Especial Saúde: Farmacêuticas aceleram aportes em P&D

Valor Econômico 
Jornalista: Márcia R. Corradini

27/08/20 - Uma guinada brusca é a melhor imagem de o que acontece em 2020 no setor farmacêutico. Praticamente tudo ou está sendo revisto ou reprogramado em função da brutal e repentina demanda global por antibióticos, anestésicos e até antidepressivos e anticoncepcionais na esteira da mais grave crise sanitária dos últimos cem anos.

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Está em curso desde uma reavaliação detalhada do rol de moléculas dentro das expertises de cada um dos líderes globais de medicamentos, até uma aceleração no desenvolvimento de fármacos, vacinas e novos medicamentos nos grandes laboratórios farmacêuticos: tudo em nome do enfrentamento da emergência global da covid-19.

No momento, entretanto, ninguém arrisca dimensionar a repercussão da pandemia para o negócio de medicamentos ao redor do mundo.

Centenários laboratórios globais da farmacêutica como Sanofi, Bayer, Pfizer, GSK, Novartis ou líderes nacionais como Cristália, Eurofarma, EMS e até startups brasileiras estão numa corrida sem precedentes para capturar ou catapultar resultados no mercado de remédios e terapias.

“Nós fizemos uma ampla revisão de nossas moléculas e temos, hoje, investimentos em cerca de cem delas com potenciais para auxiliar nos efeitos do covid-19”, afirma Adib Jacob, presidente da alemã Bayer Pharma para a América Latina. Todo o esforço e agilidade contam na divisão internacional do trabalho em todos os centros de pesquisa das multinacionais pelo mundo, alguns só para a fase de testes finais da pesquisa clínica.

Há uma corrida global com cerca de uma centena de candidatos somente para a produção de vacinas contra a covid-19, e pelo menos 18 deles estão em fase adiantada de pesquisa clínicas. A francesa Sanofi, líder mundial de vacinas, e a britânica GlaxoSmithKlaine (GSK) fizeram uma aliança para somar capacidade de produção de pelo menos 1 bilhão de doses da vacina, que está em fase de testes na Europa.

“Nós estamos correndo com duas tecnologias diferentes de vacinas: uma, mais adiantada para o primeiro trimestre de 2021, de proteína recombinante (como a utilizada na vacina da influenza), e outra da rota gênica,com o RNA mensageiro (mRNA), que projetamos para outras 500 milhões de doses, com lançamento para o final do primeiro semestre de 2021”, conta Felix Scott, general manager da Sanofi Brasil, que tem com o governo brasileiro o maior programa de vacinação contra gripe do mundo.

Ao mesmo tempo, após a incômoda constatação quanto ao alto grau de dependência da indústria mundial em relação às matérias-primas básicas de fármacos (ifas) produzidas na China ou na Índia, a Sanofi decidiu ampliar e acelerar seus investimentos e destinou uma fatia do montante de inversões anuais de € 6 bilhões para sua unidade de matérias-primas, que será a maior da Europa. Paralelamente, Romênia e Hungria também começam a despontar como locais competitivos para retomada da produção desses insumos na Europa.

José Carlos Felner, presidente da GSK do Brasil, acredita que o ano de 2020 ficará marcado como o mais caótico deste século e a união sem precedentes entre ciência, academia e a indústria farmacêutica deverá mudar os “paradigmas da pesquisa e produção de vacinas e medicamentos em geral”. Além da parceria com a Sanofi, na qual emprega sua tecnologia adjuvante, que reduz a quantidade de antígeno por dose e multiplica a capacidade de produção de vacinas, a GSK já firmou parcerias com as chinesas Clover e a Xiamen Innovax Biotech e com a canadense Medicago, além da Universidade Queesland (na Austrália). “Entendemos que haverá mais de uma vacina devido às particularidades do vírus e esperamos que várias delas sejam bem sucedidas.”

A americana Pfizer acelera as fases 2 e 3 de pesquisa para sua vacina baseada em RNA mensageiro. “O Brasil é um dos poucos países participantes desse nosso estudo”, comenta Marjorie Dulcine, diretora médica da Pfizer Brasil. A iniciativa já começou em São Paulo e Salvador e cerca de mil voluntários participarão dessa fase. Quando a vacina experimental receber a aprovação regulatória a Pfizer espera produzir 1,3 bilhão de doses até o fim de 2021. E, assim como os demais líderes mundiais da farmacêutica, fará isso sem deixar de lado seus pesados investimentos em outras moléculas ou terapias, como a gênica.

O ritmo não é diferente em pequenas companhias, antes até desconhecidas como a Moderna, dos Estados Unidos, ou startups que surfam a onda da inovação em biotecnologia como a brasileira Farmacore. Helena Faccioli, CEO da startup Farmacore, de Ribeirão Preto (SP), fez uma parceria para uso da plataforma de nanotecnologia da americana PDS Biotechnology Corp., e está desenvolvendo a primeira vacina contra o covid-19 que é 100% nacional. Ela conseguiu o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep, do BNDES) e, até meados de agosto aguardava a aprovação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para somar um montante de R$ 15 milhões e acelerar testes necessários para a habilitação da vacina na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Nossa vacina é baseada em imunomoduladores, neste caso uma recombinação de uma proteína da Sars-CoV-2. É uma tecnologia patenteada de ativação das células T (de defesa do organismo)”, diz Faccioli.

Toda essa aceleração na cadeia farmacêutica trouxe impactos importantes nos custos de logística, tanto para os insumos farmacêuticos como para a distribuição de medicamentos acabados em todo o mundo. Mas, em países continentais como o Brasil, o peso desse custo é maior, sem contar as regras de distanciamento social, que obrigaram os laboratórios farmacêuticos a realocar funcionários e redesenhar suas linhas de pesquisa a produção de remédios.

“Este ano vamos ter um aumento de demanda por medicamentos, ainda na casa dos dois dígitos, mas não de lucratividade, porque os custos, sobretudo com a importação de matérias-primas, com a alta do dólar, estão maiores”, comenta Renato Carvalho, CEO da Novartis no Brasil. Segundo Carvalho, o resultado da pandemia será o maior cuidado generalizado com a saúde ao redor do mundo e trará impactos sensíveis para a demanda do setor farmacêutico.

Há um sem número de medicamentos impactados pelo combate à pandemia, mas nenhum deles tão forte como nos anestésicos e antibióticos para doenças pulmonares. A brasileira Cristália, líder nacional de vendas hospitalares, viu a demanda de anestésicos para UTIs crescer mais de 30 vezes em praticamente dois meses, isso porque o nível de uso de anestésicos saiu da casa de 3 a 4 horas por paciente por dia para 28 a 30 dias de uso ininterrupto por paciente internado com a covid.

“Fizemos um grande esforço, mobilizando todos os departamentos da empresa para garantir a urgência. Modificamos equipamentos, processos recursos humanos e logística e, respeitando o plano de distanciamento social, contratamos novos colaboradores”, afirma Ricardo Pacheco, diretor geral do Laboratório Cristália, que quadruplicou a produção do que ficou conhecido nos hospitais como o kit covid, composto por anestésicos, narcoanalgésicos, relaxantes musculares e sedativos utilizados em intubações endotraqueais.

Pacheco enfatiza que “outro fator crucial para o abastecimento no país foi a utilização de nossa planta farmoquímica. O Cristália produz 53% dos insumos que utiliza na produção de seus medicamentos, enquanto o mercado importa 90% desses insumos”, acrescenta Pacheco.

Também na Eurofarma, multinacional brasileira que opera em 17 países, a demanda por anestésicos, bloqueadores e desbloqueadores musculares, assim como antiobióticos, especialmente dos hospitais, cresceu exponencialmente. Segundo Martha N. O. Penna, vice-presidente de inovação da Eurofarma, a empresa criou um comitê covid, focado no atendimento à pandemia, especialmente em suprimentos, alternando fornecedores da China, Espanha e Itália para assegurar seus estoques estratégicos de matéria-prima a todas suas operações. “Os anticonceptivos, antidepressivos e até anti-hipertensivos também cresceram fortemente na esteira da pandemina e exigiram adaptações nas nossas linhas”, diz Penna.

A EMS, por meio de sua controlada americana Vero Biotech, está testando um dispositivo (Genosyl), aprovado pelo FDA, agência reguladora dos Estados Unidos, em pacientes de covid-19. De acordo com Roberto Amazonas, diretor médico-científico da EMS, pela portabilidade o dispositivo pode ser utilizado em casa, especialmente em casos leves e moderados, em tratamentos com oxigênio via cânula nasal com o monitoramento remoto de médicos.

A joint-venture da EMS, Aché, Hypera Pharma e União Química, a Bionovis, aposta na sua rota biotenológica para produção de matérias-primas farmacêuticas no país com a inauguração da sua fábrica em 2022. “Estamos investindo R$ 421 milhões na produção de biofármacos de alta complexidade com capacidade de 250 quilos de proteína por ano para atender a demanda interna de medicamentos e também exportar”, adianta Odnir Finotti, presidente da Bionovis.

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