País produz só 5% dos insumos farmacêuticos que consome

Folha de S.Paulo

Jornalista: Sheyla Santos

30/01/21 - Nos anos 1980, o Brasil produzia 55% dos insumos farmacêuticos consumidos no país. Hoje, esse percentual caiu para 5%, segundo dados da Abiquifi (Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos).

 

O tema ganhou destaque nas últimas semanas diante da necessidade de importação de insumos para a produção da vacina contra a Covid-19. A dependência da China e da Índia, sobretudo, para o fornecimento desses produtos é um dos problemas que têm atrasado o cronograma de vacinação do país.

 

O cenário era bem diferente há 40 anos, quando o Brasil se aproximou da autossuficiência na fabricação de medicamentos, segundo a Abiquifi.

 

Segundo o presidente-executivo da associação, Norberto Prestes, até a década de 1980, o país produzia metade dos insumos consumidos internamente, incluindo antibióticos, por uma questão de soberania nacional.

 

Nos anos 1990, porém, a indústria nacional sofreu um baque com a abertura comercial, que, ao reduzir tarifas, barateou os importados na comparação com o produto brasileiro.

 

De acordo com o professor de economia da USP Paulo Feldmann, inicialmente, a indústria brasileira tentou acompanhar o preço da produção estrangeira, mas muitas empresas não conseguiram e quebraram, e os preços voltaram a subir.

 

“Esse movimento de abertura comercial ocorreu em toda a América do Sul, mas não na Ásia. Em um primeiro momento, o brasileiro teve que baixar o preço para competir, mas isso não se sustentou. Como consequência, houve aumento da nossa dependência do setor externo”, afirma.

 

Naquela época, também foram extintas medidas de proteção à produção interna de IFA (ingrediente farmacêutico ativo), utilizado na produção de vacinas.

 

Hoje, China e Índia são responsáveis por 74% da importação de IFA necessário para a fabricação da CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan, e da Oxford/AstraZeneca, fabricada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

 

O restante é importado, principalmente, de Alemanha, da Itália, dos EUA e da Suíça, segundo a associação do setor.

 

“O Brasil não produz mais nenhum antibiótico. O que estamos vivendo na ciência, com essa dificuldade de insumos, não é uma questão pontual. O Brasil nunca trabalhou na vanguarda, sempre menosprezou a própria capacidade tecnológica”, critica Prestes.

 

De acordo com o diretor da faculdade de economia da PUC-SP, Antônio Corrêa de Lacerda, um processo de abertura comercial bem conduzido tende a estimular a produtividade e a competitividade da economia. No caso do Brasil, no entanto, houve aumento de desemprego e falência de empresas, diz o economista.

 

“Tivemos um conjunto de erros. Houve concorrência enviesada que propiciou um aumento de produtos importados de forma insustentável. Com a mudança tarifária, ficou mais barato importar um produto final em vez de obter insumos para a produção. Como resultado, aumentou a dependência em relação a importação e houve um processo de desindustrialização.”

 

Para o economista-chefe do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), Rafael Cagnin, a dependência de insumos importados na indústria farmacêutica não é restrita ao Brasil. “Há dependência de insumos da China e da Índia também em outros países, mas a pandemia trouxe um alerta às cadeias globais de que é possível haver rupturas de fornecimento.”

 

Para Renato Kfouri, diretor da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), embora o país seja referência no Programa Nacional de Imunização, faltou uma visão de longo prazo para situações emergenciais.

 

Segundo Kfouri, vacinas de alta tecnologia demandam investimentos contínuos e de longo prazo em equipamentos, laboratórios de biossegurança, pesquisa e desenvolvimento, capacitação e produção de insumos e matérias-primas.

 

“Ao mesmo tempo que a gente tem grandes laboratórios, técnicos bem formados e capacitados, não há um grande investimento. Acabamos ficando muito dependentes do mercado internacional, que normalmente tem preços muito baixos”, disse.

 

Apesar do benefício a curto prazo de importação de produtos mais baratos do que o Brasil é capaz de produzir, Kfouri ressalva que, em situações emergenciais de saúde pública, o país fica para trás na fila dos insumos, tornando-se incapaz de produzir a vacina.

 

Prestes, da Abiquifi, também destaca a falta de investimento em inovação como um dos principais problemas do Brasil. Ele critica, por exemplo, o foco em medicamentos genéricos da indústria farmacêutica nacional, produtos que em sua visão são, na prática, cópias de outros já desenvolvidos.

 

A falta da tecnologia necessária para a produção de testes da vacina obrigou a Farmacore a fazer uma parceria com uma empresa americana. A startup brasileira, com sede em Ribeirão Preto, está desenvolvendo um imunizante brasileiro contra o coronavírus.

 

“Nosso maior entrave foi na hora de produzir o lote piloto da vacina, porque o Brasil não tem capacidade instalada para produzir os testes em fase 1. Como o país não tem essa tradição, tivemos que fazer essa produção nos Estados Unidos”, afirma Helena Faccioli, presidente da Farmacore.

 

“A intenção agora é trazer essa tecnologia para o Brasil por meio de processo de transferência e produzir nacionalmente todos os insumos.” Um movimento nessa direção foi a criação, pelo MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), da Rede Vírus.

 

O projeto envolve unidades de pesquisa, institutos de ciência e tecnologia e laboratórios que, em conjunto, atuam na produção de conhecimento sobre o coronavírus.

 

Segundo Prestes, o grupo apoia iniciativas de vacinas que estão sendo desenvolvidas pela academia e por startups, mas falta ao grupo a participação estratégica da indústria.

 

O Instituto Butantan está construindo desde novembro um laboratório especializado para a produção do IFA. Segundo o gerente de Parcerias Estratégicas e Novos Negócios do instituto, Tiago Rocca, as obras devem ser concluídas no fim de setembro.

 

Em nota, a Fiocruz afirmou que aguarda o primeiro lote de IFA importado da China para iniciar a produção nacional de doses da vacina Oxford/AstraZeneca. Não há previsão de chegada ao país.

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