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Dados correspondem ao período da pandemia em que os pacientes com Covid-19 estão mais suscetíveis à contaminação por pneumonia bacteriana

O número de casos de infecção hospitalar associada ao uso de respiradores mecânicos cresceu mais de 50% nos meses de julho e agosto nas unidades de saúde de Santa Catarina. O crescimento coincide com os meses em que os leitos de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) apresentaram pico de lotação no Estado.

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Em julho foram registrados 205 casos de pneumonia bacteriana, um aumento de 51% comparado ao mesmo mês do ano anterior, quando 135 casos foram registrados. Em agosto foram 207, aumento de 54% na relação com 2019, com 134 notificações.

Os números integram os relatórios dos protocolos de segurança hospitalar que são remetidos mensalmente à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e foram fornecidos a grupo ND pela SES (Secretaria Estadual da Saúde).

O aumento no número de casos acende um alerta para o cumprimento dos protocolos de segurança nas unidades de saúde durante a pandemia.

A Covid-19 tem os efeitos mais severos quando acomete o pulmão, caso em que o paciente tem dificuldade para respirar e utiliza a ventilação mecânica. A ventilação mecânica, por sua vez, é o principal vetor de transmissão de bactérias nos hospitais.

A reportagem solicitou à SES informações sobre as ações específicas, desde o início da pandemia, para reduzir os casos de infecção hospitalar tendo em vista que já era previsto que o uso de ventiladores mecânicos aumentaria com o crescimento de casos graves da doença.

A SES, no entanto, não respondeu aos questionamentos no prazo proposto. A reportagem identificou, por enquanto, que o órgão estadual incluiu medidas de combate às infecções no plano de contingência para a Covid-19. O espaço continua aberto para que a pasta forneça as informações sobre o nosso questionamento.

Desde os primeiros casos de Covid-19 no país, a comunidade hospitalar e acadêmica que atua no combate às infecções ficou em estado de alerta para os riscos de contaminação associados ao uso de respiradores.

“A questão de pneumonia associada à ventilação mecânica e até mesmo alguns critérios de ventilação precoce, sem a utilização da ventilação não invasiva, ocasiona o aumento do risco para o paciente”, diz o médico infectologista Marcelo Carneiro, que é diretor da ABIH (Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecções e Epidemiologia Hospitalar).

A razão para a preocupação dos especialistas está na alta incidência de pneumonia bacteriana associada à ventilação mecânica. Os dados mostram que entre os pacientes que são submetidos a procedimentos invasivos, os casos com uso de equipamentos no sistema respiratório são os que apresentam o maior risco de contaminação.

De janeiro a agosto de 2020 foram registrados 286 casos de infecção urinária e 457 registros de infecção no sangue contraídas dentro de unidades hospitalares de Santa Catarina. Já a pneumonia bacteriana ocasionada por ventilação mecânica acumulou 1.111 casos no mesmo período.

“O paciente que tem infecção viral por Covid tem mais probabilidade de ter infecção bacteriana porque o Covid provoca muita lesão pulmonar”, aponta o pneumologista Fábio José Fabrício de Barros Souza, que preside a Associação Catarinense de Pneumologia e Tisiologia (ACAPTI).

As lesões estão associadas ao uso prolongado do respirador. “O paciente fica muito tempo em ventilação mecânica. Isso é uma característica do paciente Covid. Eles ficam três semanas neste tipo de aparelho e aí a infecção viral que estava inicialmente passa por um processo inflamatório e acaba gerando uma infecção bacteriana”, explica Fábio de Souza.

A combinação do processo inflamatório com a imunidade baixa do paciente cria as condições para a contaminação. É por isso que existem casos de pacientes curados da Covid que continuam hospitalizados.

Esse foi o caso de Thomas Rodrigues, o garoto de 7 anos que ficou com 50% do pulmão comprometido no tratamento de uma pneumonia bacteriana contraída durante o tratamento da Covid. Ele teve a história contada em outra reportagem que mostrou a incidência da Covid entre crianças e jovens.

O processo de lesão no pulmão gerado pela Covid-19 gera uma série de complicações de forma que muitas vezes não é possível identificar o fator determinante da causa da morte.

“Com o pulmão lesionado a pessoa não consegue largar a ventilação mecânica e fica fazendo pneumonia bacteriana em cima com germes hiper resistentes e aí com maior risco de mortalidade. A pessoa pode ir a óbito mais pela lesão pulmonar”, afirma o pneumologista.

Esse processo descrito pelo médico ocorreu com Matheus Felippe de Souza, jovem de 21 anos cujo morte é investigada pelo Ministério Público, que apura falhas no tratamento. Na certidão de óbito do jovem consta insuficiência respiratória aguda seguida de pneumonia bacteriana e Covid-19.

Antes da Covid-19 as doenças respiratórias já representavam um desafio para o sistema de saúde. São cerca de 100 mil mortes por ano no Brasil por pneumonia. Em 2019, foram registrados 138.906 óbitos no país. Em Santa Catarina, 4.664 pessoas morreram em 2019. Os dados são do Portal da Transparência do Registro Civil.

As bactérias mais comuns são do tipo Streptococcus pneumoniae (conhecida como pneumococo), Mycoplasma pneumoniae, e o vírus Haemophilus influenzae. Vacinas são aplicadas em crianças e idosos para prevenir os tipos mais comuns de pneumonia bacteriana, mas o uso de antibiótico gera microrganismos com maior resistência, as chamadas superbactérias.

A sobreposição de enfermidades no pulmão pode dificultar o diagnóstico e o tratamento da pneumonia. Um artigo publicado em 2015 no The New England Journal of Medicine mostrou que em 62% de 2.259 pacientes americanos internados com pneumonia não foi possível definir o diagnóstico de forma precisa mesmo com o emprego de técnicas modernas.


Nas pesquisas sobre a Covid-19, o experimento americano passou a ser revisitado. “Este estudo é muito importante na atual pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) pois temos a expectativa que em muitos casos de pneumonia e SRAG, não será possível definir o diagnóstico etiológico”, diz o artigo publicado na revista científica Journal of Infection Control.

O pneumologista Fábio de Souza alerta que mesmo com a sobreposição da Covid com a pneumonia e outras lesões no sistema respiratório, o tratamento deve buscar amenizar o impacto no pulmão.

Ele destaca que estudos mostram que quando o paciente fica de barriga para baixo, mesmo em ventilação mecânica, a lesão pulmonar reduz e também recomenda que seja feita a “ventilação protetora”, que é um método menos invasivo. “É para proteger o paciente. Eu não posso lesionar mais o pulmão de um paciente que já está bem acometido com uma infecção viral e com chance de ter uma infecção bacteriana”.

O primeiro presidente civil eleito depois de 21 anos de ditadura militar foi acometido por uma infecção hospitalar e não pode assumir o cargo. Tancredo Neves foi hospitalizado às pressas na véspera da posse para tratar uma apendicite, mas teve complicações na internação e não sobreviveu. Do ponto de vista da saúde pública, o episódio teve dois efeitos: por um lado alertou para a questão da segurança no ambiente hospitalar, mas por outro contribuiu para criar mitos e confusão sobre o tema.

A infecção hospitalar ocorre quando o paciente contrai uma bactéria dentro do hospital, que se manifesta durante a internação ou até mesmo após a alta. São microorganismos presentes nas superfícies, no corpo humano e no ar que reagem em pacientes que estão com o sistema imunológico fragilizado. Mais de 45 mil pessoas morrem por ano no Brasil em decorrência de infecções contraídas em hospitais, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para evitar contaminação, hospitais de todo o mundo adotam protocolos. São medidas como higiene permanente das mãos e das superfícies, uso adequado dos equipamentos de proteção individual (EPIs), esterilização de utensílios e cuidados com os dispositivos invasivos que são aplicados nos pacientes. Durante a pandemia, além das medidas já adotadas, as visitas foram proibidas para pacientes de Covid-19.

No Brasil, a Portaria 196/1983 do Ministério da Saúde instruiu todos os hospitais a criarem comissões de controle de infecção hospitalar (CCIH). Em 1992, a Portaria 930 normatizou os procedimentos e em 1994 foi realizada a primeira grande pesquisa no país para mensurar o impacto das infecções hospitalares na população brasileira. No meio técnico, a infecção hospitalar passou a ser chamada de Infecções Relacionadas à Assistência à saúde (IRAS) e uma nova portaria passou a obrigar os hospitais a terem CCIHs.

Pesquisas anuais passaram a ser realizadas e mostraram que o aumento de técnicas invasivas faz crescer o caso de infecções contraídas dentro do ambiente hospitalar. Em 1995 a taxa de infecção hospitalar, ou seja, a incidência de contaminação entre os internados era de 15,5% no país. Com o rigor na aplicação dos protocolos as taxas passaram a cair ano a ano. Hoje, a taxa nacional está em 14%.

Dentro do plano de controle, os hospitais também passaram a ser obrigados a reportar casos de contaminação à Anvisa. Os relatórios são feitos mensalmente. Conforme os dados de Santa Catarina as taxas de infecção hospitalar seguem a mesma tendência nacional de queda.

Os dados dos relatórios da Anvisa mostram que o percentual de contaminação por pneumonia bacteriana em pacientes que utilizam a ventilação mecânica era de 22,8% em 2013. A taxa de infecção reduziu gradualmente até atingir o patamar de 11,7% em março de 2020, mês do último relatório publicado pela Anvisa.

A Covid-19 impactou as ações de controle e trouxe novos procedimentos nos hospitais. Desde o início da pandemia, a Anvisa editou 17 documentos com instruções para os profissionais de saúde. As instruções são para a normatização de procedimentos nas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), onde a letalidade por Covid-19 em Santa Catarina é o dobro, como revelou reportagem deste projeto; para o reforço das medidas de higiene no ambiente hospitalar; para a necessidade da comunicação de casos e para a proteção dos profissionais de saúde.

O comunicado divulgado em 02 de junho de 2020 alertou para o risco de aumento de eventos adversos (que incluem as infecções hospitalares). “Cerca de 10% dos pacientes internados sofrem algum tipo de evento adverso (EA) em serviços de saúde, gerando aumento do tempo de internação e dos custos adicionais a um sistema já sobrecarregado”, diz o documento, que reforça a aplicação dos protocolos.

A equipe do projeto Covid-19 em Dados solicitou entrevista para obter o detalhamento das ações de combate à infecção hospitalar nas unidades de saúde de Santa Catarina. O Hospital Universitário, informou que o porta-voz sobre o controle de infecção hospitalar da instituição não estava disponível para entrevista.

No Hospital Florianópolis, que é referência para o tratamento da Covid-19, a resposta foi de que a nova rotina é de aumento no rigor dos protocolos. “A pandemia trouxe desafios enormes quando falamos de prevenção de infecções”, diz a infectologista do Hospital Florianópolis Rafaela Martelosso Secron.

Segundo a infectologista, as principais medidas foram as adequações para garantir o isolamento dos pacientes e a ampliação dos leitos de UTI, que subiu de 10 para 30. Devido ao aumento na demanda do uso de respiradores, foi formada uma equipe de intubação liderada por médicos anestesiologistas e as visitas foram proibidas para reduzir o risco de contaminação.

Secron destaca que a nova rotina trouxe desafios para os profissionais da saúde. “É o cansaço extremo dos profissionais, a complexidade dos pacientes, o tempo de internação prolongado, o afastamento de profissionais com Covid-19, o que gera uma sobrecarga às equipes”.

Um ato tão básico como lavar as mãos é capaz de salvar inúmeras vidas. No início do século 19, o médico húngaro Ignaz Semmelweis percebeu que menos mulheres morriam após os partos quando as mãos dos médicos eram higienizadas. Esse foi considerado um marco histórico no combate às infecções.

Séculos depois, a importância do hábito de lavar as mãos volta aos holofotes com a Covid-19. Antes mesmo da pandemia essa rotina já era incentivada no ambiente hospitalar como um dos principais métodos para evitar contaminação. Tanto que foi criado o Dia Internacional para Lavar as Mãos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), celebrado em 5 de maio.

As mãos são as principais transportadoras de bactérias. Conforme a OMS, o hábito de lavar as mãos pode reduzir em aproximadamente 40% os casos de contaminação. No ambiente hospitalar, o órgão recomenda que os profissionais de saúde lavem as mãos antes do contato com o paciente, antes da realização de procedimentos, após o risco de exposição com fluidos biológicos e após o contato com o paciente, mesmo que não tenha ocorrido contato físico.

Para o infectologista Marcelo Carneiro a pandemia deve deixar o legado do alerta para a lavagem das mãos. “Eu espero que o hábito de higienizar as mãos e de não ir trabalhar doente ou com doenças respiratórias (fique). E que os próprios empregadores se preocupem mais com isso. Era um tipo de conduta que não precisaria acontecer uma pandemia para as pessoas tomarem esses cuidados né? Mas espero que esse hábito se mantenha”.

O infectologista tem receio do fortalecimento de superbactérias em função do aumento do uso de remédios no tratamento das doenças respiratórias. “A gente se preocupa com a resistência associada ao uso de antibióticos em decorrência das complicações bacterianas pós-covid. É uma questão que começa a ser discutida já agora durante a pandemia”, diz.

A infectologista Rafaela Secron diz que a pandemia vai deixar aprendizados para os profissionais da saúde. “A pandemia com todo o caos que trouxe colocou em evidência a força dos hospitais de saúde em lidar com situações adversas. Com todas as dificuldades tivemos muitos aprendizados para garantir a segurança e reduzir o risco de infecções hospitalares”.

“E aproveito para reforçar para as pessoas que estão em casa que continuem tomando todos os cuidados para reduzir o risco de transmissão dessa doença que para alguns é muito leve, mas pode ser catastrófica para outros. Principalmente para aqueles do grupo de risco. Se estiver gripado, resfriado, fique em casa. Não visite amigos e familiares, use máscara, higienize as mãos sempre”, diz.

Fonte: ND Online

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