Faltam parcerias para fazer vacina da Covid em fábricas de imunizante para animais - Coronavírus - Extra Online

O Globo 
Jornalista: Giuliana de Toledo

07/06/21 - Multiplicar a produção de vacinas contra Covid-19 no Brasil usando a estrutura de fábricas do país que fazem imunizantes para animais é uma ideia que ganhou força em Brasília nos últimos meses. O projeto de lei que concede essa autorização, criado pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT), já foi aprovado no Senado por unanimidade no final de abril. Agora está na Câmara, tramitando em regime de urgência. A expectativa é de que o texto possa ser votado ainda nesta semana na casa.

Se passar por mais essa etapa, o projeto 1.343/2021 irá então para a sanção presidencial. Fagundes projeta que 400 milhões de doses poderiam ser produzidos em três meses nesses locais.

Do lado do governo, há entusiasmo com a iniciativa. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, comentou esse plano até em reunião com Tedros Adhanom, presidente da Organização Mundial da Saúde (OMS), em abril. Queiroga também fez uma visita, em 21 de maio, a uma das indústrias interessadas em colaborar, a Ourofino Saúde Animal, em Cravinhos (SP), perto de Ribeirão Preto. Essa empresa é uma das três que estão no páreo, junto com a Ceva Saúde Animal (com sede em Juatuba, em Minas Gerais) e a MSD Saúde Animal (em Montes Claros, também em Minas).

Colocar essa proposta em prática, no entanto, não depende apenas das assinaturas do Legislativo e do Executivo. A viabilidade só virá com liberação da Anvisa e, principalmente, após acordo com fabricantes de vacinas contra Covid-19 interessados em levar essa ideia adiante.

Hoje essas plantas fazem vacina contra a febre aftosa e dominam a produção do IFA (ingrediente farmacêutico ativo) desse imunizante. Esse produto é baseado na tecnologia de vírus inativado, a mesma da CoronaVac, por exemplo, vacina chinesa contra a Covid-19 que é envasada no Brasil pelo Butantan, com insumos que chegam prontos da farmacêutica Sinovac, de Pequim.

No instituto paulista, a fabricação dessa matéria-prima só está programada para começar depois da conclusão da obra de uma nova fábrica, que deve ser entregue no final de setembro. Assim, o Butantan poderia ser um potencial parceiro para a indústria das vacinas animais.

O diretor do Butantan, Dimas Covas, porém, já disse que o projeto esbarraria nos recursos para adaptar o ambiente de produção. “Nós avaliamos dois produtores e, como são laboratórios de produção de vacinas animais, principalmente para febre aftosa, elas precisariam ser adaptadas para a produção da vacina que o Butantan produz. Especificamente, nós fizemos essa avaliação com muito critério, porque eu fiquei muito animado com a possibilidade de usar essa fábrica situada muito próximo lá de São Paulo. Infelizmente, não seria tão rápido assim, dada a necessidade de adaptação e compra de equipamentos para poder fazer essa adaptação”, afirmou em seu depoimento à CPI da Covid, no Senado, em 27 de maio.

A movimentação do setor está voltada então para conseguir outros parceiros, contam fontes familiarizadas com as negociações ouvidas pela reportagem. As conversas foram iniciadas com laboratórios de fora do país, como o Fosun Pharma, da China, e também com pesquisadores brasileiros que têm projetos em curso para novas vacinas contra o Sars-CoV-2.

Esse empenho passa também por uma necessidade do setor, que tem progressivamente produzido menos vacinas contra aftosa, já que a demanda tem caído no país. Os estados tendem a erradicar a doença e não precisar mais da imunização no médio prazo. Há poucas semanas, o grupo de estados livres dessa vacinação passou de um (Santa Catarina, que já tinha o certificado há 14 anos) para sete, com a entrada de Paraná, Rio Grande do Sul, Acre, Rondônia e partes do Amazonas e do Mato Grosso nesse rol.

— Esses parques [industriais] já estão em parte ociosos — diz Fagundes, destacando que a produção de imunizantes contra aftosa não atrapalharia a entrega de vacinas contra Covid. — O Brasil poderia deixar de ser um importador para ser até um exportador de vacinas [para Covid] — defende.

No contato com a Anvisa, entretanto, os planos ainda estão em escala nacional. A agência, em nota à reportagem, conta já ter feito reuniões virtuais com Ourofino e Ceva, para “verificar as possíveis adaptações nas instalações para o cumprimento das Boas Práticas de Fabricação para medicamentos”. “As empresas estão avaliando a viabilidade do projeto a partir dos apontamentos realizados pela Anvisa. A Anvisa acompanhará as adequações e futuras inspeções do parque fabril que serão realizadas de forma prioritária”, escrevem.

O médico sanitarista Gonzalo Vecina, fundador e ex-presidente da Anvisa, não vê, porém, a ideia com bons olhos.

— Quando eu estava na vigilância sanitária, a gente discutiu essa questão das fábricas de medicamentos para animais e o Ministério da Agricultura e as indústrias foram totalmente contra a possibilidade de a gente ser os inspetores deles, porque eles achavam que o padrão de uma fábrica para animais era diferente do padrão de uma fábrica para humanos e que nós iríamos exigir coisas que eles não deveriam entregar. Então desde aquele tempo tenho uma desconfiança — opina. — Em segundo lugar, existe uma capacidade ociosa também na indústria farmacêutica para humanos no Brasil. O que falta é a tecnologia [de vacinas para Covid] ser transferida — diz.

Marcos Vinicius Leandro Júnior, coordenador de fiscalização e registro de produtos de uso veterinário da Secretaria de Defesa Agropecuária, por outro lado, defende a segurança dos locais.


— Essas fábricas são registradas no Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento] e operam sob nível de biossegurança NB4 OIE, o maior nível que existe, evitando o escape de vírus de dentro da fábrica para o exterior e trazendo segurança na manipulação — afirma ele.

Em nota, a MSD Saúde Animal diz que está em "discussões com governos, agências de saúde pública e outros parceiros da indústria para identificar as áreas de resposta à pandemia" onde pode atuar. "Acreditamos que temos uma responsabilidade importante de contribuir em resposta à pandemia", afirmam.

Também procurados, o Ministério da Saúde e as empresas Ceva e Ourofino não comentaram os planos.

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