Vacina russa é promissora, mas precisa de mais testes

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Folha de S.Paulo 
Jornalistas: Everton Lopes Batista e Igor Gielow

05/09/20 - O primeiro trabalho científico publicado em revista internacional sobre a vacina russa contra a Covid-19 registrou resultados promissores. Mas os pesquisadores admitem que são necessários mais testes para a comprovação cabal de sua eficácia.

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O levantamento sobre as fases 1 e 2 de estudos da chamada Sputnik V foi publicado pela revista britânica The Lancet nesta sexta-feira (4).

De acordo com o estudo, o medicamento aplicado em duas doses mostrou eficácia de 100% e apontou uma resposta imune até 1,5 vez superior à registrada pelo imunizante desenvolvido pela AstraZeneca/Universidade de Oxford —que o governo federal testa no Brasil.

Para o presidente do Fundo de Investimento Direto da Rússia, Kirill Dimitriev, o resultado serve para “responder às dúvidas do Ocidente” sobre a vacina. O fundo bancou a pesquisa do Instituto Gamaleya, criador do imunizante.

As questões, contudo, permanecem e são respaldadas pelos próprios autores do estudo. “Ensaios grandes e de longo prazo incluindo a comparação via placebo, e monitoramento adicional, são necessários para estabelecer a segurança e eficácia da vacina no longo prazo para prevenir a infecção”, afirma o texto.

O estudo só analisou os efeitos em 76 pessoas de 18 a 60 anos e não foi randomizado (quando não há a escolha dos indivíduos) nem duplo-cego (quando um grupo é injetado com composto inócuo sem que ele ou o médico saiba). Isso é comum nesta fase. Os ensaios duraram 42 dias, levando ao polêmico registro da vacina em 11 de agosto.

A aprovação do Ministério da Saúde russo, que permitiu ao país propagandear a Sputnik V como primeira do gênero no mundo, veio antes da chamada fase 3, de grande escala. Os russos afirmam que já começaram essa etapa com 2.500 dos 40 mil voluntários que pretendem acompanhar.

Enquanto isso, o plano é, a partir de algum momento de setembro, vacinar já profissionais da saúde do país. O registro do Ministério da Saúde, no entanto, só prevê vacinação geral a partir de janeiro de 2021.

Mesmo esse prazo não foi comentado publicamente — assim como é incerto o acesso eventual de estrangeiros ao imunizante.

O que Alexander Ginzburg, diretor do Gamaleia, afirmou em videoconferência nesta sexta, é que os estudos da fase 3 poderão estar prontos em outubro ou novembro.

Como já havia ficado claro em entrevista no dia 20 de agosto, a Rússia ajustou seu discurso inicial, que dava a entender que iria vacinar maciçamente sua população de imediato, e está adicionando elementos científicos mais sólidos à sua campanha pela Sputnik V aos poucos.

Politicamente, se o imunizante for mesmo eficaz e seguro, isso poderá se reverter numa vitória para o presidente Vladimir Putin, inicialmente um cético acerca do novo coronavírus.

Mesmo o nome da vacina, o mesmo do primeiro satélite artificial, foi adotado para lembrar o assombro do Ocidente ante ao feito espacial dos soviéticos em 1957.

Ginzburg defendeu os atalhos tomados pelos pesquisadores e o atraso na publicação internacional de dados.

“De acordo com a regulação russa, só é ético publicar no exterior após o registro doméstico”, disse. Ele voltou a dizer que a emergência da pandemia acelerou todo o processo, que normalmente demoraria muito mais. “Era necessário tomar ações regulatórias para vacinar civis.”

Sobre o início da produção em massa, já anunciado por Moscou, ele afirmou que os resultados com um grupo tão pequeno de pacientes são suficientes porque a segurança do imunizante estaria certificada por ele usar o mesmo princípio das vacinas contra o ebola (já aprovada) e a Mers (doença semelhante à Covid-19, que parou na fase pré-clínica).

Dimitriev manteve o tom usual de crítica política aos detratores da vacina ao comentar os resultados. “Minha questão para a indústria farmacêutica é: vocês vão mostrar estudos de longo prazo a seus cidadãos? Eles não existem”, disse.

Para compensar a evidente lacuna em torno da Sputnik V, Dimitriev apontou para 250 estudos prévios com o princípio da vacina citados na publicação na Lancet.

De acordo com os resultados, a vacina produziu anticorpos em todos os participantes em cerca de 21 dias após a primeira aplicação. Depois de 28 dias, os pesquisadores também detectaram a produção de células T, outro produto do sistema imunológico. A Sputnik V é uma vacina que utiliza adenovírus (causador de resfriados comuns) modificados geneticamente para não iniciar a doença em humanos.

Na vacina, o adenovírus carrega parte do material genético do novo coronavírus. Quando o corpo detecta a presença do invasor, dispara uma resposta imunológica para se defender da infecção. Assim, células imunológicas de memória são geradas e fica mais fácil evitar o desenvolvimento da Covid-19. A imunidade foi obtida após duas injeções. Na primeira, o mais comum adenovírus Ad5 é aplicada e, 21 dias depois, uma dose de outra variante, o Ad26, é injetada.

Segundo o estudo desta sexta-feira, não houve efeitos colaterais sérios nos testados. Houve eventos como dor no local da vacina (em 58% dos testados), febre (50%), dor de cabeça (42%), fraqueza (28%) e dor muscular (24%). Nas outras vacinas, afirmam os russos, efeitos adversos têm aparecido de 1% a 25% dos voluntários.

A Sputnik V será testada no Brasil

O estado do Paraná já assinou contrato com o fundo russo, mas ainda não há detalhes sobre o processo, e outras unidades federativas negociam o mesmo. Segundo Dimitriev, já são 40 os países interessados na vacina. Além da vacina de Oxford, o país testa em larga escala a chinesa da Sinovac, em parceria com o governo paulista.

Outros dois imunizantes (Pfizer e Sinopharm) estão em teste, mas sem contratos de produção ainda.

Para a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e pesquisadora-associada da Universidade da Califórnia em San Diego, os resultados são semelhantes aos de outras vacinas em desenvolvimento. “À medida que mais dados são divulgados, outros cientistas podem verificar ou reproduzir os resultados. A ciência precisa ser transparente”, afirma Bonorino.

Na avaliação da cientista, os pesquisadores russos ainda devem para a comunidade científica a publicação das fases de desenvolvimento da substância e dos testes préclínicos, feitos em culturas de células e animais.

Segundo Ginzburg, isso será publicado ainda neste mês. Enquanto isso, a fase 3 ocorre com os 40 mil voluntários previstos. Nesse tipo de estudo, uma parte dos participantes recebe a imunização e outra recebe um placebo. Eles são acompanhados por vários meses. “Essa fase é a mais cara e trabalhosa. É nesse momento que várias vacinas são derrubadas”, afirma Bonorino.

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