Países ricos reservam 51% das vacinas, mas têm 14% da população

Folha de S.Paulo, notícia também publicada no Valor Econômico e O Estado de S.Paulo

Jornalista: Ana Bottallo

Em meio à corrida por uma vacina contra a Covid-19, países como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá saíram à frente e começaram a vacinar suas populações.

A escolhida por todos até agora é a vacina Pfizer/BioNTech, primeira a divulgar resultados de eficácia e a obter registro de uma agência regulatória seguindo os protocolos usuais. Outros países, como Rússia e China, começaram a vacinação emergencial de parte de suas populações, com vacinas ainda em estudo.

Países que fecharam acordos com as principais farmacêuticas aguardam agora a conclusão dos ensaios de fase 3 e registro das vacinas em suas agências regulatórias.

Mas segundo artigo publicado nesta terça-feira (15) na revista científica BMJ, pelo menos um quarto da população mundial, ou 2 bilhões de pessoas, não deve receber a vacina antes de 2022.

O estudo de pesquisadores da Universidade Johns Hopkins (EUA), avaliou as compras de doses de 13 das principais produtoras de vacinas até 15 de novembro.

Segundo eles, já foram feitas compras equivalentes a 7,48 bilhões de doses, suficientes para imunizar cerca de 3,8 bilhões de pessoas —considerando que as principais vacinas usam duas doses para imunização total.

Do total, cerca de 51% foi reservado por países ricos, incluindo os EUA e toda a União Europeia, que detêm cerca de 14% da população mundial.

O restante deve ser distribuído a países de renda média e baixa, que representam 85% da população mundial.

Os EUA compraram 800 milhões de doses, 2,5 doses por pessoa, e é o país com mais casos no mundo —um quinto do total de casos global.

Já Japão, Austrália e Canadá reservaram, juntos, 1,03 bilhão de doses, embora somados tenham menos de 1% do total de casos do mundo.

O Brasil tem acordos para, até agora, 142,9 milhões de doses, sendo 100,4 milhões pelo acordo com a Universidade de Oxford/AstraZeneca e mais 42,5 milhões pelo consórcio Covax Facility, da OMS (Organização Mundial da Saúde). Mais 160 milhões devem ser produzidas pela Fiocruz no segundo semestre de 2021.

O país negocia com a Pfizer/ BioNTech a compra de mais 70 milhões de doses. Não foram incluídas na conta do Ministério da Saúde as 46 milhões de doses do acordo entre o governo de São Paulo, por meio do Instituto Butantan, com a fabricante chinesa Sinovac, mas o artigo somou as doses da Sinovac à conta do Brasil.

Os países de renda média e baixa são os que têm a menor quantidade de doses reservadas per capita e devem ficar atrás na fila por uma vacina, dizem os pesquisadores. “Mesmo a OMS não conseguiu ainda juntar os US$ 5 bilhões (cerca de R$ 25 bilhões) necessários para garantir doses suficientes aos países assinantes do Covax”, afirma Anthony So, autor principal do estudo e pesquisador do Instituto de Saúde Internacional da Universidade Johns Hopkins.

Dos 189 países do consócio, 97 entraram com recursos para apoiar o consórcio, como o Brasil. “O problema são os 92 países de renda média e baixa que estão contando com o dinheiro arrecadado pela OMS para ter acesso às vacinas. O objetivo da Covax de disponibilizar pelo menos 2 bilhões de doses até o final de 2021 pode estar comprometido”, diz.

Assim, esses países podem ter de 60% a 40% da sua população sem receber doses ainda em 2021, no cenário mais pessimista, caso os países ricos aumentem os pedidos já feitos às empresas, e também no cenário mais otimista, onde esses mesmos países que detêm os maiores acordos disponibilizassem as doses remanescentes ao Covax.

Há, no entanto, pelo menos seis companhias que fecharam acordos com países de baixa renda. A AstraZeneca/ Oxford lidera, com mais de 2 bilhões de doses já reservadas.

A farmacêutica fechou parcerias em países como Índia e Rússia para disponibilizar doses aos que não puderam celebrar acordos individuais.

O Instituto Gamaleya desenvolve sua vacina Sputnik V em parceria com o Fundo Russo de Investimento Direto, e já fechou acordos para a distribuição de 349 milhões de doses fora da Rússia. Um desses países é o Brasil, mas os acordos, feitos com os governadores dos estados da Bahia e do Paraná, estão parados.

A China é a terceira nação a contribuir com mais doses aos países de baixa renda. Cerca de 135 milhões de doses das fabricantes CanSino e Sinovac serão distribuídas a países como Brasil, México, Indonésia e Chile.

Outro dado importante citado no estudo é a quantidade de candidatas a vacina em que cada país apostou. Países ricos como EUA, Canadá, Reino Unido e União Europeia fecharam acordos com pelo menos seis fabricantes, Japão e Austrália com quatro e o Chile com três. O Brasil apostou só em uma vacina até agora, a da AstraZeneca/Oxford.

A disparidade entre as aquisições feitas por países ricos se reflete também nas apostas das tecnologias. Enquanto países como EUA, Canadá e Reino Unido apostaram em vacinas de todos os tipos, incluindo as de RNA, mais caras (o preço unitário da dose da vacina da Moderna é de US$ 37 e da Pfizer US$ 19,50, ou cerca de R$ 185 e R$ 97,50, respectivamente), países de renda média e baixa não conseguiram comprar essas vacinas, e fecharam acordos, principalmente, com a AstraZeneca, cujo preço unitário da dose varia de US$ 3 a US$ 4 (cerca de R$ 15 a R$ 20).

Os autores reconhecem que o estudo tem limitações, como o fato de os contratos não serem públicos e de não poderem garantir que as doses serão entregues, mas mostram um retrato da corrida das vacinas, evidenciando como os países ricos saíram à frente, deixando os demais com acesso incerto às imunizações.

“É possível que muitas das candidatas a vacina ainda não passem da fase 3, e outras opções, mais em conta, surjam no decorrer do tempo. Mas uma resposta efetiva à pandemia que já levou 1,6 milhão de vidas irá necessitar maior esforço e comprometimento, especialmente dos países ricos, para garantir uma distribuição da vacina equitativa e justa a todos os países”, concluem os autores.

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