Fernando Reinach: A escala de Dublin-Boston

O Estado de S.Paulo
Colunista: Fernando Reinach

17/10/20 - É frequente o médico se defrontar com a necessidade de avaliar o que vai acontecer com o paciente no futuro (o prognóstico), a partir de uma avaliação rápida do estado atual. É com base nessa avaliação que grande parte dos tratamentos é escolhida. Em muitos casos essa avaliação é simples, basta fazer algumas perguntas e um exame rápido. Mas em outros casos o estado atual do paciente é complexo e o prognóstico difícil sem uma investigação cuidadosa, com muitos exames e testes.

Mas a urgência exige uma decisão rápida, que depende dos possíveis prognósticos. Um caso típico é uma pessoa que sofreu uma lesão na cabeça e está em coma. O coma é um estado complexo, com vários graus e múltiplas causas, e a decisão sobre o que fazer tem de ser tomada rapidamente. É para momentos como esse que os médicos desenvolveram as chamadas escalas. E grande parte das escalas tem o nome das cidades onde elas foram desenvolvidas. Uma escala útil é aquela que permite por um número pequeno de testes, ou por um exame simples, avaliar a gravidade do caso e tomar as medidas cabíveis. Um bom exemplo é a escala de Glascow (Glascow Coma Scale), usada para avaliar pacientes em coma.

Nessa escala, o médico examina somente três aspectos. Primeiro a resposta dos olhos (que vai de “não abre” passando por “abre em resposta a dor”, “abre em resposta a voz” e “abre espontaneamente”). Depois examina a resposta verbal (“não emite sons”, “emite sons”, “fala palavras” e “fala confusa”) e finalmente examina a capacidade motor (vai de “não se move”, “estende os membros em resposta a dor”, “retrai os membros de forma anormal em resposta a dor” até “responde a comandos verbais”).

Cada reação, em cada uma dessas três avaliações, recebe uma nota (de 1 a 6). Então basta somar os pontos, obter a nota e, olhando uma tabela, um prognóstico aproximado pode ser obtido. Não leva mais de 15 minutos, o que em emergência é essencial. Essas escalas, exatamente por serem simples, são difíceis de construir pois é necessário escolher e relacionar sinais simples ao resultado final. Para isso é necessário analisar um grande número de pacientes para ter certeza de que a escala prediz corretamente e é simples e rápida o suficiente.

A novidade agora é que os cientistas criaram uma escala, chamada de DublinBoston, para avaliar o prognóstico da covid-19 em pacientes que estão com dificuldades de respirar. Já era sabido que o que ocorre nesses pacientes é o que os médicos chamam de tempestade de citocinas, ou seja, a quantidade dessas moléculas no sangue varia muito. Os cientistas sabiam que duas citocinas, que tem efeito oposto, aumentam nessa fase da doença. Uma delas é a interleucina-6 (IL-6) e outra a interleucina10 (IL-10). A IL-6 provoca um aumento nos níveis de inflamação, o que dificulta o funcionamento do pulmão. Por outro lado, aumenta também a IL-10 que tem atividade anti-inflamatória, uma ação oposta à da IL-6. Muitas outras moléculas relacionadas às citocinas também variam durante essa fase da doença. O que os cientistas fizeram foi medir diariamente a quantidade de diversas moléculas relacionadas à inflamação em 80 pacientes internados com dificuldades respiratórias.

Além disso, eles acompanharam os pacientes por mais algumas semanas para ver o que acontecia com eles. Será que melhoravam, pioravam, precisavam ser entubados, ou morriam?

O que eles descobriram é que se você dividir a quantidade de IL-6 presente no sangue desses pacientes pela quantidade de IL-10 você vai obter um índice que prediz com muita precisão o futuro daqueles pacientes. Esse índice é a chamada escala de Dublin-Boston. Nessa escala, cada aumento de um ponto corresponde a uma chance 5,6 vezes maior do paciente piorar. Além disso, quando usada no dia 4 da falta de ar, seu valor prediz com grande precisão como o paciente vai estar no dia 7. Outra grande vantagem dessa escala, e isso influenciou a escolha dessas duas interleucinas para compor o índice, é que ambas são facilmente medidas por laboratórios de análises clínicas e, portanto, podem ser incorporadas na rotina dos hospitais.

Se essa escala for adotada, daqui a algum tempo vamos ouvir nas conversas entre amigos frases do tipo: “Meu tio está internado com covid19, ele está bem e não estamos preocupados porque na escala de DublinBoston ele está com nota 1, dificilmente ele vai piorar”. Claro que se a nota for 3 a conversa será diferente. E essa escala vai provavelmente auxiliar os médicos a escolher o melhor tratamento para cada caso.

Meu palpite é de que ainda vamos ouvir muito sobre essa escala. São pequenos avanços como esse que aos poucos vão reduzindo as mortes causadas pela covid-19. Uma boa notícia.

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