito boas ou muito ruins. Um exemplo clássico é o caso da loteria: nós ignoramos o prejuízo quase certo da mínima probabilidade de ganhar diante da grandeza dos prêmios milionários. Na crise do covid-19 ocorre o oposto: um cenário aparentemente catastrófico faz com que criemos pânico por uma doença cuja taxa de mortalidade ainda se mostra baixa.

Prova Social e Efeito Manada

O efeito manada é um dos principais causadores da escassez de produtos e da instabilidade em mercados financeiros, amplificando a catástrofe em situações de crise. Mesmo sem muitas informações, em situações de incerteza acabamos imitando o comportamento alheio – seja passando a utilizar máscaras respiratórias sem conhecer a real eficácia do uso, fazendo estoque de produtos e alimentos em casa ou vendendo ativos sem necessidade por uma tendência de baixa no mercado.

Viés da confirmação

O viés da confirmação é a tendência que temos de procurar apenas por informações que confirmem as nossas crenças, ignorando informações que as contradigam. No caso do covid-19, a palavra “pandemia”, apesar de estar correlacionada apenas com o aspecto geográfico de onde o vírus está instalado, pode gerar a confirmação da crença das pessoas de que o grau de gravidade da doença é muito elevado.

Os protocolos de prevenção como lavar as mãos, evitar lugares fechados e cobrir a boca e o nariz caso queira tossir ou espirrar são simples de ser adotados e devem ser usados para evitar pânico. Governos também já aplicam medidas de distanciamento social para evitar a proliferação do vírus. Assim, o desafio comportamental é um dos principais a serem superados.

Mas, então o que podemos fazer para não sermos tão influenciados pelas nossas heurísticas e vieses nessa situação? Realmente, é muito difícil não nos deixarmos levar por tudo que está acontecendo no Brasil e no mundo. Todavia, sabendo que podemos estar tomando decisões enviesadas, devemos encontrar formas de “parar” o nosso sistema mais automático de pensamentos e atitudes e acionar o nosso sistema mais racional para avaliar melhor a situação. Assim, impedimos que o pânico e a histeria tornem um cenário de crise em uma catástrofe.

*Flávia Ávila é especialista em Economia Comportamental e fundadora da consultoria InBehavior Lab

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