Tecnologia de Saúde: Os desafios das ciências de dados

O Globo

No início do ano, estados como São Paulo e Mato Grosso do Sul viram seus números de óbitos por Covid-19 despencarem de repente. A notícia, no entanto, não era auspiciosa. A queda aconteceu depois da criação de novos campos de preenchimento no Sivep-Gripe, sistema de vigilância epidemiológica do Ministério da Saúde, que acarretou subnotificação de mortes causadas pelo coronavírus. Foi o segundo incidente a expor a fragilidade dos sistemas de dados oficiais de saúde no país, depois que um apagão nos levantamentos federais de letalidade da doença, em 2020, levou veículos de imprensa a criar seu próprio cálculo de vítimas.

Os exemplos mostram como o big data, ou o cruzamento de grandes volumes de informação compilados digitalmente, pode afetar as políticas públicas — para o bem ou para o mal. O Brasil conta, hoje, com diversos bancos de dados capazes de reunir conjuntos relevantes de números sanitários. Porém, ainda enfrenta barreiras como financiamento e integração dos sistemas.

Monitoramento

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é uma das instituições que usam big data para o monitoramento de doenças como a Covid-19. Um dos seus sistemas, o Infogripe, reúne casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) disponíveis no Sivep-Gripe e emite alertas de alta incidência. O grupo que trabalha na plataforma faz análises da situação gripal por estados, capitais e macrorregiões de saúde (municípios que dividem o mesmo sistema de saúde).

Marcelo Gomes, pesquisador em saúde e coordenador do Infogripe, destaca que a maior dificuldade enfrentada pelo grupo são os atrasos na digitalização dos casos de SRAG pelas equipes dos hospitais, que fornecem um panorama desatualizado da situação. A demora acontece quando funcionários, no momento do atendimento, preenchem uma ficha em papel ou no próprio sistema hospitalar e depois precisam repassar para o Sivep-Gripe.

— O ideal seria quantificar os casos de acordo com a data do início dos sintomas, pois é o evento mais próximo do momento de infecção. Seria o mais adequado para acompanharmos como está a ocorrência de transmissão da doença. Mas, em alguns estados, há uma demora de quatro semanas ou mais. Não temos um retrato real do agora, apenas informações que foram inseridas no momento— explica Gomes.

Os entraves exigiram um método pra dirimir distorções. Depois de computar os registros, os pesquisadores analisam o perfil de atraso entre a data de sintomas e a de entrada em cada estado e aplicam um modelo estatístico para fazer uma correção dos casos recentes.

— É como se estivéssemos estimando os casos que já aconteceram mas ainda não entraram no sistema — detalha o coordenador.

Dados visuais

Um dos projetos mais vistosos da Fiocruz é o MonitoraCovid-19, que apresenta dados da doença como casos, mortes e evolução da vacinação de modo visual, com gráficos e mapas coloridos. Já o Pandemia na Internet utiliza técnicas de ciência de dados e inteligência artificial para busca automatizada de menções sobre o coronavírus no noticiário e em redes sociais. Ambas estão disponíveis ao público no site da fundação e integram a Plataforma de Ciência de Dados aplicada à Saúde (PCDas), um conjunto maior de serviços e pesquisas da instituição.

— Acreditamos que nossa plataforma possa facilitar análises iterativas e interativas dos dados, visando a possíveis ações de promoção, prevenção e atenção à saúde. Queremos fomentar análises preditivas, criando ferramentas que tenham impacto no SUS e aumentem nossa capacidade de comunicação científica — afirma Marcel Pedroso, coordenador da PCDaS.

O pesquisador alerta, entretanto, que, por sua natureza, o campo de estudos exige investimentos permanentes de atualização, nem sempre compatíveis com “reduções constantes e significativas no fluxo de recursos para financiamento de suas atividades”.

— Nesse contexto, a necessidade crescente de atualização de nossa infraestrutura tecnológica e a fixação de pesquisadores altamente qualificados são os desafios — declara Pedroso.

Projetos locais se valem da abrangência do DataSUS, do Sistema Único de Saúde, maior banco de dados do país e um dos maiores do mundo. No ano passado, o governo lançou a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), que funcionará como um prontuário virtual acessível tanto para os cidadãos quanto para os profissionais de saúde, integrando informações de hospitais públicos e privados, além de exames das duas redes.

O resultado da primeira fase de implementação da plataforma já pode ser conferido no portal e app Conecte SUS. No sistema, há informações sobre testes de Covid-19 realizados e as doses recebidas do imunizante. É lá que ficará disponível o comprovante de vacinação contra o vírus (em português, inglês e espanhol).

Com o RNDS, o SUS pretende eliminar a necessidade do envio manual de dados pelos hospitais.

— Será criado um fluxo para que as informações sejam repassadas de forma automatizada. No momento em que qualquer hospital internar um paciente, receberemos uma mensagem com essa informação. — explica Jacson Barros, diretor do DataSUS, acrescentando que para isso ainda será preciso modernizar alguns sistemas antigos da rede.

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