Valor Econômico, notícia também publicada em Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo e Correio Braziliense
Jornalistas: Sergio Lamucci, Bruno Villas Bôas, Alessandra Saraiva, Gabriel Vasconcellos, Anaïs Fernandes, Arícia Martins e Ana Conceição
02/09/20 - Com o impacto das medidas de isolamento social para combater a pandemia da covid19, a economia brasileira teve uma queda histórica no segundo trimestre, recuando 9,7% em relação ao primeiro, feito o ajuste sazonal.
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É a maior retração já registrada nessa base de comparação desde pelo menos 1980, segundo cálculos da equipe do Monitor do PIB, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). A demanda doméstica afundou, com o tombo do investimento, do consumo das famílias e do consumo do governo. Pelo lado da oferta, serviços e indústria despencaram, enquanto a agropecuária teve alta.
Com isso, ficou configurada a recessão técnica, caracterizada por dois trimestres seguidos de contração do PIB. Mesmo com a reação da atividade tendo se iniciado em maio e junho, com o relaxamento gradual da quarentena, o resultado da média do trimestre foi muito ruim, especialmente devido à magnitude do tombo registrado em abril. Para o terceiro trimestre, a expectativa é de uma alta forte, uma vez que os indicadores de julho têm sido positivos - Goldman Sachs, Itaú Unibanco e XP têm estimativas na casa de 7% sobre o segundo, feito o ajuste sazonal. No entanto, ainda há muitas incertezas, como as dúvidas sobre o mercado do trabalho, as contas públicas e há 41 minutos Brasil o quadro político. Para o resultado do PIB do ano, as apostas se concentram na faixa de -4,5% a -6,5%.
O investimento teve a maior queda entre os componentes da demanda, recuando 15,4% em relação ao primeiro. O consumo das famílias também levou um tombo superior a dois dígitos, encolhendo 12,5%. O auxílio emergencial de R$ 600 do governo federal e outros programas de apoio às empresas e consumidores evitaram uma queda ainda maior do consumo das famílias no segundo trimestre, segundo Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE. Ela lembrou que as medidas de isolamento fecharam estabelecimentos, afetaram a renda e provocaram cautela nos consumidores. “Esses impactos foram compensados, em parte, pelos programas do governo às famílias. Foi a parte positiva. A queda do consumo das famílias teria sido maior sem isso.”
A surpresa foi a baixa de 8,8% do consumo do governo, um desempenho muito pior que o esperado pelos analistas. Com isso, a demanda doméstica total, que inclui esse componente mais o investimento e o consumo das famílias, teve uma contribuição negativa de 11,9 pontos percentuais para o recuo do PIB de 9,7% no segundo trimestre, nos cálculos do diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. Já o setor externo ajudou a evitar uma queda ainda mais forte. Como as exportações cresceram 1,8% e as importações caíram 13,2%. houve contribuição positiva de 2,2 pontos percentuais do setor externo para o PIB, estima Ramos.
Pelo lado da oferta, os serviços encolheram 9,7%. O tombo beirou 20% nos segmentos mais afetados pelas medidas de isolamento social. O de transporte, armazenagem e correio registrou queda de 19,3% no segundo trimestre. A retração foi ainda maior - de 19,8% - em outras atividades de serviços, que reúne os segmentos de alojamento e alimentação, serviços prestados às famílias e empresas, serviços domésticos e educação e saúde privadas. A reação dos serviços será fundamental para definir a velocidade de recuperação da economia, uma vez que respondem por quase três quartos do PIB.
O economista-chefe do ASA Investments, Gustavo Ribeiro, se diz cauteloso a respeito das perspectivas para a atividade porque a retomada do setor de serviços não depende apenas da reabertura da economia e da maior mobilidade das pessoas, mas também da demanda, que tem sido sustentada pelo auxílio emergencial. Para ele, o crucial para o segmento se recuperar é o mercado de trabalho, que está em situação delicada.
A indústria também teve desempenho muito negativo, com recuo de 12,3%. O segmento que mais sofreu foi o de transformação, com recuo de 17,5%. Rebeca lembrou que o período de pandemia foi marcado pela paralisação de fábricas, férias coletivas em setores e redução da demanda de consumidores. “Vimos quedas disseminadas de produção em bens de capital e bens de consumo duráveis. Dentro da indústria de transformação poucas atividades tiveram resultados positivos. São setores mais demandados durante a pandemia, como a indústria farmacêutica e de material de limpeza”, disse ela. A agropecuária, por sua vez, subiu 0,4%.
O IBGE também revisou o resultado do PIB primeiro trimestre, ampliando a queda sobre o trimestre anterior de 1,5% para 2,5%. Como o PIB no segundo trimestre caiu mais do que o esperado por vários analistas, algumas instituições reduziram as projeções para o PIB neste ano. Ramos, do Goldman Sachs, cortou a sua estimativa de -5% para -5,4%, enquanto Leonardo Porto, do Citi Brasil, mudou a sua de -6% para -6,5%. Para o economista Mauricio Oreng, do Santander, o resultado do PIB do segundo trimestre acabou com o viés de alta das projeções para 2020. “Números para o ano de contração de 6% a 6,5% parecem fazer sentido. A gente estava indo na direção de uma queda para o ano de 5%”, afirmou ele. “A gente volta a ficar confortável com o cenário [de -6,4%]”, disse Oreng, referindo-se à projeção do banco.
Mas houve quem fizesse o movimento na direção contrária, como a MB Associados, que melhorou a projeção de uma queda de 5,3% para um tombo de 4,8%. O UBS também passou a prever um tombo menos intenso do PIB em 2020, de -5,5% para -4,5%. Segundo os economistas Tony Volpon e Fabio Ramos, a revisão foi feita devido à expectativa mais favorável para o terceiro trimestre, quando a economia, para eles, deve crescer 9% sobre os três meses anteriores. A projeção anterior era de expansão de cerca de 4%. Ontem, foi divulgado índice de gerentes de compra da indústria de agosto, que mostrou alta de 58,2 para 64,7 pontos, um nível recorde, segundo a IHS Markit.
Os juros baixos e a melhora da confiança empresarial favorecem as perspectivas para a economia nos próximos meses. No entanto, as incertezas quanto ao cenário fiscal, o mercado de trabalho fraco e as dúvidas sobre como a atividade vai reagir à redução do valor do auxílio emergencial são fatores que podem atrapalhar a retomada. Além disso, a pandemia não está sob controle, apesar da queda recente do número de mortos.
O resultado das contas nacionais reforçou a ideia de que parte dos recursos transferidos pelo governo federal foi poupada pelas famílias. A taxa de poupança doméstica alcançou 15,5% do PIB no segundo trimestre e ultrapassou a taxa de investimento, que ficou em 15% do PIB. “Houve um aumento muito grande no depósito das famílias no sistema financeiro. Isso, inclusive, favoreceu o crescimento do setor financeiro no período. Uma parte disso tem a ver com os programas de apoio do governo, que compensaram bastante a queda na renda do trabalho”, Rebeca.
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