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Lúcia Helena: Cuide do coração: ele pode pagar caro pelo tratamento do câncer de mama 

UOL

Colunista: Lúcia Helena*

Até o final deste ano, aproximadamente 310 mil brasileiras descobrirão um tumor maligno e, em quase um terço dos casos, a doença delas estará na mama — é o que nos diz a Estimativa 2020 do Instituto Nacional do Câncer, publicada no mês passado. Dessas mulheres enfrentando o câncer de mama, por sua vez, muitas irão superá-lo — ainda bem! Só que a batalha final pela vida talvez não seja esta. Em seu peito poderá restar, esquecido, um ferido nessa guerra: o coração.

Os tratamentos para destruir as células malignas oriundas das glândulas mamárias são capazes de deixar o músculo cardíaco em frangalhos e, logo após o famoso 8 de março, pensei: embora possa parecer estranho, esse também poderia ser um presente às mulheres homenageadas na data, quero dizer, deixá-las mais alertas para as coisas do coração.

Note, quando se ostenta o laço cor-de-rosa no peito, simbolizando a bravíssima luta contra o câncer de mama, o coração frequentemente fica encoberto. No entanto, de acordo com um artigo recém-publicado na revista científica Cancer, ele é a principal causa de morte nos dez primeiros anos depois do diagnóstico.

Se você olha apenas para os cinco primeiros anos após a revelação desse tumor, segundo o estudo que acompanhou 754.270 mil pacientes nos Estados Unidos, os problemas cardíacos então ocupam o segundo lugar entre as causas de morte, só perdendo para o próprio câncer, se o tratamento não consegue destrui-lo. Na medida em que a vitória da oncologia vai ficando garantida, porém, aumentam os episódios de infartos e de insuficiência cardíaca e eles assumem o topo do ranking, por assim dizer. Cruel. Sem contar que, na cola, estão os AVCs na cabeça, outro lado da mesma moeda das doenças cardiovasculares.

Procuro quem me ajude a entender o motivo. "Esse assunto, sobre o qual sempre gostei de falar para deixar as mulheres mais ligadas, mexe muito comigo e se tornou a menina dos meus olhos", me diz Clarissa Thiers, diagnosticada com um câncer de mama bilateral há dois de seus 42 anos de vida.


De uma beleza de cinema francês e voz aveludada, ela explica: "Como aconteceu comigo, por uma série de motivos, o tumor mamário vem surgindo em idades mais precoces e isso nos impõe outro desafio: culturalmente, as mulheres não se lembram muito de ir ao cardiologista, ainda mais se são moças. Portanto, elas nem desconfiam que poderão ter um problema cardiovascular grave por volta dos 50 anos, ou antes até, depois de se livraram do câncer". Então é nadar e, perdoem, morrer na praia.

O que criaria uma maior possibilidade de proteger o peito seria o conhecimento desse risco. Mas infelizmente, na opinião de Clarissa, nem sequer os médicos o conhecem direito. Preciso dizer que a apresentei como paciente oncológica atendendo ao seu pedido — "acho que, hoje, essa seria a informação mais importante ao me apresentar para outras mulheres que tiveram câncer para falar da saúde do seu coração, mostrando que eu conheço bem esse lugar".

Porque, ah, sim, Clarissa Thiers também é uma cardiologista parruda. No Instituto Nacional de Cardiologia (INC), ela é um dos profissionais que, há um par de anos, ajuda na implantação da área de cardio oncologia — relativamente nova na Medicina, ela cuida do coração de quem enfrenta ou enfrentou um câncer, sabendo dos efeitos dos tratamentos sobre esse órgão vital e preparando-o para enfrentá-los também. Clarissa ainda é vice-presidente do departamento de cardiologia da mulher da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro. E… — imprescindível reforçar — paciente oncológica, focada em superar a doença e cuidar do próprio coração. Como? Por exemplo, descobrindo trilhas no Rio de Janeiro que ela percorre para recobrar as energias.

Mas é fato: "O exercício físico é a principal arma de proteção, antes, durante e após o tratamento do câncer", avisa. Claro, não é bolinho botar o coração para suar especialmente durante a químio. O mal-estar provocado por esse tratamento tende a derrubar o corpo em fadiga, sem contar a facilidade para surgirem mialgias, as dores musculares. "Nessas horas, eu digo 'força' às mulheres que encaminho ao setor de reabilitação do INC", diz ela. É preciso.

Se é difícil sair da cama ou se levantar do sofá, saiba que a atividade física é a primeira a espantar esses efeitos adversos. Sem contar que força, ao pé da letra, é justamente o que pode faltar ao coração de quem passou pela quimioterapia. Algumas drogas usadas no combate ao câncer de mama, como as antraciclinas, são capazes de provocar insuficiência cardíaca, ou seja, o músculo deixa de bombear adequadamente o sangue oxigenado para todo o corpo.

No cenário ideal — "que ainda não é a realidade em toda a rede pública", lamenta Clarissa —, a paciente faria um ecocardiograma, uma espécie de ultrassom do coração, antes mesmo de iniciar a primeira sessão do tratamento. "Um problema preexistente na ejeção do sangue pode suscitar uma discussão e eventual troca das drogas quimioterápicas usadas para acabar com o tumor", exemplifica a médica-paciente.

Ainda no cenário ideal, esse exame seria repetido de tempos em tempos. "Hoje, a gente espera os primeiros sintomas para pedi-lo, o que é notoriamente errado." Começar um tratamento de câncer de mama com um cardiologista acompanhando o caso ao lado do onco, diga-se, é um conselho importante. "O cardiologista poderá entrar com remédios, como beta-bloqueadores, para manter a pressão adequada ao longo dessa jornada", exemplifica Clarissa.

O diagnóstico precoce do câncer bem como a agressividade do tumor também contam na história. "O efeito cardiotóxico da químio depende da dose e é cumulativo. Ou seja, quanto maior a quantidade de remédios necessária e quanto maior o tempo exigido para derrotar as células malignas, maior o risco de a químio causar danos ao coração", explica Clarissa. Mas, claro, existem outros fatores na jogada, como uma provável predisposição genética. "Se não fosse assim, todo mundo passaria mal do coração depois de submetido à químio. E, felizmente, não é o que acontece", observa.

Já a radioterapia, quando o tumor está na mama esquerda, pode afetar as válvulas cardíacas. Essa probabilidade caiu nos últimos anos, porque hoje a radiação acerta em cheio na mira do tumor poupando a vizinhança sadia, mas ainda existe. E, no caso de pacientes que já tinham problemas nas válvulas, eles poderão se agravar, exingindo a troca dessa membrana — espécie de portinhola que libera a passagem do sangue entre as câmaras do coração.

Nas mulheres que, para vencer o tumor, precisam bloquear os seus hormônios femininos —quando eles alimentam as células malignas —, o perigo é de alteração nas taxas de colesterol e de triglicérides. "O bloqueio hormonal também aumenta demais a ameaça de tromboses e é preciso ter cuidado em viagens longas, pedindo orientação ao cardiologista para que não surja um coágulo capaz de obstruir a passagem no sangue", aconselha a médica.

Além de fazer exercícios com disciplina — no caso de uma mulher que venceu o câncer de mama, ele não seria opcional —, vale mais do que nunca controlar todos os fatores de risco, como colesterol elevado, pressão alta e, bom frisar, a obesidade. Ela, em si, já é fator de risco para o câncer de mama, diga-se. Para problemas do coração, então, nem se fala.

"Fazer tudo isso, depois de ter passado por uma químio, não é garantia absoluta de que o coração permanecerá a salvo, mas é o que está ao meu alcance", diz Clarissa Thiers. "A gente precisa refletir sobre as lições que um câncer traz e uma das principais delas é rever todo o nosso estilo de vida." Só essa reflexão, motivando mudanças positivas no dia a dia, já alivia bastante o peito.

 

(*) Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

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