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Folha de S.Paulo 
Jornalista: Claudia Collucci


19/04/20 - Lenísia, 68, do Rio de Janeiro, tem câncer no pâncreas e metástases no fígado e no pulmão. Na semana passada, com muita dor, tentou internação em três hospitais públicos do Rio, sem sucesso. A família entrou com ação judicial e nem com liminar favorável conseguiu atendimento.

Elisandra Kern, 32, de Novo Hamburgo, teve câncer de mama confirmado em biópsia em 28 de fevereiro. A UBS local encaminhou pedido de consulta com mastologista, mas até agora não foi agendado.

Edna Paiva, 58, de São Paulo, teve a terceira sessão de quimioterapia suspensa no fim de março. “O tumor que eu tenho é agressivo. Tenho muito medo que, sem tratamento, ele se espalhe”, afirmou.

Com a pandemia de coronavírus, a assistência ao câncer no país tem sofrido prejuízos de todas as ordens, de consultas e exames cancelados a sessões de químio e radioterapia e cirurgias adiadas por tempo indeterminado.

Só na área de diagnóstico, a queda no movimento é de 70% a 80%, segundo a SBP (Sociedade Brasileira de Patologia). Em muitos casos, são os próprios pacientes que estão cancelando procedimentos com medo de serem infectados pelo coronavírus nos hospitais.

Sociedades médicas e profissionais da área defendem a manutenção das medidas de isolamento, mas alertam que, dependendo do tipo de tumor e do estágio da doença, há mais risco de morrer pelo câncer do que de Covid-19.

“Estamos com medo que, depois da pandemia de coronavírus, tenhamos uma epidemia de casos avançados de câncer. Temos que atender bem os pacientes com Covid-19, mas também dar suporte de atendimento aos pacientes oncológicos”, diz o médico patologista Clóvis Klock, conselheiro da SBP.

Nesta semana, começou uma mobilização de entidades para que os gestores públicos e privados criem áreas “Covid-free” para câncer, ou seja, hospitais que pudessem seguir com atendimentos oncológicos seguindo normas de segurança para evitar o contágio do coronavírus.

A proposta, que vem sendo adotada na Itália, será encaminhada ao novo ministro da Saúde, o oncologista Nelson Teich, que já se manifestou favorável à demanda de que a oncologia não pode deixar de fazer atendimentos.

Segundo cirurgião Alexandre Ferreira Oliveira, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, na era pré Covid-19, o país já enfrentava muitos gargalos com o atendimento oncológico no SUS, com muitos diagnósticos tardios, mas, agora, a situação está muito pior.

“A maioria das clínicas de diagnóstico nos estados estão fechadas. Pararam de fazer exames como endosco

“Precisamos ter hospitais ‘Covidfree’. Todos com suspeita ou câncer confirmado iriam para lá. Em muitas cidades, não conseguiremos, mas há outras com possibilidade. Senão teremos duas grandes taxas de mortalidade presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica

Mesmo quando há uma hipótese diagnóstica, é grande a dificuldade de confirmá-la por meio de biópsia, procedimento necessário em 98% dos tumores, por conta da interrupção dos serviços.

Segundo Clóvis Klock, dependendo do tipo de tumor o diagnóstico tem que ser feito o mais breve possível, como tumores de pulmão e de alguns tipos de linfoma. “O paciente pode ser diagnosticado tardiamente e perder a chance de uma cirurgia, uma rádio ou quimioterapia curativas.”

De acordo com a mastologista Maira Caleffi, presidente voluntária da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama), as listas de regulação oncológicas nos municípios estão praticamente paradas.

Oliveira relata que, mesmo que o paciente consiga superar todas essas etapas, muitos hospitais pararam de operar. “Todo mundo parou de operar por conta da Covid-19. Só opera emergências, apendicites, acidente, traumas. Parou-se com as cirurgias eletivas. Mas câncer não é eletivo. Nem sempre é emergência, mas é uma urgência. Quanto mais rápido tratar, operar, melhor o prognóstico.”

Segundo ele, os hospitais que não têm pacientes com Covid-19 deveriam estar atendendo casos oncológicos enquanto há tempo para isso.

“Precisamos ter hospitais ‘Covid-free’ para câncer. Todos os pacientes com suspeita de câncer ou de câncer confirmado iriam para lá. Em muitas cidades, não conseguiremos isso porque os hospitais atendem várias especialidades, mas há outras com possibilidade de fazer isso. Senão vamos ter duas grandes taxas de mortalidade, por Covid-19 e por câncer.”

Uma das propostas é que nos hospitais “Covid-free” pacientes sejam testados previamente para o coronavírus e, eventualmente, submetidos a uma tomografia na véspera da cirurgia para checar se não há comprometimento do pulmão. Funcionários também passariam por testes.

A psicóloga Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, diz que pacientes do SUS e vinculados a planos de saúde estão inseguros com a indefinição de suas terapias.

“Está faltando uma conversa no sentido de dizer: ‘dá para cancelar, vamos pesar risco e benefício, talvez dê para fazer mais uma sessão de químio e jogar a cirurgia mais pra frente”, afirma Holtz.

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