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Jota 
Jornalista: Manoela Albuquerque

22/09/20 - Se aprovada tal como foi enviada ao Congresso Nacional em julho deste ano, a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) terá potencial para aumentar a carga tributária de diferentes segmentos da cadeia produtiva da saúde e resultar na sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS).

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Essa é uma síntese do que dizem porta-vozes do setor de saúde suplementar e da indústria ouvidos pelo JOTA ao longo do mês de agosto. Todos são favoráveis à reforma tributária, mas consideram que a atual proposta do governo, de forma isolada, é negativa.

O posicionamento foi apresentado ao ministro da Economia, Paulo Guedes, em uma reunião convocada na última sexta-feira (18/9) para ouvir pleitos e preocupações relacionados ao tema.

Interlocutores relataram à reportagem que a equipe se mostrou aberta a analisar as demandas, mas não houve nenhuma proposta conclusiva. Ainda assim, a postura de Guedes foi avaliada positivamente.

O PL 3887/2020, de autoria do Ministério da Economia, perdeu a urgência de ser analisado pelo plenário da Câmara dos Deputados e tramitará, ao que tudo indica, em conjunto com as outras propostas de reforma tributária em andamento no Congresso.

O projeto de lei institui a CBS, um tributo sobre valor agregado (IVA), com uma alíquota única de 12% para a substituição do PIS/Pasep e da Cofins. Apesar de permitir a geração de crédito na cadeia produtiva, a análise é que a proposta, em linhas gerais, não compensa o aumento da carga tributária para o setor de saúde.

Como se trata de uma reforma “fatiada”, as avaliações se restringem ao que já foi apresentado pelo governo até o momento.

A busca é por um tratamento diferenciado para a saúde, com redução da alíquota ou isenção do imposto — a exemplo do que é praticado em outros países que utilizam IVA.

Um trabalho semelhante de convencimento já havia sido iniciado pelo setor para o aprimoramento das PECs 45 (da Câmara) e 110 (do Senado). Enquanto as outras partes da reforma tributária prometidas pelo governo não são enviadas, as propostas que partiram do Legislativo são consideradas mais efetivas, por serem mais amplas.

Saúde suplementar

A Confederação Nacional da Saúde (CNSaúde) divulgou estudo da consultoria LCA que calcula, a partir da proposta de CBS, aumento de 80% na carga tributária para hospitais e laboratórios privados.

Para as operadoras de planos de saúde, incluídas no regime financeiro (com alíquota de 5,9%, sem direito a crédito), o aumento seria de 131% devido ao aumento do resíduo tributário.

Nessa análise, o repasse do aumento geraria incremento de preço ao consumidor de 7,4% para serviços hospitalares e laboratoriais e de 5,2% nos planos de saúde. O impacto seria redução da demanda e perda de R$ 4,6 bilhões, o equivalente a 500 mil planos de saúde individuais.

“Temos que tratar essa discussão tributária, as operadoras junto aos prestadores. Não adianta quebrar os elos. Se você tiver um ônus tributário, isso volta como custo assistencial e o custo assistencial volta, dentro do conceito de mutualismo, como reajuste. É tudo o que não se quer”, afirmou a diretora-executiva da FenaSaúde, Vera Valente.

Na avaliação de entidades representativas dos prestadores da saúde suplementar, o impacto da CBS será desastroso caso não haja tratamento diferenciado.

“Estamos acompanhando e estamos com várias ações para convencer parlamentares quanto ao PL do governo, que trata de PIS e Cofins. A associação é a favor da reforma tributária, mas o setor de saúde suplementar está há muito tempo patinando em número de vidas”, afirmou o presidente da CNSaúde, Breno Monteiro.

O diretor do Comitê Jurídico da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), Fábio Cunha, prevê que a aplicação da CBS pode ocasionar o fechamento de hospitais e laboratórios de pequeno e médio porte, sobretudo em regiões mais pobres.

“Com aumento da carga tributária, quem mais vai sofrer é o interior, o que traz uma duplicidade de prejuízos. Essas pessoas vão afogar ainda mais o SUS onde ele é mais frágil”, disse.

O advogado reforça que o pleito dos prestadores, que se apresentam de forma conjunta no Legislativo, é a neutralidade fiscal.

“Não queremos nenhum tipo de benefício, nenhuma redução, nada. A palavra-chave do nosso pleito é neutralidade fiscal. Não queremos pagar a conta para que outros setores tenham sua carga tributária reduzida. Isso, para nós, é inadmissível”, afirmou.

O vice-presidente do conselho administrativo da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), Henrique Neves, espera que os demais projetos da reforma tragam equilíbrio em vez de agravar a tributação.

“Como é a primeira fase do projeto de reforma, é difícil saber qual será o impacto final. Se fosse somente essa fase, o impacto seria muito relevante. Portanto, há uma preocupação do setor de saúde. Qualquer modelo a ser adotado deve ser neutro e não deve agravar a atual tributação. A forma de se fazer isso, obviamente, partirá da própria reforma”, disse.

Na mesma linha, argumenta o superintendente-executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcos Novais: “Acreditamos que a questão será mais ampla do que PIS/Cofins, mas estaremos sempre preocupados. Sabemos que o plano de saúde não pode ficar mais caro. Estamos defendendo tanto os nossos interesses quanto dos beneficiários. Claro, no decorrer desse caminho, vamos calcular para que haja o menor impacto”.

Indústria

Na indústria farmacêutica, a divulgação dos cálculos relacionados à CBS ainda é restrita, justamente porque os representantes aguardam o envio das novas propostas pelo governo. Ao JOTA, o Sindusfarma antecipou que o aumento da carga tributária previsto é preocupante, podendo chegar a 31% para alguns produtos.

“Temos hoje 65% dos produtos farmacêuticos tarjados, mais específicos, isentos do PIS/Cofins, na chamada lista positiva. Nós fizemos o cálculo em cima desses produtos. De fato, tem um impacto tributário muito forte. O governo falava sobre os créditos e tudo mais, mas a gente sabe que no final do dia isso não compensa”, afirmou Nelson Mussolini.

Outro ponto de atenção são os efeitos relacionados ao ICMS. “No nosso caso, ainda, tem um problema muito mais grave. Uma série de medicamentos, principalmente da alta complexidade, como medicamentos oncológicos, são isentos de ICMS em razão da isenção do tributo federal. O convênio que trata a isenção de ICMS é bem específico”, explicou.

Para o executivo, esse aumento da carga tributária terá grande impacto no orçamento do SUS e deve sensibilizar a equipe econômica.

“O ministro Paulo Guedes tem colocado várias vezes que é contra ‘impostos do pecado’, que todo mundo tem que ter a mesma alíquota e os mesmos tributos, mas eu acredito que alguns produtos, esses que são essenciais para saúde, precisam ser olhados de maneira diferente. Uma coisa que tem que ser avaliada é o quanto isso vai onerar o cofre do Ministério da Saúde, que compra esses produtos”, avaliou Mussolini.

Nesse contexto, a indústria farmacêutica vai buscar a isenção de imposto para todos os medicamentos.

“Essa é proposta que estamos levando ao governo e que defenderemos, sem dúvida nenhuma, no Congresso Nacional. Entendemos que medicamento não pode ter qualquer carga tributária, então a primeira que a gente quer derrubar é a federal. E possivelmente, sim, vamos brigar para reduzir ou retirar carga tributária de ICMS. Pode-se pensar em uma alíquota diferenciada para a área da saúde, mas neste momento estamos trabalhando com isenção”, afirmou.

O presidente do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, reforçou que a proposta de CBS, como foi feita, é negativa.

“Já identificamos e estamos dando ciência a todos de que esse projeto como está vai implicar no aumento de preço para todo mundo. A proposta básica seria ter isenção de tributos para medicamentos. Não faz sentido tributar esse tipo de coisas só porque é mais fácil tributar”, avaliou.

O presidente da Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em Saúde (ABIIS), Bruno Bezerra, afirmou que a CBS pode gerar aumento de 12% na carga tributária para dispositivos médicos, resultando no encarecimento dos produtos no mercado da saúde.

A entidade busca “tratamento fiscal adequado” ao setor como um todo, sem que haja restrição por segmentos.

“O hospital pode ser desonerado, mas se ele tiver que comprar medicamentos e dispositivos médicos, vai ser penalizado. O SUS vai gastar mais. Vai ter que se fazer uma escolha. Vai se aumentar o orçamento para aumentar a qualidade no SUS ou vai se restringir? Essa é uma discussão. A cadeia é integrada, não tem como você tratar de forma diferenciada uma parte e não a outra. Não pode o setor de saúde ser tratado como setor de agro ou de telecomunicações”, disse.

Manoela Albuquerque – Repórter em Brasília. Especializada na cobertura de saúde, regulamentação e política. Foi setorista do Palácio do Planalto, durante o primeiro ano do governo Bolsonaro, pelo Metrópoles. É formada em jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo e fez intercâmbio acadêmico na Universidade do Porto, em Portugal. Email: manoela.albuquerque@jota.info

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