Companhias dão, de graça, tecnologia contra surto

Valor Econômico
Jornalista: João Luiz Rosa e Gustavo Brigatto

30/03/20 - Tecnologias semelhantes às que ajudaram a China a desacelerar a escalada da covid-19 - o número de novos casos diários no país caiu de quase 15 mil em 13 de fevereiro para 45 no sábado - estão disponíveis no Brasil. E o que é melhor: criadas por empresas brasileiras, já foram testadas em condições locais e estão sendo oferecidas de graça para governos e empresas.

A In Loco, sediada em Recife, concluiu recentemente os testes de um algoritmo que permite a autoridades de saúde avisar às pessoas que elas estiveram no mesmo lugar que alguém infectado, dando orientações sobre o que fazer a seguir. Por exemplo, avisar amigos e familiares e começar uma quarentena.

Fundada em 2010, a companhia trabalha com geolocalização - os sistemas que ajudam a encontrar algum ponto no mapa e sem os quais não existiriam negócios como Uber ou iFood. “Usamos dados de sensores presentes nos smartphones, como os de Wi-Fi e bluetooth”, diz André Ferraz, sócio-fundador da In Loco. “Com isso, nosso modelo de localização é 30 vezes mais preciso que o GPS tradicional [que usa satélite]. A precisão é de dois a três metros.”

Ao ter sintomas da doença ou receber teste positivo, uma pessoa poderia emitir uma notificação a partir de qualquer aplicativo que usa o algoritmo da In Loco. A companhia fornece tecnologia para varejistas e bancos que precisam de recursos de geolocalização em lugares fechados. O algoritmo é capaz não apenas de identificar onde o usuário está no momento, mas também por quais lugares ele transitou em determinado intervalo de tempo. É essa capacidade que permitiria a responsáveis por serviços oficiais, como o Sistema Único de Saúde, saber com quem a pessoa infectada compartilhou o mesmo espaço - um supermercado, por exemplo - e fazer campanhas de comunicação dirigida.

Atualmente, 60 milhões de smartphones carregam algum app com o algoritmo da In Loco e seus proprietários deram permissão para ter sua rotina acompanhada, informa Ferraz.

Por enquanto, a tecnologia está sendo usada pela Prefeitura de Recife para medir o índice de isolamento social por bairro. Pela movimentação dos celulares, as autoridades ficam sabendo onde há mais gente andando pela rua, em vez de ficar em casa, e podem tomar providências.

O algoritmo permite diversas aplicações na prevenção da covid-19, diz Ferraz. Ao colocar o pé na rua, o cidadão poderia receber mensagens no celular com orientações sobre como se proteger. O monitoramento de aglomerações é outro exemplo. “Seria possível alertar o consumidor que uma farmácia está cheia e mostrar que estabelecimentos próximos estão mais vazios. Ou avisar equipes médicas que um hospital está lotado, e que os pacientes precisam ser levados para outra unidade.”

A In Loco busca, agora, interlocutores no SUS. A ideia é que o serviço público de saúde incorpore o algoritmo em seus aplicativos, somando sua base de usuários ao número expressivo de smartphones que já contam com a tecnologia ativa. Quanto mais apps públicos aderirem, maior a capacidade de mobilização.

A CyberLabs, empresa de inteligência artificial sediada no Rio, fechou acordo com o município, também sem custo, para o uso de suas tecnologias no esforço de isolamento social. Câmeras públicas e particulares - shoppings, academias e restaurantes estão entre os clientes - tiram fotos das pessoas que transitam por um determinado lugar. Por exemplo, o calçadão de Copacabana. Depois, o sistema conta o número de pessoas encontradas e envia os dados à Prefeitura do Rio. O software também projeta as informações sobre um mapa, o que ajuda a mostrar que lugares mostram os maiores riscos. Com a tecnologia, é possível estabelecer séries históricas sobre o comportamento do público por região.

“Desenvolvemos todos os produtos pensando no mercado brasileiro, com características como câmeras de baixa resolução e internet lenta”, afirma Marcelo Sales, fundador e diretor-presidente da companhia.

Nas próximas semanas, a CyberLabs planeja apresentar um software voltada a uma etapa mais complexa de combate ao vírus, diz Sales. Combinando recursos de inteligência artificial e reconhecimento de face, o programa permitirá, primeiro, que as pessoas façam seu autodiagnóstico, respondendo periodicamente a um questionário pelo smartphone. Com base nesse acompanhamento, prédios comerciais e residenciais poderão ajustar suas políticas de controle de acesso.

Ao entrar em um edifício e apontar seu celular para um código QR, por exemplo, a pessoa teria sua entrada liberado, caso não apresente indícios de contágio, ou encaminhada ao serviço médico se as informações indicarem risco. Cada empresa definiria suas políticas. O sistema pode ser acompanhado de tecnologias adicionais, como termômetros digitais.

A Prefeitura de São Paulo está avaliando os termos de cooperação, informa Sales. A CyberLabs também já iniciou as conversas com o Estado de Goiás.

Tanto no caso da In Loco como no da CyberLabs, os indivíduos não são identificados pelos sistemas para resguardar sua privacidade, um dos pontos mais discutidos internacionalmente.

Além da China, outros países, especialmente na Ásia, têm acelerado o uso de ferramentas tecnológicas para tentar conter o avanço da covid-19. Casos bem-sucedidos estão sendo registrados na Coreia do Sul, no Vietnã e em Cingapura, entre outros lugares.

“O Brasil precisa incorporar a inteligência artificial para resolver seus problemas”, diz Sales. “Tudo indica que teremos de migrar para um modelo de sociedade capaz de conviver com pandemias.”

Contexto
A In Loco, que tem 180 funcionários distribuídos por Recife, São Paulo e Rio, foi fundada por André Ferraz e um grupo de sócios, a maior parte oriunda da Universidade Federal de Pernambuco. O principal acionista da empresa é a Prosus, ex-braço de serviços de internet do grupo sul-africano de mídia Naspers. A Prosus foi desmembrada em setembro do ano passado, quando passou a negociar ações na Bolsa de Amsterdã, na Holanda. A Prosus detém 31% da Tencent, gigante chinesa de internet.

A CyberLabs foi criada em janeiro de 2017 por Marcelo Sales. Formado em engenharia da computação pela PUC-RJ, ele é cofundador da nTime, que mais tarde daria origem ao grupo Movile, dono do iFood. Sales é membro do conselho da Movile, cujo principal acionista é a Naspers.

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

DikaJob de

Para adicionar comentários, você deve ser membro de DikaJob.

Join DikaJob

Faça seu post no DikaJob