A disputa pela vacina entre União Europeia e Reino Unido

FOTO: OLIVER HOSLET/REUTERS – 27.01.2021

Uniao_Europeia.JPG?profile=RESIZE_710xCOMISSÁRIA DE SAÚDE DA UNIÃO EUROPEIA, STELLA KYRIAKIDES

Laboratório anglo-sueco AstraZeneca diz que só pode entregar 25% das vacinas encomendadas pelos países do bloco, enquanto o suprimento para britânicos permanece inalterado

by João Paulo Charleaux - Nexo

Autoridades belgas deram início na quarta-feira (27) a uma série de inspeções na fábrica de imunizantes do consórcio anglo-sueco AstraZeneca localizada na cidade de Seneffe, a 40 quilômetros de Bruxelas.

A investigação foi aberta a pedido da Comissão Europeia, órgão político da União Europeia, no qual têm assento os chefes de Estado e de governo de cada um dos 27 países-membros.

A intenção dos investigadores é determinar se a AstraZeneca está beneficiando o governo do Reino Unido e prejudicando a União Europeia na produção e na distribuição da vacina contra a covid-19 que ficou conhecida como a “vacina de Oxford”, pois é desenvolvida em parceria com a universidade britânica.

O francês Pascal Soriot, diretor da AstraZeneca, disse que pretendia privilegiar as entregas prometidas aos britânicos em detrimento de entregar vacinas à União Europeia porque o contrato com o Reino Unido foi firmado três meses antes da assinatura do contrato com o bloco europeu.

Mas a comissária para a Saúde da União Europeia, a chipriota Stella Kyriakides, reagiu dizendo que Soriot deve respeitar o acerto que foi feito com os países do bloco, independentemente da data, mesmo que isso implique em rever os compromissos com o Reino Unido.

O diretor da AstraZeneca havia dito na segunda-feira (25) o seguinte: “O acordo com o Reino Unido foi celebrado em junho, três meses antes de o acordo com a União Europeia ter sido firmado. Como você pode imaginar, os britânicos nos disseram que as vacinas na cadeia produtiva britânica deveriam ir primeiro para o Reino Unido. Basicamente, é assim que funciona.”

Kyriakides respondeu na quarta-feira (27), em pronunciamento oficial, em Bruxelas, sede da maioria dos órgãos da União Europeia, dizendo: “Nós rejeitamos a lógica de servir quem primeiro chegar. Isso pode funcionar no açougue da esquina, mas não funciona em acordos de compra futura.”

As quantidades contratadas

Pelo contrato, a União Europeia esperava receber 100 milhões de doses da vacina produzida pela AstraZeneca até o fim de março de 2021. Os órgãos sanitários do bloco europeu encomendaram as doses antes de mesmo terem concluído todas as etapas necessárias para conceder a autorização à vacina de Oxford, o que só deve ocorrer nesta sexta-feira (29).

Ainda antes da autorização sanitária sair, o laboratório anglo-sueco avisou que só terá capacidade para entregar à União Europeia 25% do lote no prazo estipulado para o primeiro quarto do ano de 2021.

Em paralelo, a AstraZeneca também prometeu entregar 100 milhões de doses só para o Reino Unido. A circulação da vacina no mercado britânico foi autorizada em dezembro, e a AstraZeneca disse que poderia entregar ao país todas as 2 milhões de doses contratadas por semana.

O que a investigação dos belgas tenta determinar é se as doses prometidas à União Europeia são as que estão sendo entregues ao Reino Unido.

O executivo da AstraZeneca disse que nunca prometeu que conseguiria entregar todas as doses contratadas. Ele usa como respaldo o fato de o contrato assinado com a União Europeia dizer que o laboratório “fará seus melhores esforços para suprir a demanda”.

Para Kyriakides, o argumento da AstraZeneca, de que o contrato não obriga a entrega, mas apenas a realização dos “melhores esforços” para a entrega, é uma crueldade em tempos de pandemia.

“Companhias farmacêuticas que estão desenvolvendo as vacinas têm uma obrigação moral e contratual a cumprir. A ideia de que a companhia não está obrigada a entregar [as doses] porque firmou um contrato que dizia ‘os melhores esforços’ não é apenas incorreta, como também é inaceitável”, disse Kyriakides.

Tensões pós-Brexit

Os investigadores belgas fazem vistorias na fábrica de Seneffe com apoio de técnicos italianos, espanhóis e holandeses. A reação coordenada da União Europeia trouxe à tona as tensões que marcaram a relação do bloco com o governo do Reino Unido nos últimos anos.

O atual primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, foi quem conduziu a reta final do longo processo do Brexit – nome dado ao desligamento do Reino Unido em relação à União Europeia.

Embora os dois lados tenham chegado a um acordo amigável de desligamento em janeiro, o clima da negociação foi tenso e houve ressentimentos e impasses políticos, que permanecem como latências.

A divergência no acesso às vacinas adiciona um novo foco de disputa entre os dois lados. Por enquanto, no entanto, as tensões estão concentradas no papel do laboratório farmacêutico em si, sem que nenhum dos compradores finais – o governo do Reino Unido e a União Europeia – façam críticas abertas, um ao outro.

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