Tem uns dez mil anos que a humanidade e as drogas vivem um relacionamento tão íntimo quanto conflituoso, distribuindo tristeza ou alegria, prejuízos ou lucros extraordinários. Mergulhando nesse tema riquíssimo, o jornalista americano Thomas Hager escreveu “Dez drogas”, sob medida para hipocondríacos e curiosos em geral, ainda mais quando meio planeta teima em renegar o valor do conhecimento científico.

O livro trata não de maconha e recreações afins, mas de drogas embutidas nos remédios. Apresentando a origem de aspirinas, anticoncepcionais, Viagra, estatinas, antipsicóticos e outros medicamentos, Hager conta histórias sobre muito mais do que dez drogas, e o faz com dados surpreendentes. Diz, por exemplo, que a mão invisível do mercado farmacêutico já receitou heroína para uso infantil. E que um americano consome, em média, pelo menos 50 mil comprimidos ao longo da vida, fortalecendo uma indústria que movimenta US$ 300 bilhões por ano, somente nos EUA — sem contar o mercado ilegal.

Segundo Hager, o ancestral de todas as drogas é o ópio, encontrado em duas das 28 espécies de papoulas. Sua fama vem de tempos imemoriais. A “planta da alegria” aliviava dores, entorpecia o corpo e “romanceava a imaginação”, seduzindo sumérios, assírios, babilônios… Ganhou o mundo.

Como tantas drogas, o ópio encanta, mas pode também representar a morte real ou metafórica de seus usuários. E pode ser uma arma: britânicos aproveitaram seu caráter deletério para tentar dominar a China no século XIX, onde despejaram tanto ópio que, nos anos 1880, 70% dos seus homens adultos ficaram viciados. Na mesma época, traficantes da China deram origem, na Califórnia, à subcultura das drogas nos EUA.

Descanso para a mente

Não por acaso, opiáceos — como morfina e heroína — continuam à venda nas melhores ou piores casas do ramo, dependendo do cliente. O ópio rendeu frutos sobretudo a partir do século XVIII, graças à indústria química. A Bayer, por exemplo, lidava com corantes. Nos anos 1890, embarcou na busca de novos remédios. Foi assim que nasceram a Aspirina e, logo em seguida, a heroína da Bayer. Esta era milagrosa, indicada como expectorante infantil e até no combate à ninfomania, entre outros problemas. Podia-se comprar por US$ 1,50 uma linda maleta com uma seringa, agulhas e dois frascos de heroína. Fácil de usar, difícil de largar: o tempo mostrou que pacientes frequentemente abusavam do consumo recomendado porque a droga propiciava felicidade — até que seu efeito minguasse, claro.

Esse descanso para a mente explicaria a facilidade com que medicamentos ganharam tanto espaço a partir dos anos 1950, na ressaca da Segunda Guerra e no calor das revoluções culturais. Pensemos nos anticoncepcionais e, mais recentemente, no Viagra, que realiza o sonho da juventude eterna.

Para Hagen, o sucesso das drogas tem muito a ver com a própria sociedade americana, que não admite sentir dor física ou emocional. E foi por satisfazer, pelo menos temporariamente, seus clientes-usuários que os laboratórios se tornaram corporações gigantes, o que nem sempre é sintoma de um organismo econômico saudável. Hager é crítico em relação a esse poder concentrado em poucas indústrias, que gastam em marketing quase tanto quanto em pesquisas.

Autor de obras conceituadas sobre história da medicina e da ciência, Thomas Hager tem estilo e não complica. Suas previsões são intrigantes. Diz que teremos menos substâncias químicas, mais drogas digitais, remédios customizados de acordo com o DNA do sujeito e, claro, novas doenças.

Fonte: Diário de Cuiabá

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