Quais as inconsistências nos dados da vacina de Oxford

FOTO: STEFAN PUCHNER/GETTY IMAGES - 21.NOV.2020

vacina?profile=RESIZE_710xTREINAMENTO PARA VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19 É FEITO EM CENTRO DE EXIBIÇÕES NA ALEMANHA

Cientistas questionam metodologia de estudos que citam eficácia de até 90%. Imunizante desenvolvido em parceria a empresa AstraZeneca foi comprado pelo governo federal para ser produzido no Brasil


por Estêvão Bertoni - Nexo Jornal

Em anúncio feito na segunda-feira (23), o laboratório anglo-sueco AstraZeneca afirmou que os resultados preliminares da sua vacina experimental da covid-19, desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford, mostraram uma eficácia de até 90%, o que chegou a ser comemorado como mais uma boa notícia sobre os imunizantes em teste contra a doença. Mas assim que se tornaram públicos, os dados apresentados pela empresa passaram a ser contestados pela comunidade científica.

As informações publicadas tinham inconsistências e levantaram dúvidas entre pesquisadores. Elas não explicavam, por exemplo, como a AstraZeneca chegou ao cálculo de 90% de eficácia. Cientistas disseram que a falta de transparência compromete a credibilidade do estudo sobre a vacina. Testada no Brasil, ela foi adquirida pelo governo federal para ser produzida pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

O que foi divulgado

Os resultados preliminares divulgados dizem respeito à etapa final de pesquisas do imunizante em humanos. Segundo o laboratório, a vacina obteve uma eficácia de 90% em voluntários que tomaram meia dose da vacina e, 30 dias depois, receberam um reforço com a dose completa.

A aplicação da dose pela metade foi um erro admitido pela própria empresa. Durante as pesquisas, houve uma falha na dosagem do imunizante aplicado em parte dos voluntários. Essa falha acabou sendo responsável por melhorar o desempenho da vacina nos testes.

No caso dos participantes vacinados com duas doses cheias, a eficácia caiu para 62%. Por isso, considerando todos os casos, a empresa considerou que a eficácia média do produto foi de 70%. Os valores estão acima do limite de 50% considerado o mínimo pelas agências reguladoras para a aprovação de uma vacina que possa ser usada contra a covid-19.

Os pesquisadores não souberam explicar por que a dose menor foi mais efetiva. À agência de notícias AFP, o cientista Andrew Pollard, da Universidade de Oxford, afirmou na quinta-feira (26) que uma possibilidade é que a dose menor tenha preparado de forma mais eficiente o sistema imunológico para responder ao vírus.

A taxa de eficácia de uma vacina é calculada a partir da comparação entre o número de pessoas que ficaram doentes dentro do grupo que tomou a vacina e a quantidade de doentes dentro de outro grupo que recebeu apenas um placebo (substância sem efeito).

Os dados divulgados pelas AstraZeneca se referiam a 131 participantes que adoeceram ao longo da pesquisa, mas não revelavam a quantidade de infectados pelo coronavírus em cada grupo. Isso impedia que os cientistas se certificassem que o cálculo feito para chegar à eficácia de 90% estava correto. Laboratórios como a Moderna e a Pfizer detalharam essas informações em seus anúncios.

Uso acidental de meia dose

A aplicação inicial de meia dose da vacina em parte dos voluntários não estava programada. Segundo a AstraZeneca, ocorreu um erro de cálculo na manufatura de algumas vacinas, cometido por uma empresa contratada para realizar o serviço. Quando o problema foi identificado, as agências reguladoras, que acompanham as pesquisas, foram imediatamente avisadas pelo laboratório, mas autorizaram a continuidade dos testes. Cerca de 2.800 voluntários receberam a meia dose inicial; outros 8.900 voluntários receberam as duas doses cheias. O problema, segundo pesquisadores, é que o ensaio não havia sido desenhado originalmente para testar a hipótese da meia dose funcionar.

Resultados misturados

Nos dados divulgados, a AstraZeneca juntou resultados dos ensaios clínicos no Reino Unido e no Brasil. Segundos pesquisadores, isso não é uma prática habitual, pois cada uma das pesquisas é concebida de maneira diferente e adota procedimentos distintos — no Reino Unido, os voluntários do grupo placebo, usado para a comparação dos resultados, tomaram uma vacina contra a meningite; no Brasil, foi usada uma solução salina sem efeito. Os testes no Reino Unido começaram em maio; no Brasil, no final de junho. Nas informações tornadas públicas, não se sabe a origem de cada dado nem como eles foram combinados, o que levantou questionamentos sobre o rigor adotado.

Omissão de informações

Diferentemente do que ocorreu na divulgação dos resultados das vacinas da Moderna e da Pfizer também em novembro, a AstraZeneca não informou quantos dos 131 voluntários que se infectaram com o novo coronavírus ao longo do teste estavam em cada um dos grupos estudados. Os ensaios clínicos dividem os participantes entre quem recebe a vacina e quem toma um placebo, para depois comparar os resultados e calcular a eficácia do produto. No caso do estudo da AstraZeneca, surgiu um terceiro grupo, com voluntários que receberam meia dose inicial. Além disso, não se sabe o efeito da meia dose inicial em idosos, pois somente pessoas de até 55 anos estavam nesse grupo.

A resposta da AstraZeneca
A falta de clareza na divulgação das informações e as dúvidas deixadas em aberto abalaram a confiança da comunidade científica no estudo. Após o anúncio da eficácia da vacina, as ações do laboratório na bolsa caíram — diferentemente do que ocorreu com a Moderna e a Pfizer, que viram seus papéis se valorizarem. Os problemas também podem retardar a aprovação do imunizante pelas agências regulatórias dos países.

Em resposta às críticas, a porta-voz da AstraZeneca, Michele Meixell, disse ao jornal The New York Times que os ensaios clínicos obedeceram “os padrões mais elevados”.

Já o executivo Menelas Pangalos, responsável pelas pesquisas, afirmou à agência de notícias Reuters na segunda-feira (23) que o erro na aplicação das doses foi “um acaso feliz” que permitiu achar a dosagem mais promissora.

Na quinta-feira (26), ele voltou a minimizar a falha de dosagem na pesquisa. “O erro é realmente irrelevante (…). Qualquer que seja a forma de corte dos dados, mesmo que você acredite apenas nos dados de dose completa, dose total, ainda temos eficácia que atende aos limites para aprovação com uma vacina que é mais de 60% eficaz”, disse.

Ainda na quinta-feira, por causa da repercussão do caso, o presidente-executivo da AstraZeneca, Pascal Soriot, disse, também à Reuters, que a empresa deverá fazer um teste global adicional para verificar a eficácia da vacina a partir da meia dosagem inicial. Segundo ele, esse novo teste poderia ser mais rápido pois já se sabe que a eficácia é alta, o que exigiria um número menor de participantes.

Como é a vacina

A tecnologia usada na vacina da AstraZeneca desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford já vinha sendo estudada pela instituição desde 1991 em pesquisas para possíveis imunizantes contra a gripe, a Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e o ebola.

Ela utiliza um adenovírus que causa gripe apenas em chimpanzés modificado para carregar o material genético do novo coronavírus. Uma vez no organismo, ele entra nas células humanas e usa seu maquinário para produzir a mesma proteína que envolve o Sars-CoV-2. Essa proteína é reconhecida pelo sistema imune e desencadeia mecanismos de defesa, gerando proteção contra a covid-19.

A vacina tem vantagens em relação às concorrentes: ela não precisa ser armazenada em temperatura abaixo de zero (a da Pfizer, por exemplo, tem de ser preservada a -70ºC), pode ser mantida em refrigeradores entre 2ºC a 8ºC e é mais barata e fácil de ser feita.

3 bilhões 

é a estimativa de doses da vacina que a AstraZeneca pretende produzir em 2021

A Fiocruz, ligada ao Ministério da Saúde, decidiu adquirir o produto por meio de uma encomenda tecnológica firmada em setembro. O plano da instituição é produzir 210,4 milhões de doses da vacina até o final de 2021, para disponibilizá-las no SUS (Sistema Único de Saúde). Para isso, o imunizante precisa demonstrar ser seguro e eficaz, além de ser aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O custo da produção por dose será de US$ 3,16, considerado baixo.

R$ 1,99 bilhão

é o custo da encomenda tecnológica para a produção das primeiras 100,4 milhões de doses da vacina de Oxford no Brasil

57.763

voluntários participam do teste da vacina de Oxford/AstraZeneca em sete países; no Brasil, o imunizante é testado em 10 mil pessoas

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