Hora da Ciência: A ciência que dá errado

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O Globo 
Autor: Roberto Lent

Um dos subprodutos da visibilidade da ciência neste momento crítico, em busca de tratamentos e vacinas, é a crença de que a pesquisa científica sempre chega a resultados positivos. Não é verdade, como se viu no caso da hidroxicloroquina: testada, a substância não ajudou o tratamento da Covid-19. Mas os resultados negativos são tão úteis quanto os positivos. Permitem evitar efeitos colaterais, no caso de remédios, negar hipóteses, formular outras, e iniciar novas pesquisas. A negação de hipóteses é uma estratégia crucial do método científico.

Faço este preâmbulo para comentar dois resultados negativos importantes na busca de uma base biológica da inteligência humana. Um deles foi obtido por pesquisadores dinamarqueses usando técnicas tradicionais de contagem das células que compõem o cérebro.

A pergunta já veio no título do artigo: existe correlação entre o número de células cerebrais e o QI das pessoas? Investigaram a questão em parceria com um banco de cérebros, em indivíduos (os donos dos cérebros doados) cujos QIs haviam sido medidos durante o serviço militar, muitos anos antes de sua morte. Não houve correlação entre os números de neurônios do córtex cerebral e a inteligência dos sujeitos. Resultado negativo, portanto.

O segundo trabalho com resultados negativos foi tema da tese de doutorado de uma das alunas do meu laboratório, que tentou correlacionar o grau de escolaridade e o número de células de uma região cerebral relacionada à memória.

Neste caso, usamos uma técnica de contagem desenvolvida no nosso próprio laboratório. Comparamos pessoas de baixa e alta escolaridade. Tivemos a colaboração de um dos maiores bancos de cérebros do mundo, na Universidade de São Paulo (USP). A pergunta foi: a educação consegue impactar o número de neurônios cerebrais? Resultados negativos também.

A importância desses resultados foi negar a hipótese de que o número de células do cérebro é responsável pelo maior ou menor desempenho cognitivo das pessoas, e que seja alterado por condições ambientais, como a educação. O quantitativo dos nossos neurônios é definido pelos genes, e bastante resistente ao ambiente.

Este é outro lado da medalha: a resiliência dos neurônios. Seu número não é facilmente alterável. Além disso, o sucesso do que fazemos com eles – nossa inteligência – não depende do número, mas das conexões que estabelecem entre si. Os circuitos neurais é que fazem a diferença.

É como nas sociedades humanas: o que importa não é o número de pessoas, mas sua interação social. Estamos assistindo a um terrível exemplo, pois não é o número de habitantes que aumenta a circulação do vírus, mas a descuidada interação social entre eles. Manaus está aí para demonstrar esse fato. Wuhan nos deu o exemplo oposto."

Os resultados “negativos” não são tão negativos assim. Ajudam-nos a pensar adiante, evoluir na busca da verdade, e melhor orientar a sociedade para usar os resultados em seu benefício.

A Ciência que dá errado é de grande utilidade para iluminar o caminho certo.

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