Personalidade influencia respeito a isolamento, diz estudo

Folha de S.Paulo
Jornalista: Juliana Mesquita

07/11/20 - O que determina se as pessoas ficam ou não em casa durante a pandemia de Covid-19? Para responder a essa pergunta, quatro pesquisadores das universidades Columbia e Harvard, nos EUA, e de Cambridge, no Reino Unido, ao lado de uma equipe interdisciplinar, responsável pela coleta de dados, conduziram um estudo mundial.

Foram entrevistadas 100.005 pessoas em 55 países —o Brasil forneceu a maior amostra, com 11.568 pessoas ouvidas.

Para surpresa dos pesquisadores, as pessoas mais abertas à experiência foram as que se mostraram mais propensas a ficar em casa.

O estudo, publicado pela American Psychological Association, utilizou um inventário de personalidade conhecido como Tipi. Nele, os entrevistados respondem a dez questões que avaliam a prevalência em sua personalidade de cinco traços amplos, os chamados “Big Five”.

Para isso, atribuem valor de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente) a perguntas que descreveriam a abertura à experimentação, conscienciosidade, extroversão, amabilidade e neuroticismo. A pesquisa, então, analisou os resultados com relação à opção dos entrevistados por respeitar ou não o isolamento social.

Pessoas com abertura à experimentação são aquelas consideradas curiosas, mais dispostas a correr riscos; conscienciosidade se refere àquelas mais responsáveis e confiáveis; a extroversão, às mais sociáveis e extrovertidas; amabilidade, a pessoas mais cooperativas e empáticas; e o neuroticismo, às mais tensas e ansiosas.

Os estudiosos também observaram o rigor da política governamental nos países. Para isso, consideraram sete medidas: fechamento de escolas, fechamento de locais de trabalho, cancelamento de eventos públicos, suspensão do transporte público, implementação de campanha de informação à população, restrições à movimentação interna e controle de viagens internacionais.

A pesquisa concluiu que pessoas com pontuação baixa em neuroticismo e abertura a experiências eram menos propensas a ficar em casa na ausência de medidas governamentais rigorosas —tendência que se anulava diante de políticas restritivas.

Os pesquisadores esperavam que pessoas mais abertas a experiências estivessem menos dispostas a ficar em casa e que essa parcela estaria mais determinada a não seguir normas culturais e se colocaria em mais em risco.

Mas, ressalta Friedrich Götz, doutorando na Universidade de Cambridge (Reino Unido) e porta-voz do estudo, “a abertura também está relacionada a percepções de risco precisas, universalismo e identificação da humanidade”.

Com isso, diz, expostas à informação, “no mundo digitalizado, essas qualidades podem ter levado esses indivíduos a seguir o surto de Covid-19 em outros países, perceber sua gravidade e agir de acordo com ela”.

A pesquisa concluiu ainda que traços de personalidade também atuam de forma independente das políticas governamentais. Pessoas com alto grau de extroversão, por exemplo, tendem a se isolarem menos, mesmo diante de medidas mais rígidas.

Götz avalia que a caracterização desses indivíduos pode ajudar a identificar pessoas com potencial de espalhar o vírus ou a melhorar o trabalho de comunicação entre governos e população.

Professor do programa de pós-graduação em psicologia da Universidade São Francisco (USF) e autor de estudos sobre aderência a medidas contra a Covid-19, Lucas Francisco de Carvalho aponta restrições do uso dos “Big Five”.

Carvalho diz que o Tipi é de fácil aplicação, mas que é restrito pois avalia cada um dos cinco traços apenas por dois itens, enquanto outros formulários podem incluir mais de dez itens. O problema, explica, é que a pontuação no Tipi não leva em conta possíveis patologias de personalidade.

Ele diz que, embora venha se observando a relação entre os “Big Five” e a aderência às medidas de contenção, “traços patológicos da personalidade parecem ter um papel igualmente, ou até mesmo mais relevante”, diz.

Ele ressalta, entre esses, os comportamentos antissociais —aqueles em que os outros são prejudicados em benefício da própria pessoa, como manipulação e indiferença.

Segundo Carvalho, de modo geral, tem-se observado que pessoas com elevação de traços antissociais são as que menos aderem às medidas de contenção. Já as que têm pontuação alta em empatia mostram maior disposição a aderirem.

Desde que medidas mais rígidas foram adotadas pelo governo João Doria (PSDB), no dia 24 de março, a melhor taxa de isolamento no estado de São Paulo foi de 59%.

Com o estado atualmente quase todo na fase verde de flexibilização —a quarta e penúltima do Plano SP— o índice está em torno de 42%.

Enquanto parte da população voltou a frequentar restaurantes, shoppings, bares e praias, outras pessoas se mantêm firmes na decisão de sair somente o necessário.

É o caso da Roseli Faria da Silva, 48. Merendeira em uma creche em Bauru (a 329 km de São Paulo) e membro de uma família de cinco pessoas, ela afirma que segue o distanciamento social a rigor desde o início. Sua filha mais velha e o seu marido tiveram de voltar ao trabalho de forma presencial, mas se limitam a isso, conta. Outras saídas se resumem ao mercado, ao médico ou à farmácia.

A engenheira eletricista Camila (o nome foi trocado a seu pedido), 28, moradora da capital, também respeitou, no início, o isolamento social. Asmática, começou a trabalhar de casa e tinha medo até de ir ao mercado, recorda.

Decidiu passar parte da quarentena com a família, que mora no interior. Mas, no regresso a São Paulo, em junho, começou a sair mais. Ela conta que agora participa de pequenas reuniões entre amigos, vai a restaurantes e, às vezes, ao shopping. Também já viajou duas vezes com conhecidos.

“Eu tenho medo de pegar Covid-19, sim! Não me sentia segura no começo da quarentena e não me sinto agora, mas parece que estou no piloto automático, não penso tanto a respeito.”

(*) Esta reportagem foi produzida no âmbito do Programa de Treinamento em Jornalismo de Saúde, que conta com o patrocínio do Laboratório Roche e da Rede D’Or São Luiz

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