Fake news vão de arma biológica a uísque

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O Estado de S.Paulo

Jornalista: Roberta Jansen

 

 

10/03/20 - Na primeira epidemia global da era da hiperconectividade, a informação se alastra com mais rapidez do que o novo coronavírus. Misturadas às notícias verdadeiras que bombardeiam a população mundial o tempo todo, surgem também as “fake news” ou, neste caso, “fake science” – informações falsas, algumas com alegada (e inexistente) base científica. Em um mês e meio, um grupo especializado em fake news do Ministério da Saúde analisou mais de 8 mil mensagens sobre a doença que circulam nas redes sociais – e a maioria é falsa.


“Não estamos lutando só contra uma epidemia. Combatemos também uma infodemia”, diagnosticou este mês o diretorgeral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus. As redes sociais estão na origem do fenômeno. Em 2003, no surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), não havia nenhuma das mais importantes redes sociais de hoje. Em 2009, na última grande epidemia global, a da gripe H1N1, elas ainda iniciavam a expansão global. O Facebook, por exemplo, tinha 500 milhões de usuários, ante 2,3 bilhões agora. O WhatsApp foi criado naquele ano – e hoje tem 2,2 bilhões de usuários.

Logo após declarar a covid-19 emergência de saúde pública internacional, Ghebreyesus criou um grupo especial na OMS para lidar com a epidemia de informação e fake news. “Sabemos que toda epidemia é acompanhada de um tsunami de informação e, junto, vêm desinformação e rumores. Isso acontece desde a Idade Média”, disse a diretora do Programa de Emergências em Saúde da OMS, Sylvie Briand, responsável por conter a infodemia. “A diferença, com as redes sociais, é que o fenômeno é amplificado.”

 

O aplicativo americano NewsGuard, que avalia o grau de credibilidade de notícias veiculadas em mais de 4 mil sites (96% do engajamento online), atesta: pelo menos um em cada dez compartilha fake news de saúde O app já identificou 93 sites que publicaram informações erradas ou falsas.


O problema é grave porque as publicações desses sites são muito mais compartilhadas do que as das páginas que veiculam informações corretas. O Mind Unleashed conseguiu o engajamento de 14,9 milhões de usuários com uma notícia falsa. Segundo essa narrativa, o coronavírus teria sido criado pelos chineses, em um laboratório de Wuhan, como arma biológica. No mesmo período, o site da OMS sobre a covid-19 teve só 25 mil engajamentos. Ontem, 27 pessoas morreram intoxicadas no Irã após beber álcool adulterado – elas acreditavam em um boato de que bebidas alcoólicas ajudam a curar a doença.


Brasil

 

O serviço criado pelo Ministério da Saúde brasileiro para avaliar fake news incentiva a população a tirar suas dúvidas diretamente com as autoridades. O número de telefone para envio do material suspeito é (61) 99289-4640. Entre 22 de janeiro e 5 de março, foram recebidas e analisadas 9 mil mensagens – 90% delas sobre o novo coronavírus. Após confirmar o primeiro caso no Brasil, “as mensagens aumentaram significativamente”, informou a pasta.
Só entre 28 de fevereiro e 1.º de março, o canal recebeu 4 mil mensagens – 85% falsas.


Entre elas, a teoria conspiratória sobre o vírus criado em laboratório, a vinda do coronavírus ao Brasil por produtos importados da China e o chá de abacate (e até o uísque) para prevenir a infecção. O resultado é o pânico e uma corrida por máscaras. Elas, aliás, devem ser usadas apenas por pacientes.

 

“Toda nova epidemia mobiliza emoções, especialmente por causa do medo do desconhecido”, diz Igor Sacramento, pesquisador do Laboratório de Comunicação e Saúde da Fiocruz, que tem monitorado as notícias falsas sobre o novo coronavírus. “Mas esse pânico desmedido não tem lastro na realidade.”

 

Só uma minoria dos pacientes desenvolve sintomas mais graves. A taxa de letalidade da doença é de 3,4%, segundo a OMS, muito abaixo da Sars (de 10%) ou da Mers, outro tipo de coronavírus (que chega a 35%). “A maior parte das pessoas vai ficar curada; só algumas vão desenvolver uma forma mais grave de infecção”, diz o virologista Benedito Lopes da Fonseca, da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto.


Para o coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, Fábio Gouveia, o desafio de combater a infodemia tende a crescer. “O que temos é a disseminação de pânico característica desse modelo de comunicação marcado pela velocidade, volume e ansiedade do compartilhamento. Vamos ter de aprender a lidar com uma sociedade que quer consumir informações de forma muito rápida sem checar a fonte.”

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