ARTIGO: A volta à normalidade depois da pandemia de Covid-19

Folha de S.Paulo
Autor: Raul Cutait


19/06/20 - Com a pandemia de coronavírus,que pegou o mundo desprevenido, sem medicamentos e vacinas eficazes contra essa infecção, aconteceu o que todos estão cansados de ver, ler e ouvir: mortes se espalhando pelo mundo afora.

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Quase todos os países afetados vem administrando essa atemorizante situação com a arma que,em epidemias anteriores, foi a mais eficaz,o isolamento, algo bastante complexo de se praticarem razão de seus aspectos negativos.
O pior efeito se relaciona com as atividades econômicas, levando a desemprego e fechamento de negócios e, segundo anunciamos economistas,a época pós-pandemia será de importante recessão.


E há que se levar em conta um drama brasileiro que se acentuou nestes últimos meses, a tremenda desigualdade social, com cerca de 50% da população tendo acesso a apenas 14% da riqueza produzida, sendo que 40%da população economicamente ativa vive na informalidade e milhões de pessoas moram em habitações insalubres.
Assim, este conjunto de fatores adversos não permite que um enorme contingente de brasileiros consiga viver em isolamento pelo simples fato de que muitos deles precisam ir para as ruas para ganhar os trocados que lhes garantirão feijão no prato.Um outro importante efeito colateral do isolamento é seu impacto na saúde mental das pessoas isoladas,uma vez que o homem necessita de convívio social.
Com a experiência que vem sendo acumulada,em especial por países europeus, Estados Unido se Brasil, onde estão os principais focos de contaminação, tem sido possível construir-se políticas públicas que tendem a ser eficientes,embora muitas das gerem polêmica, primordialmente as ligadas ao indissociável binômio saúde-economia.
Do ponto de vista de atendimento dos contaminados vivendo situações de risco de vida, houve no país uma tremenda corrente de solidariedade, aumentando-se os leitos de UTI em lugares estratégicos,com apoio financeiro e logístico da sociedade civil.
Porém,um fato observado nestes poucos meses e relativamente pouco comentado foi a retração da população em busca de atendimento médico rotineiro, em decorrência do receio de contaminação em consultórios, laboratórios e hospitais.Um dado preocupante é que estão sendo atendidos 30% menos pacientes com câncer em relação às médias históricas, o que significa que muitos pacientes serão consultados mais adiante, com doenças em estágios mais avançados.
Em relação às cirurgias, o que se observa é que elas ainda se restringem a urgências e casos inadiáveis de câncer.
No SUS,como consequência, antevê-se uma cúmulo de casos represados que implicará em longas filas de espera para as cirurgias eletivas.
A boa nova é que hospitais, cirurgiões e sociedades médicas, aqui e no exterior, têm discutido intensamente como garantir segurança para cirurgias eletivas, tanto para os pacientes, quanto para os profissionais de saúde. Para isso, foram criados protocolos de atendimento rígidos, referendados pela comunidade internacional, os quais precisam ser adotados por todos os hospitais. algo que já vem acontecendo nos hospitais de ponta de São Paulo.


Algumas das medidas já tomadas,entre outras,são a criação de fluxos internos separados para casos suspeitos de Covid-19, que incluem porta de entrada separada e andares exclusivos, circulação interna diferenciada,e capacitação dos profissionais.
Infelizmente, ainda viverem os mais alguns meses focados na Covid-19 e precisamos de segurança para o retorno à normalidade no quesito atendimento médico, algo que só é conseguido com a adequação das instituições e dos profissionais de saúde à nova realidade.

(*) Raul Cutait é Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina

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