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Folha de S.Paulo / Site 

Colunista: Cláudia Collucci

02/03/20 - Um estudo publicado nesta segunda (2) na Revista de Saúde Pública mostra que um único medicamento usado no tratamento de doenças raras custou ao SUS, no período de 11 anos, R$ 2,44 bilhões.

 

O trabalho, feito por pesquisadores do Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), avaliou as aquisições de eculizumabe, um anticorpo monoclonal, pelo Ministério da Saúde entre março de 2007 e dezembro de 2018.

 

As compras foram feitas sem licitação para atendimento de demandas judiciais. O estudo mostra o impacto que esse tipo de compra, fora do ambiente competitivo, causa ao sistema público de saúde.

 

Após a aprovação do registro pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o preço médio do remédio caiu cerca de 35%, para valores abaixo dos preços estabelecidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos.

 

O eculizumabe é um medicamento indicado para amenizar complicações de pacientes adultos e pediátricos com duas doenças raras, a hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) e a síndrome urêmico-hemolítica atípica (SHUa). Causam anemias graves, falência de medula óssea e dano renal progressivo.

Segundo o estudo, o mapeamento das compras mostrou que as primeiras aquisições do eculizumabe ocorreram em fevereiro de 2009, dois anos após o primeiro registro internacional. No período examinado, todas as compras federais do eculizumabe foram realizadas pelo Ministério da Saúde por dispensa de licitação e sempre com a justificativa de atendimento de demandas judiciais.

 

Até o registro em 2017, de acordo com os pesquisadores, houve grande variação no preço médio, que chegou a atingir o valor de R$ 27.933,76 em 2016. Já as aquisições realizadas depois do registro e após a fixação do preço máximo de venda ao governo ficaram abaixo de R$ 13.600,90.

 

O eculizumabe já foi descrito como o mais caro do mundo, com custo aproximado de US$ 410 mil por paciente/ano nos EUA em 2010.

 

No Brasil, o custo de tratamento de um único paciente ao ano, obtido via judicial, ultrapassava R$ 800 mil em 2012.

 

O estudo mostra que desde 2009, o eculizumabe vinha sendo comprado no país em quantidades e gastos que mostraram tendência crescente ao longo do tempo. Em 2017, contudo, houve queda importante no número de compras (de mais de 50 compras nos três anos prévios para apenas quatro naquele ano) e de unidades adquiridas (uma redução de 49,5% em relação ao quantitativo adquirido em 2016).

 

Segundo os pesquisadores, os dados disponíveis não permitem concluir a razão dessa queda abrupta, mas dois fatos podem ter contribuído.

 

Em 2017, a Polícia Federal deflagrou a Operação Cálice de Hígia, com objetivo de investigar possíveis fraudes ligadas à judicialização de medicamentos para doenças raras, incluindo o eculizumabeb.

 

Naquele ano, o Ministério da Saúde também realizou auditoria no processo de compra do medicamento. Das 414 pessoas que possuíam decisões judiciais para receber o fármaco em 2017, 28 não foram localizadas, cinco não residiam no endereço informado, seis se recusaram a prestar informações e 13 já tinham morrido.

 

E o mais inacreditável: cerca da metade dos pacientes não apresentava provas de diagnóstico da doença e, ainda assim, vinha recebendo o eculizumabe por decisão judicial.

 

De acordo com o estudo, o medicamento só foi incluído na tabela de pagamentos do SUS no final de dezembro de 2018 e, até a data de elaboração do estudo, o fármaco aguardava elaboração de protocolo de uso pelo ministério para ser regularmente fornecido aos pacientes.

 

A literatura aponta inúmeros exemplos de como o litígio tem sido utilizado como estratégia de acesso a medicamentos que não possuem registro no país.

 

Segundo os pesquisadores, várias evidências sugerem que empresas farmacêuticas podem usar de relações com grupos de defesa dos pacientes e profissionais de saúde para expandir a participação de mercado pela judicialização, terminando por forçar a incorporação do medicamento no sistema de saúde.

 

Um estudo de 514 ações judiciais que demandaram o medicamento e tinham o Ministério da Saúde como réu entre 2010 e 2016 mostrou que 376 (73%) tinham origem no Distrito Federal e 46 (9%) no estado de São Paulo.

 

Apenas um único escritório de advocacia foi responsável por 361 processos (70%). As proporções de prescrições originárias de médicos particulares e do SUS são semelhantes (respectivamente, 32,4% e 31,2%), chamando atenção o fato de que, em 27,1% das ações, sequer existia registro do nome do prescritor.


(*) Cláudia Collucci é jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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