Entre cientistas, muito mais desconfiança que otimismo

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O Estado de S.Paulo 
Jornalista: Indefinido

12/08/20 - Quando o governo russo programou uma vacinação em massa contra o coronavírus para outubro, os cientistas brasileiros mostraram mais desconfiança e cautela do que otimismo com a perspectiva de cura da doença. As dúvidas aumentaram ontem, quando o presidente Vladimir Putin afirmou que a Rússia se tornou o 1º país a aprovar a regulamentação de uma vacina contra a covid-19, a Sputnik V. A possibilidade de “pular” etapas de testes para acelerar a distribuição da vacina e a falta de transparência dos resultados deixam dúvidas sobre sua eficácia.

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O governo informa que as pesquisas estão na fase 3, a última e mais importante – mas não divulgou estudos em revistas científicas sobre os resultados das fases anteriores. Segundo o órgão, a Sputnik V está apta para ser distribuída à população.

Há controvérsias. De acordo com o site russo Meduza, criado por jornalistas independentes, a Associação de Organizações de Pesquisa Clínica, que reúne empresas farmacêuticas e de pesquisa, aponta que a vacina ainda está na fase 1-2, segundo o registro de ensaios clínicos. A previsão de conclusão seria apenas em dezembro. Outro site, o Clinical Trials, criado nos EUA, repete o dado: os estudos russos ainda estão na fase 1 e 2.

Como comparação, a vacina Coronavac, parceria do Instituto Butantã, de São Paulo, com a empresa chinesa Sinovac Biotech, vai precisar de 90 dias para concluir a fase 3. Se os testes derem certo, ela deve estar disponível apenas no início de 2021. O experimento russo tem menos de dois meses de testes em humanos.
“Temos 26 vacinas em fase clínica de estudos e seis na fase 3. A vacina russa está em fase 1. Mas o governo está indicando uma vacina pronta em agosto”, compara a infectologista Cristina Toscano, da área de Patologia Tropical da Universidade Federal de Goiás .


Para a professora, isso é impossível “porque pressupõe, necessariamente, estudos de fase 3, que não podem ser feitos sem a conclusão da fase 2”. Representante da Sociedade Brasileira de Imunizações, e única sulamericana a integrar o GT de Vacinas para covid-19 no grupo estratégico da Organização Mundial de Saúde, ela está diretamente envolvida na busca pelo imunizante. Seu papel é revisar, com os outros 14 membros do grupo, as evidências disponíveis sobre os estudos.

A vacina já foi administrada a 38 pessoas. Do total, 18 receberam a vacina uma vez e as outras 20 receberam duas doses, para estimular ainda mais o desenvolvimento da imunidade. Cada vacinado mantinha um diário no qual eram registrados efeitos colaterais, como febre, erupção cutânea ou vermelhidão no local da injeção.

Denis Logunov, vice-diretor científico do Instituto Gamaleya (responsável pelos testes), declarou que não foram observados efeitos colaterais significativos.
A Associação de Organizações de Pesquisa Clínica criticou a atuação dos cientistas, especialmente Logunov, que teria injetado a vacina em si mesmo quando ela ainda estava em testes em animais. A prática não é aceita no Ocidente.


No escuro

Natalia Pasternak, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), ressalta a falta de compartilhamento dos dados da vacina russa. “A comunidade científica mundial está no escuro. É motivo de muita preocupação. Temos uma população de cerca de 150 milhões de pessoas (na Rússia) que vai começar a ser vacinada sem que conheçamos os efeitos.” Queimar etapas na criação de uma vacina para acelerar sua distribuição levanta questões éticas, ressalta o virologista Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária da USP.

“Esses estudos geram dúvidas na comunidade científica mundial por causa da intenção dos envolvidos de saltar etapas e passar diretamente ao uso da vacina em escala mais ampla”, opina o especialista. “Não é ético fazer isso.”



Como em Oxford

Alheia à desconfiança da comunidade científica internacional, a Rússia acelerou seu cronograma por determinação do presidente Vladimir Putin. Em reunião transmitida pela TV estatal, ele afirmou que uma de suas filhas tomou a vacina. “Sei que funciona de maneira bastante eficaz”, disse Putin.

A infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emilio Ribas, afirma que a vacina russa utiliza a plataforma do vetor-viral, a mesma técnica utilizada pela Universidade Oxford, do Reino Unido, que possui os estudos considerados mais promissores sobre a vacina. “A única diferença é que os russos usam dois adenovírus, mas essa é uma das poucas informações que nós temos”, critica.

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