Após patente, preço de remédio para hepatite C dispara 1.422%

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Folha de S.Paulo

Jornalista: Patrícia Campos Mello

22/10/19 - Foi protocolada nesta segunda-feira (21) no Cade, órgão que regula a concorrência no Brasil, uma representação acusando a farmacêutica americana Gilead de abuso de direito decorrente da patente ao cobrar preços exorbitantes pelo medicamento sofosbuvir, que cura a hepatite C em 95% dos casos.

Segundo a representação protocolada pela Defensoria Pública da União, pelos Médicos sem Fronteiras e por outras sete entidades, a Gilead aumentou em 1.421,55% o preço médio do medicamento sofosbuvir desde que passou a valer a patente concedida à empresa pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), em janeiro deste ano.

No ano passado, o sofosbuvir ficou no centro de uma batalha judicial sobre a patente do medicamento. Em setembro de 2018, a Folha mostrou que a farmacêutica Gilead estava barrando a compra de um medicamento genérico para hepatite C que geraria uma economia de cerca de R$ 1 bilhão ao ano para o governo brasileiro.

No período em que a Gilead teve nos pregões a concorrência do genérico fabricado pela Blanver-Farmanguinhos, de julho de 2018 a janeiro de 2019, o preço médio da cápsula caiu de R$ 639,29 para R$ 64,84.

Após a concessão da carta-patente à Gilead, em janeiro de 2019, o preço médio do medicamento passou de R$ 64,84 para R$ 986,57, segundo a representação —ou seja, aumento de 1.421,55%.

 

Os dados analisados provêm de 56 compras públicas de medicamentos entre 2015 e 2019, registradas nas bases de dados BPS e SIASG, do Ministério da Saúde e do Governo Federal, respectivamente.

O sofosbuvir é um antiviral que revolucionou o tratamento de hepatite C desde 2014. Antes dele, a terapia mais eficaz disponível curava em apenas 50% dos casos. No Brasil, estima-se que existam 700 mil pessoas com hepatite C.

Em 2018, o Ministério da Saúde anunciou um plano para eliminar a hepatite C até 2030, e o SUS passou a tratar todos os pacientes com os novos antivirais, e não apenas os doentes mais graves. Mas o aumento de preços dos medicamentos limita o número de pessoas tratadas.

“A MSF [Médicos Sem Fronteiras] é testemunha de que preços muitas vezes inacessíveis estão por trás da oferta limitada ou mesmo inexistente de medicamentos contra a hepatite C em diversos países”, diz Ana de Lemos, diretora executiva da MSF-Brasil. Segundo ela, a MSF realiza tratamentos contra a hepatite C em 14 países, com combinações de medicamentos que frequentemente incluem versões genéricas do sofosbuvir. Neste ano, segundo ela, o MSF adquiriu tratamentos completos contendo sofosbuvir por US$ 0,89 por comprimido, cerca de R$ 3,60.

Em audiência pública nesta segunda-feira (21), o Ministério da Saúde anunciou que fará uma nova licitação na segunda quinzena de novembro para reabastecer a rede pública, e as entidades temem que o preço do sofosbuvir será altíssimo, limitando o número de tratamentos que o governo poderá comprar.

 

O plano inicial é licitar a compra de 50 mil tratamentos, segundo informou a assessoria do ministério da Saúde.

A representação foi embasada no estudo “Abuso de direito patentário e prática de preços abusivos no caso hepatite C e sofosbuvir”, coordenado pelo professor Calixto Salomão Filho, professor da Faculdade de Direito da USP.

“Este é um caso clássico de abuso de posição dominante que tem tido implicações sociais graves”, diz Salomão Filho. “Sendo o sofosbuvir um medicamento essencial no tratamento da Hepatite C e não podendo ser substituído por outro, a empresa detentora da patente abusou de sua posição dominante no mercado, praticando preços que atentaram contra a capacidade do Estado de garantir o direito fundamental à saúde.”

Procurada, a Gilead não se pronunciou até a publicação desta reportagem.



ENTENDA A DISPUTA PELOS MEDICAMENTOS


Como é o tratamento para hepatite C?

Atualmente, no SUS, entre outros medicamentos oferecidos, há uma combinação de duas drogas: sofosbuvir, da farmacêutica americana Gilead, e daclatasvir, de outra empresa.

O sofosbuvir é eficiente? Sim. O medicamento, que é administrado com outras drogas, tem índice de cura de 95%, enquanto outros usados anteriormente chegavam a 50%. O remédio também encurta o tratamento e reduz os efeitos colaterais.

E o genérico brasileiro? O medicamento produzido pela Fiocruz foi registrado pela Anvisa e passou por testes de bioequivalência, que indicam que a droga tem o mesmo efeito da produzida pela Gilead.

O que acontece em outros países? A patente foi concedida no Chile, mas o governo avalia quebrá-la; foi negada na Argentina e no Egito e está em análise na União Europeia. Na Índia, outras empresas podem fabricar os genéricos, mas elas pagam uma taxa à Gilead e a exportação para países de renda média com grande número de pacientes é proibida.

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