O Estado de S.Paulo
Jornalista: Fabiana Cambricoli


17/04/20 - Embora distritos do centro expandido e de áreas mais ricas sejam os líderes em casos confirmados de coronavírus na capital paulista, os bairros da região periférica concentram o maior número de mortes suspeitas pela doença, segundo dados divulgados ontem pela Secretaria Municipal da Saúde.

O cenário reflete, segundo a própria secretaria, o problema da falta de testes e demora na análise dos exames que são feitos.

Enquanto nas áreas mais ricas da cidade os pacientes têm acesso a laboratórios privados e resultados mais rápidos, na periferia os exames dependem exclusivamente dos laboratórios públicos, que podem demorar mais de um mês para analisar a amostra. Com isso, muitos pacientes são enterrados sem que as famílias saibam se a causa foi, de fato, coronavírus.
A secretaria não detalhou quantos dos óbitos apresentados por distrito são confirmados e quantos são suspeitos, mas pelo mapa divulgado é possível ver a distribuição gráfica de mortes em cada categoria.
Enquanto em distritos mais ricos a maioria das ocorrências consta como confirmada, em bairros pobres quase a totalidade ainda está em investigação.
O distrito da Brasilândia, na zona norte, é o líder em mortes confirmadas ou em investigação, com 33 registros, mas, pelo mapa, cerca de 75% delas ainda são suspeitas. Os distritos de Sapopemba e Itaquera, na zona leste, aparecem em seguida com mais casos: 28 e 27 vítimas, respectivamente, a maioria sem confirmação.
O problema da falta de testes e demora nas análises fica evidente quando observados os dados de casos confirmados por distrito, também divulgados ontem pela Secretaria Municipal da Saúde. Paradoxalmente, os bairros que lideram em registro de mortes têm poucos casos confirmados: Brasilândia, por exemplo, tem só 45 infecções, o que significaria que, se todas as mortes suspeitas fossem confirmadas para covid-19, a taxa de letalidade estaria em 73%.
Outras distorções podem ser observadas na comparação dos mapas de casos e óbitos. O distrito de Marsilac não tem nenhum caso da doença confirmado, mas aparece no mapa de óbitos com duas ocorrências, pelo menos uma delas confirmada.
Em distritos dos extremos da cidade, como Perus, Anhanguera, Itaim Paulista e Parelheiros, com 6, 4, 8 e 5 óbitos reportados, respectivamente, nenhuma das mortes teve a investigação concluída e todas seguem como suspeitas para covid-19.
Por outro lado, os distritos mais ricos da cidade, com acesso mais fácil e rápido à testagem, acumulam muitos casos confirmados e poucas mortes. O campeão em número de infectados é o Morumbi, com 252 registros. Apenas três mortes foram registradas lá, todas confirmadas.
Cenário semelhante é observado em distritos como Vila Mariana (172 casos e 16 mortes) e Jardim Paulista (156 casos e 9 mortes).

Análise

Para o médico sanitarista Walter Cintra Ferreira, professor e coordenador do Curso de Especialização em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a falta de testes e de dados abrangentes sobre a circulação do vírus dificulta uma análise do espalhamento da doença. Ele destaca, no entanto, que um maior número de mortes em bairros periféricos, ainda que suspeitas, pode indicar que a população mais pobre já começa a sofrer efeitos mais severos da pandemia.

“Estamos com informações muito ruins, precisamos de mais testes. Mas evidentemente a gente já espera que a situação da pandemia na periferia vai ser muito pior pelas más condições de habitação, dificuldade de isolamento e até falta de água para a devida higienização.” Ele afirma que a dificuldade de acesso a leitos da rede pública pode aumentar o número de mortes entre a população mais pobre. “As autoridades sanitárias deveriam centralizar o controle dos leitos de UTI das redes pública e privada porque, ao que tudo indica, o sistema público vai entrar em colapso.”

Líder comunitário e representante da Associação de Moradores da Região da Brasilândia/Cachoeirinha, Henrique Deloste diz que muitas pessoas estão infectadas sem ter entrado para as estatísticas. “A gente ouve casos de pessoas contaminadas, famílias inteiras, mas vão a uma unidade de saúde e não têm teste disponível. Outro problema é que a estrutura hospitalar não está preparada para quando o vírus chegar com força nas comunidades”, afirma.

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