SWI swissinfo.ch: O que você queria mostrar?
A.W.: Tentamos mostrar pontos de vista diferentes. Não só dos hospitais, mas também da vida humana, das pessoas abandonadas e esquecidas. A grande maioria das pessoas [na China] não tem voz. Quando você não tem voz, você não. Ou você é apenas um número. Emoções e valores não são mais relevantes.
SWI swissinfo.ch: Seu filme será exibido no Festival de Cinema de Genebra, neste fim de semana. Mas plataformas globais não exibiram o filme. O que isso revela sobre a influência da China?
A.W.: Tenho muito orgulho do que fizemos. Este é provavelmente o filme mais importante sobre a pandemia e sobre a China. O que eu queria mostrar é como a China se comporta no mundo político. E como o mundo entende a China.
Ironicamente, a primeira lição que recebi não foi da China, mas do Ocidente. Todos os principais festivais de cinema do mundo onde tentamos mostrar o filme, Toronto, Nova York e grandes distribuidores online como Netflix e Amazon, todos adoraram o filme no início. Mas no final, a resposta que obtivemos foi: "não podemos aceitar seu filme".
SWI swissinfo.ch: Como você reagiu?
A.W.: Eu entendo a situação. A indústria cinematográfica é agora dominada pela China. Ainda no mês passado, a China ultrapassou os EUA como o maior mercado cinematográfico do mundo. Quanto aos festivais, eles se auto-censuram ou estão sob pressão da China. Eles só podem apresentar filmes que tenham um "Selo do Dragão", emitido pelo departamento de propaganda do Partido Comunista Chinês.
Conseguir este selo é praticamente impossível. Muitos dos meus colegas na China nunca conseguiram obtê-lo, apesar de terem tentado durante anos.
Portanto, mesmo que eu não critique a China, eles [festivais de cinema e plataformas] não podem ser associados ao meu nome. Isso afetaria seu potencial comercial na China, onde o Estado é o único comprador.
Mas mesmo a indústria do entretenimento e do cinema no Ocidente se recusou a projetar meu filme em Berlim. Entendo que eles têm uma presença sólida na China e simplesmente não podem fazer isso. Eles não podem se dar ao luxo de perder seus negócios. Não é algo certo ou errado. O Ocidente abdicou de suas liberdades para as necessidades de capital e lucro.
Imagem do documentário 'Coronation', de Ai Weiwei screenshot/DW.com
SWI swissinfo.ch: O que você está dizendo é que a questão da liberdade de expressão enfrenta desafios não apenas na China, mas também no Ocidente. Como você acha que o mundo sairá da pandemia em relação a esta questão?
A.W.: Quando falamos de liberdade de expressão, todos nós sabemos que vivemos em condições muito piores do que antes. Em todos os lugares. Na China, as pessoas estão sob intenso controle e vigilância, como em um filme de ficção científica, exceto que é muito real.
Mas no Ocidente, acabamos de tomar conhecimento de como grandes empresas têm vazado informações sobre os usuários para as empresas chinesas. Tudo na China está sob controle governamental. Portanto, as autoridades também podem controlar as informações sobre os indivíduos no Ocidente.
SWI swissinfo.ch : Você acha que essa é uma condição permanente de agora em diante?
A.W.: Essa é a nova realidade. Devido à globalização, as grandes corporações estão profundamente envolvidas com a China e não existe uma fronteira, ideologia ou qualquer tipo de argumento. Apenas lucros. O lado chinês é estrategicamente vencedor.
A onda de 30 ou 40 anos de democratização está chegando ao fim. Se você olhar para o que está acontecendo nos EUA ou no Brasil e em tantos outros países, há um enorme retrocesso no que diz respeito à democracia e ao Estado liberal. Muitos destes países estão em crise interna, abrindo uma grande vantagem aos estados autoritários.
Líderes como Bolsonaro, Vladimir Putin ou o chinês Xi Jinping são homens fortes que conseguiram habilmente obter o que queriam. Acho que eles ainda vão durar muito tempo e parece que não há maneira de detê-los.
A obra da Ai Weiwei sempre esteve relacionada a questões políticas e sociais urgentes, tais como a situação dos refugiados. Law of the Journey (A Lei da Viagem, 2017) foi originalmente encomendada e exibida pelo Museu Nacional de Praga (República Tcheca) e levada a um armazém na Ilha Cockatoo, Austrália, como parte da Bienal de Sydney (foto). Zan Wimberley
SWI swissinfo.ch: Como você avalia a reação do Ocidente a esta situação
A.W.: O Ocidente não tem valores claros. Quando um jornalista do Washington Post é morto em uma embaixada, o governo americano finge que isso não é nada. Se o Ocidente pode aceitar isso, não tem posição moral para argumentar. Julian Assange ainda está na prisão. Ele apenas forneceu uma plataforma para revelar alguns segredos de Estado. Mas se coisas assim podem acontecer, a chamada liberdade de expressão é uma piada. Você só tem permissão para falar algo que eles aceitarão. Eles nunca o deixarão falar algo realmente crucial ou questionar o establishment.
SWI swissinfo.ch: Em fevereiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) enviou uma missão a Wuhan. Você acha que um dia saberemos realmente o que aconteceu um ano atrás com a pandemia?
A.W.: Não, eu acho que não. O regime comunista é muito poderoso e forte e mantém este segredo no topo de sua agenda. A OMS fez uma visita muito superficial. Eles (OMS) também deveriam ter a mesma responsabilidade, pois logo no início da crise, indicaram que a doença não era transmissível entre os seres humanos.
SWI swissinfo.ch: O que você acha que vai acontecer no planeta no período pós-pandêmico?
A.W.: Estamos vivendo um momento muito frágil. Acho que a pandemia não vai alarmar as pessoas o suficiente para que elas elaborem uma estratégia clara para lidar com o que a sociedade humana estará enfrentando no futuro. Em muitos aspectos, estamos lidando com realidades sem precedentes para a sociedade humana. Tecnologia, estados poderosos como a China e a incapacidade do Ocidente de lidar com esse estado autoritário, mais os enormes problemas climáticos. Tudo isso coloca em questão nosso futuro humano.
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