Diagnóstico da malária sem exame de sangue

Correio Braziliense
Jornalista: Vilhena Soares

Para detectar uma enfermidade, a análise do sangue do paciente é quase uma regra. Principalmente nos casos de doenças infecciosas, causadas por vírus ou parasitas. Esse cenário, porém, pode mudar. Pesquisadores dos Estados Unidos desenvolveram um teste de malária que dispensa a investigação sanguínea tradicional. A tecnologia utiliza uma série de microagulhas que são aplicadas na pele por meio de um pequeno adesivo e, em apenas 20 minutos, conseguem detectar a presença de proteínas relacionadas ao protozoário que causa a enfermidade. A técnica foi apresentada, neste mês, na revista especializada Nature Microsystems and Nanoengineering e, segundo seus criadores, também poderá ser usada para identificar a infecção pelo Sars-CoV-2 e por outros patógenos.


Para chegar a um diagnóstico rápido e menos invasivo da malária, os pesquisadores deram foco ao fluido intersticial dérmico, um líquido presente no sangue que contém uma série de proteínas que podem indicar a presença de agentes invasores. “O fluido contém uma infinidade de biomarcadores para várias doenças. É um material muito rico para sistemas de diagnóstico”, afirma, em comunicado, Peter Lillehoj, pesquisador da Universidade de Rice, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.

Para analisar o fluido intersticial dérmico, os pesquisadores utilizam microagulhas hidrofílicas, que são atraídas pela água. Isso faz com que elas consigam aspirar apenas o fluido intersticial do sangue. “Posicionamos 16 microagulhas em um adesivo que pode ser colado como um pequeno curativo em cima da pele. As agulhas têm 375 mícrons de largura e 750 mícrons de comprimento, o suficiente para atingir o fluido”, detalha Lillehoj.

Os cientistas também adicionaram uma pequena fita repleta de anticorpos no adesivo e um pequeno marcador. Feito o contato com a pele, células de defesa podem reagir caso detectem a presença das proteínas relacionadas à malária. Se isso acontece, o dispositivo marca duas linhas vermelhas (positivo), indicando a infecção. Se não houver reação das células de defesa, apenas uma linha aparece (negativo). Em testes com porcos, a equipe obteve resultados bastante apurados.

Baixo custo

Apesar de as duas tecnologias usadas fazerem parte de outras soluções biomédicas, os pesquisadores ressaltam que o projeto é o primeiro a explorá-las juntas em uma ferramenta de diagnóstico. “As microagulhas e o os papéis com anticorpos são conhecidos por muitos especialistas, mas ainda não tínhamos dispositivos que unissem essas duas áreas para detectar enfermidades. Realizamos essa tarefa com sucesso e, agora, temos um teste barato e simples”, assegura o autor do estudo.

Assim que o teste é concluído, o dispositivo pode ser removido como qualquer curativo. “Eu e Xue Jian, minha colega de pesquisa, aplicamos o adesivo em nossa pele, e não parece algo dolorido, principalmente em comparação com uma picada no dedo ou uma coleta de sangue. É menos doloroso do que tirar uma farpa. Eu diria que é como colocar fita adesiva na pele e, depois, arrancá-la”, assegura Lillehoj. Outra vantagem, segundo ele, é que a solução não requer conhecimento médico de quem for aplicá-la ou qualquer equipamento extra.

Peter Lillehoj destaca que a nova tecnologia pode ser bastante útil para realizar testagens em crianças. “No início, não era nosso plano fazer um adesivo, mas agora que a nossa tecnologia tomou essa forma, ela parece ser ainda mais útil, já que muitas crianças têm medo de agulha”, justifica. “Nosso plano é fazer com que ela seja ainda mais comerciável. Acreditamos que poderá ser vendida a cerca de US$ 1 quando for produzida em grande escala”, complementa.

Comodidade

Joel Rodrigues, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), avalia que o dispositivo apresenta vantagens valiosas. “Ainda é um protótipo, mas já vemos que essa forma de análise é muito mais cômoda do que a maioria dos testes de diagnóstico. Imagine que você pode comprar esse dispositivo em uma farmácia, usá-lo sem a ajuda de um especialista e sem precisar furar o dedo”, afirma.

O especialista brasileiro ressalta que essa funcionalidade pode fazer a diferença em um momento de crise sanitária. “Também vemos que resultados mais demorados têm sido um problema principalmente agora, durante a pandemia da covid-19. É difícil ter a rapidez e a acuidade de diagnóstico ao mesmo tempo”, justifica. Joel Rodrigues destaca, principalmente, a ausência de dor no processo de análise proposto pelos cientistas americanos. “Isso ocorre devido ao uso dessas microagulhas, uma tecnologia muito interessante e que tem sido bastante explorada na área médica justamente para evitar pequenos incômodos que ainda estão presentes em alguns exames.”

Segundo o professor da UFPI, muitos especialistas têm se dedicado ao desenvolvimento de exames médicos que poupem os pacientes de sentirem dor. “Indivíduos com diabetes, por exemplo, precisam conferir o nível de glicose constantemente. Pesquisadores já chegaram a alguns instrumentos que conseguem realizar essa análise sem precisar tirar o sangue da pessoa”, conta.

Rodrigues acredita que mais pesquisas são necessárias para que o diagnóstico rápido de malária possa chegar ao mercado. “Precisamos que as análises sejam feitas em animais maiores e, em seguida, em voluntários. A partir daí, vamos dizer se essa tecnologia pode ser usada com segurança em humanos. Já temos provas fortes de sua acessibilidade, mas é importante ter, ainda, mais certeza da acuidade do diagnóstico”, opina.

Palavra de especialista: Ganho em biossegurança (Por: David Urbaez, médico infectologista do Laboratório Exame, em Brasília)

“Esse novo teste para a malária soma-se a mais tecnologias que surgem com o objetivo de ter diagnósticos bem rápidos. Sua particularidade mais interessante é o uso de microagulhas, que conseguem acessar o fluido intersticial dérmico sem precisar retirar o sangue do paciente e, a partir daí, identificar as proteínas específicas dos protozoários do gênero Plasmodium. Essa é uma grande vantagem pela questão da biossegurança. Nas regiões em que registramos mais casos de malária, temos também presentes outras enfermidades, e muitas delas são transmissíveis pelo sangue, como a hepatite C. Sem usar o sangue evitamos os riscos associados à punção feita para obter a gota sanguínea. Outro ponto positivo é que seria mais fácil usar essa tecnologia em áreas mais afastadas, já que não é necessário especialistas na área da saúde para aplicá-la. Quando não precisamos de treinamento para adotar um método de diagnóstico, isso nos proporciona a possibilidade de analisar um número maior de pessoas e em menos tempo.”

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