Contestado, estudo indica queda de anticorpos após 3 meses

Folha de S.Paulo 
Jornalista: Ana Bottallo

28/10/20 - Pesquisadores do Imperial College de Londres divulgaram nesta terça-feira (27) um estudo que aponta uma queda de anticorpos contra o coronavírus Sars-CoV-2 na população inglesa após três meses. Mais de 365 mil voluntários foram avaliados.

O artigo, ainda em pré-print, ou seja, sem revisão por pares, descreve as três fases de um estudo realizado na Inglaterra para medir a parcela da população que já teve contato com o vírus e apresenta anticorpos no sangue.

A queda de anticorpos na população, segundo os autores, sugere perda da imunidade contra o novo coronavírus em poucos meses, mas não se sabe ainda com certeza quanto tempo e como dura a resposta protetora ao Sars-CoV-2 no organismo.

Realizadas nos meses de junho a setembro, as três etapas consistiram na autoavaliação, por meio de teste rápido, de 100 mil, 106 mil e 159 mil ingleses, respectivamente. Do total de voluntários analisados, 17.576 tiveram anticorpo IgG (imunoglobulina G, associada à defesa de memória) positivo nos testes.

Separadamente, a prevalência de anticorpos para Covid-19 nas três fases foi 6%, 4,8% e 4,4%, respectivamente, com intervalo de confiança de 95%. Comparando as três etapas, houve uma queda na taxa de anticorpos, medida pela titulação dessas proteínas no sangue total, de 26,5%.

Segundo os pesquisadores, a queda na taxa de anticorpos do tipo IgG observada entre as três rodadas do estudo evidencia a diminuição na chamada “imunidade coletiva” no país, que pode estar relacionada ao aumento de novos casos a partir de setembro.

Esta segunda onda, afirmam, estaria associada a uma incidência da Covid-19 em apenas 4,4% da população inglesa —aproximadamente 2,5 milhões de habitantes de um total de 56 milhões—, revelando ainda uma parcela muito grande do país vulnerável ao contágio.

Além do exame, que era enviado aos participantes por correio, os voluntários respondiam um questionário para traçar o perfil sociodemográfico do estudo. Aspectos como cor, gênero, faixa etária, profissão e local de moradia foram avaliados.

A incidência de Covid-19 foi maior em jovens entre 18 e 24 anos e menor nos indivíduos com mais de 75 anos. Também foi maior a prevalência nos moradores de Londres em comparação com o sudoeste da Inglaterra, entre a população negra (13,8%) e asiática (9,7%) em comparação aos brancos (3,6%) e nos trabalhadores dos setores de saúde e assistência social.

Os participantes também foram questionados sobre o histórico de Covid-19 (se o voluntário apresentou sintomas típicos) e se tiveram comprovação da infecção por meio do exame RT-PCR.

Os autores encontraram maior queda de anticorpos nos indivíduos que reportaram histórico de Covid-19, mas sem o exame, do que naqueles que afirmaram ter realizado o exame para comprovação da infecção (redução de 64% ante apenas 22,3%). Isto pode ter influenciado no resultado, uma vez que não é possível assegurar se houve, de fato, a presença de anticorpos neutralizantes nesses participantes.

A queda na titulação de anticorpos também foi maior nos indivíduos com idade acima de 75 anos (-39%), notadamente aqueles que tiveram a menor prevalência, em comparação à faixa etária mais jovem (-14,9%).

O estudo, porém, possui várias limitações. A primeira, relatada pelos próprios autores, consiste no desenho do estudo: foram selecionadas amostras da população aleatórias e não sobrepostas, isto é, não houve um monitoramento da queda nos anticorpos em populações idênticas entre as três fases.

Como os participantes eram selecionados aleatoriamente, mas a participação não era compulsória, é provável que pessoas que tiveram contato com o vírus não tenham participado, contribuindo para a queda na taxa de prevalência entre as três fases.

Os autores também afirmam ainda que a questão da importância dos anticorpos tanto para proteção, quanto para possibilidade de reinfecção não está muito clara.

“É esperada, durante qualquer resposta imune humoral [anticorpos], uma queda na titulação nos meses seguintes devido à morte das células do plasma. No caso de outros coronavírus, alguns estudos apontam para a duração da resposta imune humoral de apenas um ano”, escreveram os pesquisadores.

Ainda, segundo especialistas ouvidos pela Folha, o estudo falha no tipo de exame utilizado, o imunocromatográfico, com baixa sensibilidade. Os próprios autores afirmam que a queda na prevalência de anticorpos observada no estudo pode estar relacionada ao chamado limite no qual o teste não é capaz de identificar anticorpos, mesmo quando eles estão presentes (falso negativo), ou captar anticorpos específicos para outros patógenos que não o Sars-CoV-2 (falso positivo).

O teste utilizado apresentava uma sensibilidade de 84,4%, taxa abaixo do esperado. A especifidade, no entanto, era próxima à do RT-PCR (98,6%). Diversos estudos já apontaram para a falta de evidências para uso dos testes rápidos no diagnóstico de Covid-19.

Esper Kallás, infectologista da Faculdade de Medicina da USP, explica que os resultados do estudo não sustentam a conclusão. “Se fosse verdade que a segunda onda é resultado de queda de imunidade, teriam encontrado inúmeros casos de reinfecção, o que ainda é raro. O teste utilizado tem baixa sensibilidade e só detecta aqueles que têm taxas altas de anticorpos.”

Para Paulo Lotufo, epidemiologista e professor titular de clínica médica da Faculdade de Medicina da USP, da mesma maneira que não é possível afirmar, apenas com base na presença de anticorpos no sangue, a confirmação da infecção por Covid-19, também não se deve usar a queda nessa titulação como garantia de perda de imunidade.

“É natural que os anticorpos apresentem uma queda. O anticorpo não vai ficar circulando o tempo inteiro [no sangue], mas, se houver uma nova infecção, ele pode responder. Temos que pensar ainda que existe a resposta imune celular. Minha impressão é que é muito difícil afirmar perda de imunidade, é mais provável que o teste tenha baixa sensibilidade”, conclui.

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