Autópsias em SP acham vírus no cérebro; dano é estudado

Folha de S.Paulo
Jornalista: Cláudia Collucci


Não bastasse a síndrome respiratória aguda, o Sars-CoV-2 pode afetar as funções neurológicas e causar danos ao sistema nervoso central, revelam novos estudos.

Os sintomas vão desde os inespecíficos como dor de cabeça e tontura e chegam aos mais graves como alterações de consciência, convulsões, acidentes vasculares cerebrais (AVC), falta de coordenação motora e fraqueza muscular.

Trabalho publicado na revista científica Jama (Journal of The American Medical Association) na semana passada constatou que 36,4% de 214 pacientes chineses acompanhados apresentavam sintomas neurológicos que variaram de perda de olfato e dor nos nervos a convulsões e derrames.

Outro artigo do New England Journal of Medicine desta semana examinou 58 pacientes em Estrasburgo, na França, e descobriu que mais da metade estava confusa ou agitada, com imagens do cérebro sugerindo inflamação.

Segundo o neurologista Ronaldo Abraham, diretor científico da Apan (Associação Paulista de Neurologia), embora o vírus afete o sistema respiratório, tem sido descrito um número cada vez maior de casos em que há o comprometimento de funções neurológicas. “Temos visto casos fatais de encefalites relacionados aos vírus. Os centros respiratórios do tronco cerebral podem estar comprometidos também.”

Para ele, isso explicaria casos em que o paciente está estável do ponto de vista pulmonar e, de repente, piora. “Ele pode piorar do pulmão pelo comprometimento neurológico.”

Em São Paulo, autópsias feitas pela equipe do patologista Paulo Saldiva, da USP, em vítimas da Covid-19 já detectaram o vírus no tecido cerebral de quatro delas, por meio de exame do tipo PCR. “Em dois casos, vimos AVC. Possivelmente AVC isquêmico que pode ter virado hemorrágico”, diz ele.

Segundo Saldiva, os pesquisadores tentam descobrir por meio da autópsia qual o caminho do vírus até o cérebro. Uma hipótese são as vias nasais. “Nunca o sistema nervoso esteve tão próximo da rua. O vírus pode entrar pelo nariz e, pelas vias olfativas e terminações nervosas, chegar ao interior do sistema nervoso.”

Não é novidade que o SarsCoV-2 possa afetar o cérebro e o sistema nervoso. Isso já foi documentado em outros vírus, como o HIV, que podem causar declínio cognitivo se as doenças não forem tratadas.

Os vírus podem atingir o cérebro de duas formas. Uma mais conhecida é pelo desencadeamento de uma resposta imune anormal conhecida como tempestade de citocinas que causa inflamação cerebral (a encefalite autoimune). A segunda é a infecção direta do cérebro, a encefalite viral. O cérebro é protegido por barreira que bloqueia substâncias estranhas, mas que pode ser violada se estiver comprometida.

Como a perda do olfato é sintoma da Covid-19, isso reforçaria a suspeita de que o nariz possa ser a rota para o cérebro. Essa hipótese, porém, precisa ser comprovada, diz Saldiva.

Para Abraham, o vírus parece agir no aumento da expressão de um receptor de invasão celular, o ACE2 (enzima conversora da angiotensina), responsável por facilitar a infecção das células pulmonares. “O ACE2 existe em todo o organismo, sendo abundante no sistema nervoso.”

O coronavírus já foi detectado no líquido cefalorraquidiano de um japonês de 24 anos, com o caso publicado no International Journal of Infectious Disease. Ele teve confusão e convulsões, e as imagens exibiram que seu cérebro estava inflamado. Mas, como o teste do vírus ainda não foi validado para o líquido espinhal, os pesquisadores são cautelosos em estabelecer qualquer relação.

Jennifer Frontera, neurologista do hospital NYU Langone (EUA), coordena projeto internacional de pesquisa colaborativa e documenta convulsões em pacientes com o vírus. Uma descoberta dela refere-se a um homem de 50 anos cuja substância branca (partes do cérebro que conectam as células umas às outras) foi tão danificada que “o deixaria com profundo dano cerebral”.

Ela diz, porém, que há dificuldade em estudar pacientes na UTI sob ventilação mecânica, e, como a maioria morre, a extensão total da lesão neurológica não é bem conhecida.

No Brasil, neurologistas atuam para agrupar dados neurológicos de pacientes da Covid. “Vamos organizar tábula pra reunir os sintomas que estão acontecendo e, talvez, não estão sendo observados de forma adequada”, diz Abraham.

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