Nobel de Medicina vai para descoberta de sensação de calor

Onda de calor: cidades do MS batem recordes históricos de temperatura - ÉpocaFolha de S.Paulo, notícia também publicada em Valor Econômico, O Estado de S.Paulo, O Globo e Correio Braziliense 

Jornalista: Reinaldo José Lopes

05/10/21 - O americano David Julius, 65, e o libanês de origem armênia Ardem Patapoutian, 54, são os ganhadores do Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina de 2021. Trabalhando de forma independente em instituições nos EUA, os dois elucidaram os mecanismos que permitem que o sistema nervoso capte estímulos de temperatura e toque na pele.

Julius trabalha na Universidade da Califórnia em San Francisco, enquanto Patapoutian, hoje naturalizado americano, é cientista da instituição Scripps Research, também na Califórnia. Os pesquisadores vão dividir o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (cerca de US$ 1,15 milhão, ou R$ 6,25 milhões).

Para chegar às descobertas premiadas agora pelo comitê do Nobel, Julius contou com uma ajuda culinária. Ele começou estudando os efeitos da capsaicina, substância presente na pimenta-malagueta e outras variedades aparentadas muito picantes. A ideia é que a sensação de forte calor trazida pela capsaicina quando consumimos essas pimentas poderia ajudar a entender a sensibilidade das células nervosas à temperatura.

“Começamos olhando para a natureza, trabalhando com a química dos produtos naturais”, contou ele em entrevista ao site do prêmio. “No nosso caso, são compostos que os vegetais provavelmente produzem como defesa contra animais herbívoros.”

 

Seguindo esse raciocínio, o pesquisador americano conseguiu identificar o receptor, ou seja, a fechadura química das células onde as moléculas de capsaicina se conectam e produzem o efeito de “calor” dolorido. Estudos posteriores mostraram que receptores semelhantes são responsáveis pela gradação das sensações normalmente provocadas por temperaturas mais altas e mais baixas.


O americano e seus colegas atuaram como caçadores de genes (grosso modo, trechos funcionais do DNA). Primeiro, eles trabalharam com células nervosas que eram sabidamente sensíveis aos efeitos da molécula “picante”, identificando os genes desses neurônios que estavam ativos.

O segundo passo foi copiar os genes dessa lista e inserir versões extras deles em neurônios que, em tese, não seriam sensíveis à capsaicina. Um a um, esses neurônios  foram testados, até que a equipe flagrou os que tinham ficado capazes de reagir à molécula oriunda da pimenta.

O gene transferido para essa molécula nervosa era o que continha a receita para produzir o receptor, batizado de TRPV1. Ele é um canal de íons, ou seja, controla a passagem de átomos eletricamente carregados, os quais levam à transmissão de impulsos de eletricidade pelos neurônios.


“As substâncias naturais são uma fonte importantíssima para a descoberta de novas drogas. Só na área dos estudos sobre a dor, temos a aspirina, que vem dos salgueiros, e os opioides, obtidos a partir da papoula. É importante preservar essa diversidade.”

 

Ele contou que ficou sabendo do prêmio por uma mensagem de texto da cunhada em seu celular no meio da madrugada. “Ela me escreveu dizendo: ‘Olha, tem alguém tentando falar com você, mas eu não quis dar seu número’. Depois o comitê ligou para a minha mulher, e aí finalmente recebi a notícia.”

 

Julius foi orientando de dois outros ganhadores do Nobel, Randy Schekman e Richard Axel, durante seu doutorado e pós-doutorado. “Os dois sempre foram extremamente curiosos e rigorosos. Acho que é a grande lição que aprendi com eles”, declarou.

A neurocientista brasileira Marília Zaluar Guimarães, pesquisadora da UFRJ e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, colaborou com Julius por quatro anos durante seu pós-doutorado.


“Uma coisa que me chamou muito a atenção foi o jeito de ele escrever seus artigos científicos: extremamente objetivos, muito claros e, ao mesmo tempo, capazes de prender a atenção de quem está lendo. Ele sabe vender o peixe dele, no bom sentido”, afirmou.

Para ela, há boas possibilidades de que os achados do pesquisador e de outros cientistas da área encontrem novos caminhos para tratar diferentes formas de dor.

Patapoutian, o outro ganhador, disse que tinha colocado o celular em modo “não perturbe”. Por isso, quem lhe deu a notícia foi seu pai, de 92 anos, com quem o comitê do Nobel conseguiu falar primeiro. “Ser avisado justamente por ele foi muito especial”, disse ele ao portal do prêmio.

Também usando métodos de biologia molecular, o pesquisador e seus colegas identificaram um dos principais genes responsáveis pela sensação de toque.

As implicações da descoberta, porém, vão muito além da percepção dos sentidos. “Estamos descobrindo, por exemplo, que os glóbulos vermelhos do sangue usam esse sistema para ajustar seu volume na corrente sanguínea, e que células do sistema imune também mudam seu comportamento seguindo esse mecanismo dependendo da quantidade de ferro no sangue. É totalmente inesperado”, conta.

Como o comitê do Nobel escolhe quem será o ganhador?

 

A tradicional premiação do Nobel teve início, de certa forma, com a morte de Alfred Nobel, inventor da dinamite. Em 1895, em seu último testamento, Nobel registrou que sua fortuna deveria ser destinada para a construção de um prêmio —o que foi recebido por sua família com contestação. O primeiro prêmio foi dado em 1901.


A escolha do vencedor do principal prêmio da área de fisiologia ou medicina começa por indicações de um grupo de 50 pesquisadores ligados ao Instituto Karolinska, na Suécia.
O processo tem início no ano anterior à premiação, mais especificamente em setembro, com o envio de convites para indicar um nome para o prêmio, o que deve ocorrer até o dia 31 de janeiro.

Podem indicar nomes os membros do Comitê do Nobel do Instituto Karolinska; profissionais da área de biologia e medicina ligados à Academia Real Sueca de Ciências; vencedores dos prêmios de fisiologia ou medicina ou de química; professores titulares de medicina de instituições suecas, norueguesas, finlandesas, islandesas ou dinamarquesas; professores em cargos semelhantes em outras faculdades de medicina de universidades de todo o mundo, selecionadas pelo Comitê do Nobel, com o objetivo de assegurar a distribuição adequada da tarefa entre vários países; e acadêmicos e cientistas selecionados pelo Comitê do Nobel.Autoindicações não são aceitas.

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

DikaJob de

Para adicionar comentários, você deve ser membro de DikaJob.

Join DikaJob

Faça seu post no DikaJob