Droga contra câncer de mama é ignorada em rol da ANS

Folha de S.Paulo 
Jornalista: Ana Botallo

07/11/20 - A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) divulgou no dia 8 de outubro a lista de medicamentos e procedimentos de saúde a serem incluídos no rol de cobertura dos planos de saúde no Brasil a partir de 2021.

Se aprovado como está, quatro dos seis tratamentos recomendados para câncer de mama metastático podem ficar de fora do rol. Isto porque, embora semelhantes, apenas dois dos três medicamentos tiveram recomendação positiva (são três drogas e duas terapias distintas para cada uma).

A principal droga que teve recomendação contrária foi o palbociclibe (conhecido pela marca Ibrance), da farmacêutica Pfizer. Ele é associado a hormônio no tratamento de câncer de mama metastático HR+/HER2- (receptor hormonal positivo e negativo para expressão do gene HER2).

Junto com o abemaciclibe e o ribociclibe, medicamentos da classe de inibidores de CDK4/6 (ciclinas dependentes de quinases 4 e 6), o palbociclibe é aprovado na Europa e nos EUA como terapia-alvo para esse câncer de mama, agindo nas células do tumor ao bloquear a divisão celular e impedir seu crescimento.

O uso desses medicamentos é recomendado, associado à terapia hormonal,quando há metástase para outros órgãos, não no primeiro estágio.

As três drogas são administradas via oral, facilitando a terapia, que pode ser feita em casa. O preço médio da caixa para um ciclo (21 dias) do remédio é de R$ 15.000.

Esse tipo de câncer, predominante em mulheres pósmenopausa, pode aparecer em pacientes mais jovens. É o caso de Germaine Tillwitz, 36, advogada de Mogi das Cruzes (SP) que luta há quatro anos contra o câncer de mama.

Com o câncer descoberto pela primeira vez em 2016 ainda na forma inicial, Germaine passou por todos os tratamentos tradicionais: quimioterapia, mastectomia (cirurgia de remoção de mamas) e radioterapia. Em setembro de 2019, descobriu metástase na medula óssea. Iniciou o tratamento hormonal sozinho e depois associado ao palbociclibe.

“Me deu outra qualidade de vida, consigo desempenhar minhas atividades normais, não preciso ir ao hospital, tenho poucos efeitos colaterais.”

Sem o palbociclibe, diz, teria recomeçado a quimioterapia. Ela só conseguiu o remédio após uma ação na justiça para que o plano fornecesse a droga.

Agora, se não for revertida a decisão da ANS, Germaine e muitas outras mulheres que sofrem do mesmo tipo de câncer podem ficar sem cobertura pelo plano —ou terem que recorrer à judicialização para obter o tratamento.

Em estudos publicados, os inibidores de CDK4/6 diminuíram a razão de risco de progressão da doença com valores entre 0,55 e 0,6 (razão abaixo de 1 indica boa ação para impedir o retorno do câncer).

Essas drogas também apresentaram bons resultados no ganho de sobrevida global — quantos meses a paciente vive mais após o início do tratamento. Em média, são 30 meses de sobrevida.

Para Sergio Simon, oncologista e presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc) no biênio 2017/2019, o potencial ganho de qualidade de vida das drogas é muito superior ao de tratamentos tradicionais, sendo o palbociclibe recomendado para recondução do tratamento de câncer de mama metastático com boa segurança. O principal efeito colateral é a queda dos glóbulos brancos.

Para Simon, a falta de dados sobre ganho de vida global do palbociclibe em relação aos outros dois fármacos pode ter sido um dos motivos de sua exclusão, mas não está claro. Como as três drogas são parecidas, diz, a prescrição depende de como é a adaptação da paciente a cada uma.

“Por isso a surpresa de ver a recomendação positiva de duas e não para uma.”

Para o oncologista, o critério econômico parece também não fazer sentido. “Para os convênios, quanto mais drogas estiverem no rol melhor, pois assim eles podem negociar o preço, procurar descontos com as farmacêuticas. A falta de competitividade é ruim.”.

Uma das instituições que acompanharam de perto as discussões foi o Instituto Oncoguia, ONG voltada para o apoio, a educação e a defesa de direitos dos pacientes com câncer. Segundo Luciana Holtz, fundadora e presidente do instituto, o pedido dos médicos e da sociedade civil foi sempre pela incorporação da classe toda, e não de parte das drogas.

“Em um momento em que se discute tanto a saúde da mulher, o câncer de mama e a qualidade de vida das pacientes, optar pela inclusão de uma droga e exclusão de outra não faz sentido algum. A prescrição e a opção deve ser do médico entender qual a melhor droga para cada paciente, pois as três, embora semelhantes, se adaptam de maneiras distintas em cada caso”, avaliou a diretora clínica da Pfizer no Brasil, Marjóri Dulcine.

A recomendação publicada pela ANS não é final. Até o dia 21 de novembro está aberta uma consulta pública para avaliar os medicamentos e procedimentos da área da saúde a serem incluídas no rol de cobertura da saúde suplementar.

Questionada, a ANS disse que, ao fim do prazo da consulta pública, “as sugestões serão analisadas e consolidadas e passarão por deliberação da direção colegiada”.

“Somente depois de concluídas essas etapas, a ANS definirá quais procedimentos serão incorporados.”

A agência disse, ainda, que a decisão sobre a incorporação ou não dos procedimentos no rol não reflete na sua arrecadação e no seu orçamento.

Por fim, o órgão ressalta que “o processo de incorporação no rol obedece critérios científicos comprovados de segurança e eficácia, e os procedimentos incorporados são aqueles nos quais os ganhos coletivos e os resultados clínicos são mais relevantes para seus pacientes”.

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