O Globo
Colunista: Natalia Pasternak
Os vírus sofrem mutações o tempo todo. A maioria delas não faz a menor diferença, mas uma pequena parte pode ser vantajosa, ajudando o parasita a infectar mais pessoas Duas condições facilitam a ocorrência e a disseminação de mutações: alta circulação do vírus e pressão seletiva.
Mutações nada mais são do que erros na replicação do material genético. Quanto mais o vírus circula, mais cópias de si mesmo faz. Quanto mais ele copia seu genoma, maior o risco de erros. Com muitos erros, aumenta a probabilidade de algum acabar sendo vantajoso.
Pressão seletiva, por sua vez, vem do ambiente. Se muitas pessoas já têm anticorpos contra o vírus a pressão favorecerá as variantes que escapam deles. É o famoso “escape de mutação”. As variantes vulneráveis aos anticorpos são destruídas antes de contagiar outras pessoas, sobrando os mutantes.
Na pandemia, temos o vírus correndo solto, e há locais de pressão seletiva.
Variantes que levam vantagem podem apresentar maior transmissibilidade, escapar da proteção adquirida por pessoas que já tiveram a doença, escapar de medicamentos como anticorpos monoclonais e, o pior, escapar de vacinas.
Há três variantes preocupantes (VOC, do inglês variant of concern) circulando hoje: a do Reino Unido, a da África do Sul e a do Brasil. Essas variantes carregam diversas mutações na proteína S, justamente a chave que o vírus usa para abrir a porta da célula, e que costuma ser o alvo dos anticorpos neutralizantes — aqueles que “emperram” a chave. Se essa proteína muda a ponto de escapar do anticorpo, mas continua capaz de abrir a porta, ou se fica mais rápida, abrindo a porta antes do anticorpo agir, podemos ter um problema.
Das três, as variantes da África do Sul e do Brasil são as que mais chamam a atenção, até o momento. A do Reino Unido não é tão boa para escapar do sistema imune ou de vacinas, apesar de ser mais transmissível. Já a da África do Sul, quando testada para as vacinas da Novavax e Janssen, mostrou causar uma perda de eficácia marcante nos imunizantes. A da Novavax caiu de 89% (Reino Unido) para 60% (África do Sul), e a Janssen, de 72% (EUA) para 57%. A variante brasileira ainda não foi testada contra nenhuma vacina, mas têm mutações perigosas em comum com a da África do Sul.
Pessoas que já contraíram versões “antigas” do vírus podem sofrer reinfecção com estas variantes, mas isso não está acontecendo em larga escala. E embora as vacinas tenham apresentado perda de eficácia, ainda estão dando conta. É urgente, pois, redobrar o cuidado com as medidas preventivas. Uso de máscara e distanciamento funcionam contra todas as variantes.
Quanto mais o vírus circular, mais oportunidade de mutação. Se a população for vacinada rapidamente, a circulação pode cair muito, e de forma abrupta, diminuindo a oportunidade do vírus para desenvolver novas formas resistentes. Estamos em uma corrida de vacinas versus vírus. Se bobearmos, o vírus ganha.
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