Valor Econômico, revista Inovação
Jornalista: Andréa Vialli
28/11/19 - Em junho de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a insulina inalável para controle da glicemia em pacientes diabéticos. Quando aspirada antes das refeições, a insulina, em pó, é absorvida pelos pulmões e atinge rapidamente a corrente sanguínea, com pico de ação entre 12 e 15 minutos após o uso. Será produzida pelo laboratório Biomm, de Nova Lima (MG), que fez um acordo com a farmacêutica Mannkind, dos Estados Unidos, desenvolvedora do produto.
Por trás da ação ultrarrápida da insulina inalável está um pacote de tecnologia que inclui o desenvolvimento de 700 patentes ao longo dos últimos 20 anos, sendo 21 depositadas no Brasil, e um investimento de US$ 2 bilhões. De acordo com Heraldo Marchezini, CEO da Biomm, o domínio da tecnologia de fabricação vai trazer produtividade e ampliar o acesso público e privado ao medicamento. “Em biotecnologia, o processo de produção é importantíssimo, e trazer a tecnologia para o Brasil, em si, já é inovador”, diz o executivo.
De capital aberto, a Biomm nasceu a partir do spin-off da Biobrás, empresa mineira de biotecnologia que foi adquirida em 2001 pelo grupo dinamarquês Novo Nordisk. A empresa já tinha expertise na produção do hormônio e agora ampliará seu portfólio. Além da insulina inalável, o laboratório teve aprovado também este ano o trastuzumabe, medicamento biossimilar desenvolvido pela sul-coreana Celltrion Healthcare para tratamento do câncer de mama do tipo HER2+ (os tumores mais agressivos, que respondem por 20% dos casos). Ambos os medicamentos aguardam a definição de preços pelos órgãos reguladores para serem lançados no mercado.
Os biofármacos são considerados a bola da vez na indústria farmacêutica: 80% dos medicamentos em desenvolvimento no mundo têm origem na biotecnologia. Dominar a tecnologia é vital para o país, que ainda é muito dependente de importações - os produtos biológicos representam cerca de 60% dos gastos públicos com medicamentos, apesar de representarem apenas 12% em quantidade. “O Brasil precisa reativar o desenvolvimento nessa área, pois há espaço e demanda”, diz Marchezini.
Segundo a Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), o desenvolvimento do setor no Brasil pode atrair pelos próximos 20 anos um volume de investimentos de US$ 400 milhões, com aumento real do Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 160 bilhões e geração de 217 mil postos de trabalho qualificados.
Fármacos, cosméticos, biocombustíveis de segunda geração, polímeros e fertilizantes de base renovável estão entre os principais produtos em que o país poderá ser competitivo, aponta Thiago Falda, presidente da ABBI. “Temos matérias-primas para o desenvolvimento industrial, mão de obra qualificada, biomassa barata e a maior biodiversidade do planeta”, diz.
O que falta é uma política industrial voltada para o setor e um ecossistema que favoreça a inovação de base biotecnológica, com menor burocracia e mais iniciativas de fomento. Um dos passos nessa direção foi a criação da frente parlamentar mista pela inovação da bioeconomia: formada por 212 deputados e 12 senadores, foi lançada em junho deste ano e tem apoio de sete entidades setoriais, duas universidades e seis ministérios.
Empreender em biotecnologia ainda é um caminho tortuoso. Falta apoio fora das universidades e são poucas as linhas de crédito especificas para startups do segmento. A principal delas é o programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que apoia empreendedores em níveis variados de maturidade.
O programa foi criado em 1997 e já apoiou financeiramente mais de 1,3 mil empresas e 2 mil projetos de pesquisa, com recursos não reembolsáveis que vão de RS 200 mil a RS 1 milhão da Fundação.
A Sugarzyme, de São José dos Campos (SP), é uma delas a startup desenvolve produtos para a indústria cosmética e farmacêutica por meio de processos biotecnológicos, utilizando resíduos da agroindústria, como o bagaço de cana-de-açúcar. O carro-chefe são a tintura e o alisamento capilar com ativos da biomassa, mas a empresa já desenvolveu mais de 20 compostos que podem servir de matéria-prima para esses segmentos.
Após trabalhar em grandes empresas como Natura e Johnson &Johnson, Rosa Maria Biaggio, farmacêutica com doutorado em biotecnologia, fundou a startup com R$ 200 mil do Pipe, o que a ajudou a estruturar o laboratório. Depois, investiu também cerca de R$ 100 mil do próprio bolso no desenvolvimento dos produtos, testes e patentes. Biaggio tem participado de rodadas de negócios voltadas a startups inovadoras, mas sofre com a falta de visão dos potenciais investidores, que preferem empresas mais rentáveis no curto prazo. Biotecnologia custa caro e o potencial de retorno é no longo prazo, então os investidores preferem investir em empresas de TI e desenvolvedores de aplicativos”, afirma.
A crescente demanda por ingredientes de base natural no segmento de cosméticos tem levado grandes multinacionais do setor químico a investir no segmento. A alemã Basf entrou este ano no mercado de ingredientes naturais para aromas e fragrâncias, com a aquisição da Isobionics, empresa holandesa de ingredientes aromáticos à base de biotecnologia, com foco em componentes de óleos cítricos. “Há uma tendência global de migração para ingredientes naturais no mercado de cosméticos, embora exista ainda uma limitação da produção desses componentes”, diz Camila Lourencini, gerente de negócios de ingredientes aromáticos para a América Latina da Basf.
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