O Globo 
Jornalistas: Glauce Cavalcanti, Ivan Martinez-Vargas, Danielle Nogueira e Rennan Setti

Convencidos de que o único caminho para a retomada da economia é a vacinação em massa, um grupo de empresários que representam 15 setores produtivos, 45% do PIB industriai e 30 milhões de vagas entre empregos diretos e indiretos, saiu a campo para tentar aumentar rapidamente a quantidade de imunizantes no país. Eles têm procurado farmacêuticas e fundos de investimento em busca de doses disponíveis. As empresas da cadeia de imunização e seus acionistas negam ter tido contato com os empresários, mas a chamada Coalizão da Indústria, que conta com o aval do governo Jair Bolsonaro em sua estratégia, afirma que vai insistir na compra do produto.

Nesse grupo de pesos pesados do PIB industrial, estão segmentos como aço, máquinas e equipamentos, elétrica e eletrônica, vestuário, plásticos e construção civil, entre outros. Um pool de 20 empresas encabeça as negociações.

Os empresários dizem abertamente e em conversas reservadas que negociam com fundos de investimento que apostaram no desenvolvimento da vacina da AstraZeneca e que, em razão desse aporte, teriam direito a um volume de 33 milhões de doses que não estariam disponíveis para a venda a governos ou a laboratórios.

O discurso repetido por empresários dos mais variados setores evidencia que as empresas temem o dano de imagem de serem vistas como fura-fila, com a preferência a seus funcionários, no momento em que a vacinação dá os primeiros passos no país. Mas consideram que o dano de ficar sem vacina pode ser ainda maior.

— Há duas condições para que essas doses sejam transacionadas: elas não podem ser vendidas para governos nem para quem vá comercializá-las. Com isso, são doses que não estão ao alcance do SUS, via aquisição pública, nem de laboratórios —explicou José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).

VACINAÇÃO ANTECIPADA

Segundo José Velloso, presidente da Abirnaq (associação de máquinas e equipamentos), se a negociação for bem- sucedida, o primeiro lote podería chegar ao país na primeira quinzena de fevereiro: —Não é tentativa de furar fila, mas de acelerar. O grupo prioritário a ser imunizado e definido pelo governo demanda 30 milhões de doses. Até o fim de março, o país terá apenas 20 milhões. Se trouxermos as vacinas, o primeiro lote chegaria em fevereiro. Cobriría o que falta e anteciparia a vacinação desse primeiro grupo em um mcs.

Segundo os empresários, as primeiras conversas teriam sido travadas com a indiana Bliarat Biontech, que produz a Covaxin, que ainda não foi aprovada pela Anvisa. Em razão do preço, líderes de associações empresariais afirmam que as conversas migraram para a AstraZeneca. Segundo Martins, da Cbic, um outro grupo de empresas teria se reunido na semana passada com a Pfizer, mas qualquer acordo dependería de uma autorização do governa Até agora, a empreitada dos empresários esbarra em negativas de todos os lados. Farmacêuticas, como a AstraZeneca, negam qualquer negociação, à BlackRock. acionista da empresa. nega integralmente a história. E o governo diz que não foi ele a tomar a iniciativa, apenas deu aval ao projeto dos empresários.

Segundo fontes próximas à BlackRock, não houve qualquer reunião no Brasil ou nos EUA com empresários brasileiros. As fontes afirmam que não procede que o fundo tenha direito a um lote de vacinas por se tratar de mero acionista, sem ter participado de a qualquer financiamento para desenvolver o imunizante.

A fragmentação já existe no próprio grupo. Desde que a iniciativa veio a pública uma série de empresas afirmou ter sido sondada, mas ter abandonado o projeto. Em nota oficial, o governo diz apenas que exigiu que 50% das vacinas fossem doadas ao SUS e que elas não fossem comercializadas, usadas apenas na imunização de funcionários. Em conversas reservadas, parte dos executivos defende a doação de no mínimo 50%, e outros falam em 66%. Como não prosperou a hipótese de doar 100% ao SUS, parte das companhias desistiu de apoiar o projeto.

Entre negativas e confirmações, alguns setores já começam inclusive a mensurar quantos funcionários precisariam ser vacinados. Na terça- feira, a Cbic reuniu associados e pediu que todos levantassem o número de doses necessárias para cobrir os trabalhadores da construção civil. Até agora, o somatório indica 1,2 milhão de doses. Metade delas iria para o SUS. Como cada pessoa precisa receber duas doses, seriam vacinados 300 mil trabalhadores do setor.

—Fomos acusadas de furar a fila da vacina. Mas é o contrário. Vamos acelerar a fila. Vamos doar ao SUS vacinas às quais o governo não teria acesso e reduzir a pressão da fila A economia precisa voltar a rodar. Os auxílios serão suspensos. Precisa luver combustível na economia para gerar renda e ter condição de vacinar a todos — disse Martins, que acrescentou: — A última medida provisória coloca como prioridade trabalhadores da construção civil e da indústria.

SEM DOAÇÃO INTEGRAL

Humberto Barbata presidente da Abinee (associação da indústria elétrica e eletrônica), diz que o segmento apoia majoritariamente a proposta, segundo ele encabeçada pela Gerdau e pelo Instituto Aço Brasil. A Abinee representa 400 das 1.500 empresas do setor. que emprega ao todo 250 mil pessoas.

—A grande maioria das empresas do segmento tem apoiado a proposta. O preço de aquisição por dose é de US$ 23,79. Algumas companhias adiaram que não era conveniente porque interpretaram que reter doses poderia ser furar a fila, mas a maioria aderiu —afirmou.

Perguntado sobre o motivo de as empresas não doarem 100% das doses, Velloso, da Abirnaq, disse que as pequenas não teriam como arcar com esse custo: —Existe o possível. E existe o razoável. As empresas pequenas e endividadas não vão doar mais do que 50%. Se é para doar tudo. melhor criar imposto a ser dividido por todos.

José Ricardo Roriz, presidente da Abiplast e vice-presidente da Fiesp, disse que cerca de 200 indústrias do setor plástico já manifestaram interesse em entrar na lista de financiadoras da aquisição caso ela se concretize: —A maioria das empresas que se interessa é de médio ou grande porte. As pequenas não têm recursos na crise para isso, infelizmente.

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