Folha de S.Paulo 
Jornalista: Susana Terao


01/09/20 - O modelo de consulta presencial já se mostrou falido e inviável para atender a alta procura. É preciso implementar um novo conceito para desafogar esse processo e melhorar a qualidade do atendimento em um país com as dimensões continentais do Brasil. Para o autor desse diagnóstico, Chao Lung Wen, o conceito precisa ser profissionalizado, mas é irreversível.

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“A telemedicina se mostrou o melhor Equipamento de Proteção Individual (EPI) digital existente”, afirma Wen, chefe da disciplina na Medicina da USP. “É uma forma de proteção sem perder a possibilidade de atendimento, médico e paciente podem ser da população de risco.”

Mas, apesar de ser realidade no Brasil há pelo menos 20 anos, a medicina a distância ainda enfrenta problemas de aceitação, inclusive por parte da classe médica. Com o início da pandemia, a necessidade de expandir o atendimento falou mais alto e ela foi regulamentada —mas apenas temporariamente.

A lei 13.989, aprovada em abril, autoriza as consultas mediadas por tecnologias e a emissão de receitas médicas digitais, desde que tragam a assinatura eletrônica do profissional. Este, por sua vez, é obrigado a seguir os padrões normativos e éticos do atendimento presencial e informar as limitações da modalidade ao paciente. Ao fim da pandemia, caberá ao Conselho Federal de Medicina (CFM) a regulamentação definitiva.

Há muito a ser discutido, concordaram os participantes da mesa no 7º Fórum A Saúde do Brasil, realizado pela Folha na quarta-feira (26).

A necessidade de formar profissionais capacitados para atuar de forma responsável é uma delas, diz Alexandra Monteiro, coordenadora do mestrado em telemedicina e telessaúde da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Ainda não temos massa crítica. Embora a lei tenha autorizado, o que se percebeu nos hospitais é que existe uma certa dificuldade do entendimento de como praticá-la.”

Monteiro também citou como entrave a falta de uma legislação unificada, sem divergências entre as decisões do CFM e as medidas dos conselhos regionais. É preciso ainda zelar pela compatibilidade de sistemas em diferentes esferas (municipal, estadual e federal) e garantir as premissas obrigatórias de sigilo e confidencialidade, previstas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Tereza Veloso, diretora-técnica e de relacionamento com prestadores de Saúde e Odonto da SulAmérica, relatou que o índice de satisfação dos pacientes da empresa atendidos em teleconsultas passa dos 90%. Em fevereiro, houve, em média, 500 desses atendimentos. Com a pandemia, o número começou a crescer, chegando a 70 mil em julho.

Veloso acredita que toda especialidade médica tem condição de atuar por telemedicina e que as limitações impostas pela distância podem ser minimizadas pelo resgate da capacidade de fazer análise médica, conversar com o paciente e ensinar técnicas para auxiliá-lo no autoexame.

No campo da ginecologia e obstetrícia, as restrições são amplas, porque a saúde da mulher exige tocar no paciente. Vânia Martins, obstetra que trabalha nas redes pública e privada de Londres, ressalta que há grande risco de diagnóstico errado, principalmente para grávidas, mas também em procedimentos considerados mais simples. Prescrição de anticoncepcionais, por exemplo, pode exigir medir a pressão e confrontar com o histórico de trombose na família.

Residente na Inglaterra há dez anos, ela conta que os clínicos gerais do sistema público britânico têm dado preferência a consultas por ligação sem vídeo, o que tem levado pacientes a migrar para consultas particulares, que atendem presencialmente.

A médica diz que a telemedicina no Reino Unido, cujo sistema público de saúde é considerado modelo em todo o mundo, chega aos exames preventivos. Os médicos enviam o kit para a casa do paciente, que é instruído a realizar a coleta de secreções com cotonete e recolher amostras de sangue para o laboratório.

Veloso afirmou que a remuneração dos profissionais de telemedicina é cerca de 10% mais baixa, porque seus custos não envolvem a manutenção de de um consultório para atendimento. “Estamos em processo de aprendizado. Ainda vamos ter muita discussão sobre esse tópico.”

Wen, da USP, ressalvou que a remuneração deveria ser equivalente, porque o fundamento da teleconsulta é o mesmo do atendimento. “Não se paga o médico pela videochamada, mas pela responsabilidade profissional que ele assume com o paciente.”

Filas ou esperas de até seis meses por uma consulta, problemas detestados pelos pacientes, podem ser amenizados com a telemedicina, diz o professor da USP.

A história da telemedicina no Brasil começou em 1997, quando a USP fundou a disciplina de informática médica da Faculdade de Medicina. A partir de 2000, surgiram tecnologias para auxiliar em teleconferências e teleducação na área médica.

Em 2002, o CFM publicou uma resolução que definia e autorizava a prestação de serviços a distância.
“A gente já trabalhava com teleinterconsulta (na qual médicos trocam informações e opiniões para auxiliar no diagnóstico) e telediagnóstico (quando recomendam procedimentos e acompanham o sintomas). A pandemia trouxe a consulta direta entre médico e paciente”, relatou Alexandra Monteiro, da Uerj.

Para assegurar a modalidade como ato médico, os debatedores enfatizaram a necessidade de promover uma cultura sobre o uso correto da telemedicina junto à população, desmistificando questões controversas.

Para eles, apesar da necessidade de mais discussões sobre o assunto e da regulamentação definitiva, após o contato emergencial da telemedicina durante a pandemia, ela se tornou irreversível no cenário de saúde do país.

“Ela veio para ficar, veio para expandir o acesso e possibilitar que a gente consiga oferecer medicina de qualidade a locais distantes, aonde a gente não conseguia chegar”, disse Tereza Veloso.

O fórum contou com patrocínio da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), da Rede D’Or e da seguradora SulAmérica. A mediação foi feita pela jornalista Cláudia Collucci.

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