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Valor Econômico

Jornalista: Reimn Truffi, Fernando Exman e Matheus Schuch

09/03/20 - O governo Jair Bolsonaro definiu a estratégia de combate ao coronavírus. O plano vai além dos procedimentos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e da garantia dos estoques dos produtos necessários para a prevenção e o tratamento dos infectados. Tampouco o Brasil entrará na corrida pelo desenvolvimento de uma vacina ou de um retroviral, onde já há outros países na vanguarda. O governo decidiu concentrar energia e recursos num lance à frente, afirmou ao Valor o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta: prepara a infraestrutura para a produção e distribuição das vacinas ou remédios, quando estes forem descobertos.

As dificuldades enfrentadas pelo país em outra crise na área fundamentaram essa decisão. “Na [crise] da H1N1, não tinha produtor suficiente”, relembrou o ministro. A falta de autossuficiência do Brasil ficara explícita.

Entre reuniões de monitoramento da situação da epidemia, encontros no Palácio do Planalto para tratar do tema e gestões no Congresso Nacional com o objetivo de obter apoio às iniciativas da sua pasta, o ministro detalhou o que considera fazer parte de uma corrida tecnológica e do xadrez geopolítico.

Para ele, está em curso uma corrida para se ter uma forma de identificar rapidamente, via exame da saliva, por exemplo, pessoas que possam estar infectadas pelo coronavírus em portos ou aeroportos.

Em outra pista, há uma disputa para o desenvolvimento e a produção de um retroviral. “A China deve publicar muita coisa, porque eles estão pesquisando isso, provavelmente, muito antes de todo mundo”, comentou o ministro da Saúde, citando uma notícia de que os chineses haviam identificado a proteína pela qual o vírus se liga para entrar no organismo. Se a proteína foi identificada, prosseguiu, o próximo passo será a tentativa de inibi-la. “Assim, ele [vírus] não consegue entrar, que é o retroviral.”

Por fim, a corrida é para se ter logo a maneira mais “eficiente e elegante”, como ele próprio define, de combater um vírus - a vacina. “Essa corrida o mundo todo está envolvido. O Banco Mundial liberou US$ 12 bilhões, os Estados Unidos liberaram US$ 9 bilhões, a comunidade europeia mais alguns bilhões de dólares”, enumerou Mandetta.

“O que nós temos que fazer?”, perguntou o ministro, para ele mesmo responder: “Não adianta colocar nosso pouco recurso de ciência para redundância em cima de um mega laboratório desses. Então, nós temos que estar prontos e fazer pesquisa para saber: qual é o vírus, qual é a cepa que está andando aqui, mapear geneticamente, organizar o perfil biológico do brasileiro para saber como nós respondemos a isso, fazer as pesquisas de fundo e preparar o nosso parque tecnológico para que, na hora que você identificar que existe a possibilidade de vacina, termos a capacidade de produzir.”

De acordo com o ministro, a carência do Brasil é relativa. Segundo ele, o Instituto Butantã está entregando 72 milhões de doses da vacina da gripe, já lançou uma nova fábrica e está na fase final de desenvolvimento de uma vacina para a dengue. “Vou autorizar um projeto agora que a Fiocruz vinha fazendo, o complexo industrial de Santa Cruz, no Rio de Janeiro”, antecipou.

Mandetta também disse que deve autorizar a construção de um fábrica na modelagem “built to suit”, a primeira da saúde em que você constrói para alugar. A modelagem é da Fundação Getulio Vargas (FGV) e a ideia já passou pelo Tribunal de Contas da União (TCU). “Isso não é para já, mas vai sinalizar o Brasil indo para a autossuficiência de produção de imunobiológicos. Não dá para ficar com este gargalo absurdo”, sublinhou o ministro da Saúde. “Esse complexo industrial, quando estiver na sua plenitude, vai nos dar uma autossuficiência muito grande. Uma capacidade de exportação muito forte”, completou, destacando que a balança comercial da saúde é negativa atualmente.

Toda essa estratégia foi desenhada com o presidente da República. Mandetta contou que em uma reunião feita após os primeiros informes sobre casos confirmados no Brasil, Bolsonaro virou-se e perguntou: “Ia chegar, não ia? Vai acalmando o povo aí”.

Mandetta e seus secretários assumiram, então, a linha de frente de comunicação com a imprensa por diversos dias consecutivos, até o próprio presidente optar por fazer um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão na sexta-feira.

Decidiu-se não politizar o tema, diferentemente do que foi observado em outros países. Tampouco foram colocadas à mesa opções como o fechamento de fronteiras ou o isolamento de cidades.

Uma medida foi a criação de um comitê de especialistas de todo o país, que foram chamados para uma reunião com o ministro da Saúde. Mandetta relatou que fez 50 perguntas e os dividiu em quatro grupos. “O cenário é este e vocês vão me responder”, relembra o ministro, segundo quem não foi colocado prazo ao grupo. “Vamos ter dias difíceis? Vamos. Mas vamos fazer o que o nosso sistema pode fazer sem repetir o que, ao nosso ver pode se aplicar para a China, para a Itália, mas que não se aplica ao nosso caso. Vamos ter que achar uma maneira de sair dessa”, pontuou o ministro.

Alguns momentos delicados já foram enfrentados. Um deles foi o impasse entre o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em relação à importação de imunoglobulina.

O Ministério da Saúde teve um problema com seu fornecedor e precisou acelerar os trâmites para importá-la. Na avaliação da pasta, era preciso uma saída para evitar a escassez de um produto fundamental no combate ao coronavírus e outras enfermidades.

Chegou-se a um entendimento e a importação de imunoglobulina ocorrerá, mas a agência preferiu manter sob sigilo os detalhes de sua decisão. O diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, recusou-se a comentar o assunto ao Valor. “Pede via LAI [Lei de Acesso à Informação]. É seu direito”, disse ele no Palácio do Planalto quando abordado.

A oferta de máscaras é outro gargalo identificado. “Uma máscara custava R$ 0,11. Hoje me trouxeram o preço aqui e está R$ 2,00”, lamentou o ministro. “A OMS falou que está faltando 40%, tem que aumentar a produção. É o mundo inteiro. O que as pessoas não entendem é o seguinte: você tem sobreuso por conta do coronavírus, mas a vida continua. As pessoas continuam tendo apendicite, continuam operando, parto...”

O ministro ponderou que a humanidade sempre conviveu com mutações virais. Com novas tecnologias, explicou, agora é possível que se identifique se há um novo vírus em circulação. “E isso é muito bom”. Por outro lado, pode-se ter o surgimento de um ambiente de histeria em razão da disseminação desse tipo de informação. “É a primeira epidemia narrada em tempo real pela internet”, acrescentou.

Mandetta, inclusive, disse que tudo indica ser um vírus de letalidade menor do que o até então estimado. Isso se deve em razão de como os chineses decidiram conduzir os exames e a divulgação da confirmação dos casos de infecção. “Eles deveriam ter feito [a confirmação por] nexo causal depois de 5 mil casos”, disse. “Quando você não coloca o número por nexo causal, seu denominador fica menor e sua letalidade, maior. Então, a letalidade desse vírus não é 2%. É abaixo de um. Se é abaixo de um, ela deve ser muito similar ao da influenza.”

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