Folha de S.Paulo 
Jornalista: Victoria Damasceno

Presidente da comissão da CPI da Covid, o senador Omar Aziz (PSD-AM) propôs um projeto de lei que proibiria a prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada, como o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. Após pressão da comunidade médica, no entanto, o texto foi retirado, mantendo o posicionamento do Brasil em relação à prática semelhante ao de países como os Estados Unidos e o Reino Unido.

Assim como médicos brasileiros, americanos e britânicos têm liberdade para prescreverem o que considerarem mais adequado para o paciente, desde que com consentimento. No caso de medicamentos sem comprovação científica, porém, as diretrizes e limites variam.

A proposição foi feita em 25 de maio, quando a secretária da Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como Capitã Cloroquina, depôs na CPI. No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro fez uma postagem em seu perfil no Twitter com uma foto de uma página do projeto, em tom de crítica.

No texto, o senador defendeu que receitar ou aplicar medicamentos sem eficácia comprovada levaria a pena de seis meses a dois anos, além de multa. Se mantido e aprovado, ministrar um produto terapêutico ou medicinal para um fim que não seja aquele determinado pela vigilância sanitária, como no caso do kit Covid, seria considerado crime.

O uso desses e outros medicamentos de forma diferente do determinado pela bula e aprovado pela Anvisa (Agência Brasileira de Vigilância Sanitária), é chamado de “off label”.

Embora o termo não estivesse no projeto de lei, a médica epidemiologista e presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Gulnar Azevedo, acredita que uma lei como essa criminalizaria os médicos e esta não é uma questão judicial.

“Eu acho que isso poderia ser uma regulamentação para a prática médica. Uma regulamentação do CRM [Conselho Regional de Medicina] apoiando não ser indicado. Não adianta judicializar a recomendação, porque estaria interferindo na prática. O ideal seria que a medicina seguisse o que está correto.”

Assim como no Brasil, nos EUA a cloroquina e a hidroxicloroquina, originalmente indicadas para malária e doenças autoimunes, foram usadas para tratar e prevenir a Covid-19. Em março de 2020, quando começou a corrida por essas substâncias, as prescrições dos medicamentos para uma finalidade diferente da da bula subiu de 1.143 para 75.569, aumento de 80% em relação ao mês anterior, segundo relatório do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças).

Na época, a FDA (agência reguladora de medicamentos dos EUA) havia emitido uma autorização emergencial para o uso das drogas para tratar pacientes hospitalizados. Mas não foi o que aconteceu: médicos pelo país receitaram para si mesmos, amigos, familiares e pacientes.

Para rastrear a prescrição em massa, de acordo com a AMA (associação médica dos EUA), conselhos de farmácias de ao menos 33 estados emitiram notas e diretrizes sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina e determinaram, por exemplo, a limitação da venda para pacientes com diagnóstico de Covid-19.

Na Califórnia, o conselho médico estadual lembrou os profissionais da saúde que a prescrição inapropriada configura conduta antiética, segundo as leis locais.

Mas, antes mesmo da pandemia, estados americanos já haviam criado bases de dados que documentavam a indicação de medicamentos controlados. As bases são alimentadas por quem os vende e têm como objetivo a promoção de políticas públicas e a redução do abuso de medicamentos.

Assim como no Brasil, onde Bolsonaro defendeu o uso profilático abertamente, o tratamento fora dos hospitais foi incentivado pelo ex-presidente Donald Trump.

Em setembro, porém, três meses após a FDA emitir um novo comunicado revogando a autorização emergencial do uso de cloroquina e hidroxicloroquina, o CDC afirmou que a venda dos medicamentos estava voltando aos níveis anteriores à pandemia.

Naquela época, já havia estudos considerados padrão ouro —com placebo, grupo de controle e com voluntários divididos aleatoriamente em grupos— que comprovaram que esses medicamentos não têm eficácia no tratamento de pacientes com Covid-19.

Para Azevedo, o uso contínuo dessas substâncias no Brasil, a despeito das evidências, se dá pela soma da liberdade médica com a influência política do governo federal em parte desta comunidade.

“Infelizmente, colegas esqueceram da ciência e seguiram uma orientação errada, cientificamente e medicamente errada. É o uso off label, mas isso não significa que todo uso off label é ruim”, diz.

No Reino Unido, médicos também podem indicar substâncias para fins diferentes daqueles regulamentados pelo governo. Há, porém, uma série de recomendações.

No caso da Covid-19, o profissional deve ter uma justificativa, os benefícios da substância devem ser maiores que o do produto licenciado e deve haver evidências suficientes que comprovem a segurança e eficiência do tratamento.

A cloroquina e a hidroxicloroquina não foram recomendadas para o tratamento da Covid, porém, e a indicação é de que só sejam utilizadas por pacientes diagnosticados com a doença dentro de estudos.

No NHS (sistema público de saúde do Reino Unido), o financiamento de qualquer tratamento sem eficácia comprovada não é comum e as diretrizes variam entre os núcleos responsáveis pela administração local.

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