Fazenda que não usa dados vai quebrar

O Estado de S.Paulo

Setor que mais se destaca no País hoje, o agronegócio ainda é invariavelmente pouco digital — sobretudo quando se consideram as pequenas e médias propriedades, resume o sul-mato-grossense Renato Borges, de 28 anos. Fundador da Agrointeli, startup que desenvolveu uma inteligência artificial que liga os produtores às propriedades, ele explica que o maior desafio da plataforma é oferecer dados sobre a lavoura a um custo acessível, para democratizar o acesso à tecnologia no campo.

Ao Estadão, ele conta que a empresa começou em 2017 com cinco clientes e hoje já está em 18 Estados brasileiros, além de Bolívia, Chile e Paraguai. “Nos próximos dez anos, a fazenda que não tomar decisões com base em dados vai quebrar.” O produtor sabe da importância de trabalhar com dados, só não consegue, muitas vezes, arcar com os custos”, diz Borges, que também está entre os destaques com até 30 anos da revista Forbes.

Ser de uma família de produtores foi importante na hora de criar uma startup voltada para o agronegócio?
Renato Borges: Conseguia enxergar o que poderia melhorar no campo com a tecnologia. Na fazenda, a gente nunca tinha tido esse estalo para empreender. Eu me formei em Campo Grande (MS) e fiz mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Quando voltei de Porto Alegre, percebi que a minha avó sempre reclamava dos mesmos problemas e fiz uma pesquisa de mercado para ver se dava para resolver esses problemas por meio de um software. Tinha demanda e oportunidade.

Quais são os tipos de reclamações mais comuns de quem tem uma propriedade rural?
Renato Borges: Os tipos de reclamação não mudaram. A principal dor do produtor é o clima e a segunda são as pragas. E vi que dava para resolver isso por meio da tecnologia. Com o monitoramento climático, dava para o produtor ter um maior controle sobre quando vai chover e quando vai vir um período mais seco. Sobre as pragas agrícolas, o produtor não sabia em que parte da propriedade exatamente elas estavam e nem qual era o melhor momento de passar o defensivo na lavoura. Era tudo feito com base na intuição. Ainda é bastante assim, pouca coisa é guiada por dados até hoje, mas percebi que dava para resolver muita coisa. Queria substituir a intuição pelos dados.

A partir de quanto é necessário investir para ter acesso ao sistema de vocês?
Renato Borges: O produtor consegue trabalhar e ter acesso à nossa plataforma por R$ 77 por mês e chega a R$ 1,5 mil, dependendo do tamanho da propriedade e das funcionalidades. A gente consegue medir a ‘saúde’ da lavoura por meio de satélites. Hoje, temos 350 propriedades usando o sistema, em 18 Estados do Brasil e estamos também em três outros países: Bolívia, Paraguai e Chile. A expectativa para 2021 é chegarmos a meio milhão de hectares dentro da plataforma. O produtor não recebia ninguém na fazenda por causa da pandemia e muitos deles são grupos de risco, mas este ano deve ser bastante promissor. A nossa última rodada de investimentos foi em 2019, de R$ 500 mil, e vamos abrir uma nova este ano, para fazer com que o crescimento dobre.

Que tipos de decisões o produtor consegue tomar ao usar a plataforma de vocês?
Renato Borges: A gente consegue dizer o que o produtor precisa fazer para aplicar o mínimo possível de defensivos na lavoura e para usar o produto no lugar certo, para controlar uma determinada praga. O uso excessivo de defensivos é muito comum ainda. O produtor passa o defensivo na lavoura inteira, gastando ao redor de R$ 50 mil. Quando, na verdade, ele não precisava fazer isso. Às vezes, passando o produto nas bordas da lavoura, o problema já estaria resolvido. Em vez de gastar R$ 50 mil, poderia gastar R$ 20 mil. É esse tipo de manejo que o nosso sistema proporciona. A economia pode chegar a 60%, porque o defensivo é muito caro.

Além da questão ambiental...
Renato Borges: Fora a questão do meio ambiente, que é a grande pauta do agronegócio hoje. O consumidor já é mais crítico e reclama do uso de defensivos. Eu não conheço fazendas que não usem esses produtos, mas reduzir é importante.

O avanço da tecnologia no campo, mesmo nas pequenas propriedades, é um processo irreversível?
Renato Borges: Nos próximos dez anos, a fazenda que não tomar decisões com base em dados vai quebrar. A propriedade rural é uma empresa, que precisa estar munida do maior número possível de informações para poder tomar as melhores decisões. A chance de erros é muito grande para quem só toma decisões usando a intuição. A primeira versão do sistema foi bem rápida de sair, era um sistema simples, em que a gente explicava em dez minutos para o produtor a importância do planejamento. Começamos entre 2017 e 2018 e, em menos de um ano, a gente já estava presente em dez Estados.

Por que a maior parte dessas plataformas ainda é inacessível para os pequenos produtores?
Renato Borges: Seja por questão financeira ou por falta de mão de obra. No mercado, há uma grande quantidade de softwares e plataformas, mas nenhuma tem suporte adequado, voltado para o pequeno produtor. A nossa ideia era oferecer uma solução para o pequeno e médio ter acesso à inovação.

Além do valor, o que torna a plataforma de vocês mais acessível para o pequeno produtor?
Renato Borges: A acessibilidade da plataforma é uma das maiores preocupações para quem quiser trabalhar com o agronegócio. No nosso caso, 80% dos usuários não concluíram o ensino médio. Não adianta fazer um sistema complexo e que fosse difícil de usar. Quanto mais simples e objetivo for, melhor para o produtor. No campo, o negócio é simplicidade, fazer o básico bem-feito. Tem cliente que em um dia depois da instalação já consegue usar a plataforma. O nosso sistema é totalmente offline, ele consegue fazer o manejo sem internet. Uma pauta importante é a falta de conectividade no campo e para driblar isso, a gente construiu um aplicativo que se adapta à realidade do produtor.

O produtor já tem consciência de quanto é importante investir no acesso a dados?
Renato Borges: O produtor sabe que é importante investir cada vez mais em dados. Nunca na história da vida no campo eles tiveram a oportunidade de ter os dados de forma organizada em um único sistema. Ele bate o olho na plataforma e toma a decisão de entrar com o maquinário em ação, já fica sabendo se vai chover amanhã etc. A adoção da tecnologia ainda acontece a passos, o setor do agronegócio é o menos digital do mundo, mas o produtor já percebeu que se ele não se basear em dados, a possibilidade de gastar com decisões erradas é grande. E a sucessão familiar vai mudar muita coisa, as novas gerações têm uma visão de negócios e vai acontecer uma revolução nos próximos dez anos, os novos líderes no campo já vão entrar com uma cabeça mais digital e mais voltada para os negócios.

A transformação vai ser visível com a entrada dessas novas gerações?
Renato Borges: Antigamente, a gente falava que a pessoa tinha de sair da fazenda para estudar. Agora, a gente fala que, se ele quiser continuar na fazenda, vai ter de estudar muito. Inverteu o jogo. O sucessor familiar que quiser se manter, vai ter de se preparar muito.

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