Como está sendo a volta aos escritórios em diferentes países

Valor Econômico 
Jornalistas: Andrew Hill e Emma Jacobs, do Financial Times

03/09/20 - Em algumas partes do Hemisfério Norte, o verão parece quase normal: os centros das cidades estão tranquilos, as escolas estão de férias, os escritórios fechados. Mas essa ilusão esconde uma profunda incerteza sobre o que vai acontecer. Assumindo que esses escritórios reabrirão no mês que vem, os trabalhadores retornarão? Em caso negativo, por que?

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Até agora, as respostas parecem depender de onde você vive. Duas pesquisas recentes sugerem uma opinião diferente entre os Estados Unidos e o Reino Unido e outros países. Uma realizada pelo ManpowerGroup em junho, em oito países e divulgada em agosto, aponta que os americanos e britânicos estavam mais pessimistas sobre o retorno aos seus locais de trabalho do que colegas da Alemanha, França, Itália, México, Cingapura e Espanha.

O nervosismo está refletido no número daqueles que retornaram ao trabalho, segundo outra pesquisa feita pela AlphaWise no mês passado para o Morgan Stanley. Àquela altura, apenas 34% dos trabalhadores de escritório do Reino Unido afirmavam ter retornado, comparado a 83% na França.

Os EUA e o Reino Unido foram atingidos mais duramente e mais tarde pela pandemia e têm sido mais lentos em sair dela. “Estamos esperando para que não voltemos com pressa, aumentando o contágio”, diz Sarah Henchoz, sócia de emprego da firma de advocacia Allen & Overy do Reino Unido. Mas a amarga experiência local é apenas parte da explicação. Os trabalhadores dos EUA e Reino Unido mostraram-se, segundo a pesquisa do ManpowerGroup, mais preocupados com uma segunda onda de contágio. Mas decisões sobre quando, se ou como voltar ao escritório, estão baseadas em uma combinação de outros elementos.

A recomendação do governo é um deles. Na Itália, por exemplo, a legislação pede aos patrões que encorajem os acordos de trabalho a distância pelo maior tempo possível e certifiquem-se de que os pais poderão trabalhar de casa pelo menos até a reabertura das escolas, prevista para este mês. Na Alemanha, Steffen Kampeter, diretor da BDA, uma das principais associações patronais do país, explicou que “a maneira como a pandemia afetou a Alemanha e as medidas de segurança introduzidas pelas empresas significou que os trabalhadores puderam retornar para os escritórios relativamente rápido”.

Em Hong Kong, que reagiu logo e desde então sofreu outras ondas de contágio, os patrões têm sido flexíveis em permitir o trabalho de casa, mas favorecido o retorno.

A pouca confiança do governo, ou mensagens contraditórias, podem prejudicar esse efeito. David D’Souza, diretor do Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD), uma associação de profissionais da área de gestão de RH do Reino Unido, diz que o desafio para as organizações britânicas é lidar com a quantidade de informações que os trabalhadores têm sobre a segurança e o coronavírus, ao mesmo tempo em que tentam montar uma estratégia. De modo parecido, nos EUA diferentes recomendações de vários estados e a desconfiança disseminada pelos especialistas aumentaram o nervosismo dos trabalhadores.

Um segundo grande fator tem sido a disposição dos patrões e a capacidade de tornar os locais de trabalho seguros. Desde junho as empresas francesas vêm sendo mais firmes na exortação ao retorno dos funcionários aos escritórios, do que as americanas e britânicas. O governo começou a reduzir progressivamente o “lockdown” na metade de maio, mas aconselhou as empresas a manter as políticas de trabalho remoto e convidar os funcionários a voltarem apenas se puderem assegurar um distanciamento de quatro metros quadrados entre os indivíduos.

Grandes companhias como LVMH e Vivendi começaram a levar os funcionários de volta aos escritórios por alguns dias por semana, sempre dividindo-os em equipes e horários para evitar aglomerações. A L’Oréal adotou uma postura gradual. Na metade de junho, tinha cerca de 50% de seus funcionários trabalhando em suas dependências. Em 22 de junho, solicitou a todos os seus gestores que retornassem aos seus locais de trabalho. Por outro lado, as empresas americanas na França, como a Amazon e o Google, estenderam suas políticas de home office até 2021.

Grandes empregadores de Milão pediram às suas equipes que começassem a levar de volta os trabalhadores para os escritórios no mês passado, e estão fornecendo proteções. A casa de moda Moncler oferece aos funcionários bicicletas para o deslocamento até o trabalho. O fundo Algebris está oferecendo testes bimestrais do coronavírus. Já o grupo de “private equity” Carlyle disse aos funcionários para evitarem o transporte público quando reabrir seu escritório em Londres.

“Em grande parte da Europa os escritórios são menores, as cidades são menores e as pessoas vão trabalhar de bicicleta, de modo que o risco de contágio não é o mesmo. Mas Londres e Nova York são um pesadelo. Ninguém sabe como tornar o distrito financeiro de Londres seguro por causa de Canary Wharf, a Linha Jubilee e a Linha Norte. Isso faz você imaginar se os alemães fizeram certo em não ter tudo concentrado em uma única cidade”, diz um executivo de uma agência de classificação de risco. O temor de que as redes de transporte público não consigam gerenciar o fluxo de milhões de pessoas na Itália está entre as razões de o governo local ter adiado a reabertura das escolas até 14 de setembro.

Outro fator é a questão dos cuidados com os filhos. “Enquanto os filhos mão retornarem para a escola, os pais não poderão voltar ao trabalho”, diz Henchoz da Allen & Overy. Mas as organizações temem excluir os pais de reuniões e discussões específicas de carreira que possam ocorrer no escritório. A falta de disponibilidade de cuidados com crianças também adia o retorno aos escritórios nos EUA.

Segundo a pesquisa do Morgan Stanley, 90% dos trabalhadores de escritórios de Londres estavam trabalhando de casa durante a pandemia de covid-19, comparado a 57% em Berlim, onde o trabalho nos escritórios é mais disperso por prédio mais baixos. Em alguns países, as experiências novas e em grande parte positivas de um maior trabalho à distância estão fazendo os trabalhadores repensar os atrativos dos escritórios. “As horas gastas em trens lotados e congestionamentos, além das milhares de libras gastas por ano com transporte público, foram agora devolvidos aos trabalhadores e muitos que experimentaram essa liberdade não estão interessados em abrir mão”, diz Allison English, presidente executiva adjunta da Leesman, empresa de pesquisas sobre os locais de trabalho.

Em Portugal, onde cerca de 23% da força de trabalho atuou de casa durante o segundo trimestre, a experiência levou o governo a acelerar os planos para que um quarto dos servidores públicos (170 mil) passem a trabalhar de casa permanentemente a partir de 2023. Quase metade das empresas do setor privado do país que adotaram o trabalho à distância durante a pandemia disseram que manterão a prática. Na Alemanha e no Japão, a imposição do trabalho remoto pode até mesmo ter mudado a cultura local do presenteísmo.

Em julho, a Siemens disse a 140.000 de seus funcionários que de agora em diante eles poderão trabalhar de casa até três dias na semana. Jochen Wallish, diretor de relações industriais e condições de emprego da empresa sediada em Munique, diz que o trabalho à distância “abre o banco de talentos e também deixa a Siemens mais atraente como empregadora”. Segundo pesquisa do instituto econômico Ifo, pouco mais de metade de todas as empresas alemãs querem seguir os passos da Siemens.

No Japão, para surpresa geral, uma pesquisa conduzida em 17 de agosto pelo grupo de recrutamento Robert Walters, junto a funcionários de empresas principalmente de Tóquio e Osaka, constatou que na era pós-covid, somente 3% dos participantes vão querer trabalhar no escritório todos os dias. O maior segmento (32%) disse que quer trabalhar de casa três dias da semana, enquanto 24% disseram que gostariam de trabalhar de casa todos os dias. Cerca de 82% disseram que querem horários flexíveis mesmo quando a vida nos escritórios voltar ao normal.

Em todos os países, uma economia de trabalho híbrida está agora surgindo, com muitos trabalhadores querendo combinar o trabalho de casa com o presencial. “Deveríamos permitir às pessoas trabalhar de casa sempre que possível e ajudá-las a conseguir um melhor equilíbrio entre a vida profissional e pessoal”, diz Kampeter da BDA da Alemanha. “Mas a experiência que tivemos na crise mostra que não dá para manter a economia funcionando trabalhando somente de casa.”

Uma experiência recente na França, no topo do ranking do Morgan Stanley dos trabalhadores europeus que voltaram aos escritórios em julho, mostra por que é difícil prever como a nova realidade vai se desenrolar. No mês passado, autoridades de saúde começaram a detectar mais grupos de contágio nos locais de trabalho. Excluindo os estabelecimentos de saúde, os locais representaram um em cada quatro dos 746 grupos de contágio detectados entre 9 de maio e 11 de agosto, segundo dados da Santé Publique France. Na semana passada, o governo anunciou que será preciso usar máscara no trabalho em “espaços fechados e compartilhados”. Um alvo das medidas: salas de reuniões e escritórios de plano aberto. Pode ser um sinal de que o verdadeiro teste da disposição de voltar ao local de trabalho ocorrerá quando - ou se - as escolas reabrirem e também dependerá do recuo ou não do vírus.

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