Poluição eleva número de mortes por covid-19

Correio Braziliense

Jornalista: Paloma Oliveto

09/11/20 - Em um ano que bateu todos os recordes de calor desde que a temperatura atmosférica começou a ser registrada, no século 19, os debates sobre mudanças climáticas foram ofuscados pela pandemia de Sars-CoV-2, um vírus que matou mais de 1,2 milhão de pessoas em 10 meses. Embora faltem evidências da relação direta entre o micro-organismo e catástrofes ambientais de causas antropogênicas, estudos demonstram que poluição do ar, desertificação e calor intenso podem aumentar o risco de morte dos pacientes. Além disso, desmatamento e extinção de espécies estão associadas à emergência de zoonoses — doenças transmitidas de animais para humanos, como se acredita ser a covid-19.

Uma das consequências diretas da queima de combustíveis fósseis e da industrialização intensa é a poluição atmosférica. Ainda que invisível, o subproduto dessas atividades fica suspenso no ar, em forma de partículas muito finas, o material particulado. Na quinta-feira, um artigo publicado na revista Scientific Report demonstrou que, mesmo pequenos, aumentos de partículas com 2,5 milionésimos de metro (PM2.5) elevaram o número de mortes por covid-19 nos Estados Unidos.

O estudo, liderado por Francesca Dominici, da Faculdade de Saúde Pública T. H. Chan de Harvard, analisou dados ambientais em 3 mil condados norte-americanos e os relacionou com óbitos por covid-19 ocorridos até junho nessas localidades. Depois de ajustar resultados para 20 fatores que podem influenciar a gravidade da doença, os pesquisadores descobriram que um aumento de apenas 1 micrograma de PM2.5 por metro cúbico está associado a um crescimento de 11% de mortes de pacientes infectados pelo Sars-CoV-2. “Os resultados do nosso estudo sugerem que em locais com altos níveis de poluição é onde precisamos implementar medidas de distanciamento social, agora mais do que nunca, sabendo que as pessoas nessas regiões estarão mais suscetíveis a morrer de covid-19”, diz Dominici professora de bioestatística na instituição.

Embora esse tenha sido um dos primeiros estudos a vincular mortalidade por covid-19 e poluição do ar, a pesquisadora lembra que diversos trabalhos anteriores demonstraram que a inalação de material particulado pode levar à redução da função pulmonar e a lesões no órgão, além de danos cardiovasculares. Dominici destaca que a experiência com o Sars-CoV-1, o primo próximo do Sars-CoV-2, que causou uma epidemia na Ásia em 2003, corrobora a associação. Em regiões da China com níveis moderados de poluição, o risco de morrer da doença foi 80% mais alto, comparado a áreas menos afetadas. Já naquelas com forte contaminação do ar, a probabilidade foi duas vezes maior.

Resultados semelhantes ao do estudo da Scientific Reports foram obtidos por Francesca Dominici e pesquisadores europeus, que publicaram, há duas semanas, um artigo na revista Cardiovascular Research. De acordo com os autores, a exposição à poluição do ar agrava as condições que levam a um risco aumentado de morte por covid-19, como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica e comorbidades não-respiratórias, como hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade e doença arterial coronariana. A pesquisa associou a exposição de longo prazo ao material particulado a 15% das mortes pela infecção por Sars-CoV-2 em todo o mundo, e 19% na Europa.

Os pesquisadores alemães e do Chipre usaram dados terrestres e de satélite sobre exposição global a partículas finas e os associaram a um modelo de química atmosférica, combinado com dados dos Estados Unidos e da China, relacionados à poluição do ar. Os resultados indicaram que o Leste Asiático teve o maior percentual de mortes por covid-19 que poderiam ser atribuídas aos efeitos da contaminação aérea e seus efeitos na saúde humana (27%). Na América do Sul, esse índice foi de 9% — no Brasil, de 12%.

O estudo destacou que, na Itália, a região da Lombardia é a que tem as piores concentrações de poluição atmosférica, e foi justamente lá em que houve as maiores taxas de mortalidade por covid-19 na primeira onda europeia da doença. Além da relação direta entre partículas poluentes e agravamento de comorbidades, os autores afirmaram que “parece provável que partículas finas prolonguem a vida atmosférica dos vírus infecciosos, favorecendo a transmissão”.

Isso já foi demonstrado em relação a diversos vírus, incluindo o da influenza, causador da gripe. Um estudo publicado no ano passado na revista Scientific Reports por pesquisadores da Universidade do Tennessee, nos Estados Unidos, revelou que o material particulado contribuiu para o espalhamento do H5N2, causador da gripe aviária, em 2015. Os cientistas fizeram modelagens com dados climáticos obtidos por satélites e referentes a concentrações de poluentes no estado de Iowa, onde a doença devastou a criação de aves, incluindo, também, cálculos da concentração de vírus na atmosfera e constataram que o micro-organismo manteve-se por mais tempo no ar e se deslocou facilmente, sendo carregado pelas partículas poluentes.

Desmatamento

Entre 2015 e 2020, 10 milhões de hectares de floresta vieram abaixo por ano, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Além da já conhecida associação entre desmatamento e doenças transmitidas por mosquitos, como malária e arboviroses, a destruição do habitat de animais que vivem em regiões florestais já se mostrou um risco para a emergência de pandemias.

“Mais e mais pesquisas apontam para o fato de que, quando nos envolvemos em atividades como o desmatamento, não entendemos totalmente os efeitos em cascata. As consequências podem ser terríveis”, aponta Teevrat Garg, professor na Faculdade de Política e Estratégia Global da Universidade da Califórnia, em San Diego. “O desmatamento tem sido associado à disseminação de doenças infecciosas e às mudanças climáticas, e o que é mais alarmante, está acontecendo em um ritmo rápido”, diz Garg, autor de um estudo recente sobre a influência da derrubada de árvores no aumento de casos de malária na Indonésia. A pesquisa, publicada on-line pelo grupo Nature, mostrou que um declínio de 1% na cobertura florestal aumenta a incidência da doença em 10%.

Garg destaca que, embora ainda não exista uma prova direta da associação entre desmatamento e emergência do Sars-CoV-2,isso já provado para outros vírus altamente letais, como HIV e Sars-CoV-1, causadores da Aids e da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars). O HIV — que matou 40 milhões de pessoas em todo o mundo — tem origem no consumo de animais selvagens, provavelmente chimpanzés, por humanos que invadiram a selva camaronesa. Já o ebola saltou morcegos frugívoros atraídos por pomares levantados onde antes eram florestas para os humanos.

Além disso, em ambientes perturbados por atividades antropogênicas, animais podem entrar em contato com espécies com as quais nunca se encontraram anteriormente e, dessa interação, surgirem novas doenças com hospedeiros intermediários. Esse foi o caso da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), prima próxima da covid-19, que passou de morcegos a camelos e, depois, a humanos.

As teorias mais aceitas hoje, propõem que o Sars-CoV-2 migrou de alguma espécie ainda não identificada de morcego para pangolins — o mamífero mais traficado do mundo — antes de se estabelecer em humanos. “Animais selvagens não são o problema — eles não causam o surgimento de doenças. Pessoas o fazem. Na raiz do problema (de zoonoses emergentes) está o comportamento humano, portanto, mudar isso é solução”, diz Andrew Cunningham, pesquisador da Sociedade Zoológica de Londres e coautor de um estudo que identificou 161 maneiras de mudar a relação com os animais para reduzir o risco de outra pandemia como a da covid-19. O trabalho está sendo revisado pelos pares antes de ser publicado.

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