Valor Econômico
Jornalista: Gabriel Vasconcelos


17/04/20 - Aos 78 anos, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Von Doellinger, está isolado há três semanas em sua casa, no Rio. A quarentena, porém, não o impede de comandar a gestação de uma proposta que vem chamando de “Plano Marshall” para reconstruir a economia brasileira após o fim da crise do novo coronavírus. Ao Valor , o economista também fez projeções de prejuízo ao PIB, que pode recuar até 3% este ano segundo seus cálculos.

De acordo com o presidente do Ipea, todas as diretorias do instituto estão mobilizadas e devem começar a entregar relatórios nas duas próximas semanas. O documento finalizado chega à mesa do ministro da Economia, Paulo Guedes, no início de junho.

Doellinger se recusa a projetar um valor para o plano, o que seria um “chute irresponsável”. Ainda assim, diz que o mundo inteiro trilha esse caminho e que, portanto, o Brasil deve fazer o mesmo, guardadas as limitações ficais. “Os Estados Unidos fecharam em US$ 2 trilhões, a Alemanha fala em mais de US$ 800 bilhões. Nós vamos poder fazer um pacote na casa dos bilhões [de dólares]”.

O economista mencionou quatro eixos que devem nortear a proposta. O primeiro seria a criação e indução de crédito para reerguer atividade produtiva e reconstituir cadeias comprometidas, sobretudo na indústria e nos serviços. O segundo eixo também diz sobre linhas de crédito, mas para normalizar atividades exportadoras e reabilitar as vendas do país ao nível pré-crise. O eixo seria atravessado por um trabalho de promoção no exterior e diversificação da pauta de exportações, para aproveitar espaços deixados por outros países.
O terceiro eixo prevê investimentos em infraestrutura mediante esforço do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e indução do setor privado.

Isso envolveria a remodelagem de parcerias público-privadas (PPPs) para torná-las mais atraentes em um cenário de turbulência residual. Voltam à baila setores que são alvos do governo desde o seu início: saneamento básico, habitação e demais infraestruturas urbanas - para Doellinger, as PPPs começavam a deslanchar, sendo interrompidas pela crise.
O quarto e último eixo traz o “reforço” de programas sociais com atenção a políticas de emprego. O economista ainda não se debruçou sobre as consequências da covid-19 para a taxa de desemprego, mas diria que pode ficar entre 13% e 14%, o que exigirá “esforço respeitável de reversão”.

“O governo pode ou não acolher todas as nossas ideias, mas a nossa missão é oferecer um planejamento sólido para a reconstrução da economia quando tudo isso acabar”, afirma Doellinger. Ele trabalha com a perspectiva de que o ciclo mais agudo do vírus no Brasil dure no máximo três meses, se encerrando, portanto, dentro de 60 dias. Após esse período, afirmou, devem ser colocadas medidas econômicas mais amplas, que vão além do que está sendo feito, com caráter emergencial. “Até aqui as medidas são como um analgésico para atenuar o sofrimento da população, evitar a fome e preservar empregos. A reconstrução começa depois”, diz. Ele elogia ainda a atuação da Caixa Econômica Federal e diz concordar com pacotes paulatinos à população e empresas em ordem de prioridade.

O plano a ser proposto pelo Ipea envolverá novos gastos na casa das centenas de bilhões e, por isso, Doellinger diz que é imprescindível concluí-lo inteiramente em 2020, a fim de não comprometer as contas federais dos anos seguintes. “Não se pode, em hipótese alguma criar gastos permanentes. É o que os Estados querem impor com a proposta de recomposição de receitas. Isso é inviável, vai contra o que o governo fez até aqui. O socorro tem que existir e o governo está providenciando, inicialmente na casa dos R$ 50 bilhões. Além disso haverá suspensão do pagamento de dívidas. Mas, recomposição de receitas não dá”, critica.

A maior parte do valor a ser injetado no pós-pandemia viria por meio endividamento, elevando a dívida bruta para “muito acima dos 80% do PIB”. Em 2019, este percentual foi de 75,8%. O déficit primário, disse, poderá ficar entre 8% e 8,5% do PIB, acima mas não distante, portanto, dos R$ 600 bilhões previstos pelo secretário do Tesouro Mansueto Almeida. O economista também considera como fontes elegíveis os instrumentos multilaterais dos quais o Brasil faz parte e reservas internacionais, que considera “em boa conta, seguramente acima dos US$ 350 bilhões”. “A hora para isso [utilização de reservas] é essa”, frisa.

Sobre a projeção de queda do PIB de até 3%, caso o bloqueio da economia permaneça no nível atual pelos próximos dois meses, o economista calcula que, no desagregado, o PIB da indústria e dos serviços devem recuar, ambos, 1,5% e que a agropecuária deve defender um crescimento de 2,5%, porque não vem sendo afetada. “O agribusiness vai ser a salvação da lavoura, guardadas as devidas proporções”, afirma.

A projeção de Doellinger é mais negativa do que as emitidas há 15 dias pela Diretoria de Macroeconomia do Ipea (Dimac), que previra o saldo da retração para três cenários.
No mais grave, em caso de isolamento de três meses, os técnicos sob seu comando previam baixa de 1,8% do PIB. “É um cenário de incerteza total, fruto de uma crise simultânea de oferta e demanda sem precedentes. [O cenário] sem dúvida piorou em relação às projeções da Dimac e eu não vou tentar dourar a pílula. As minhas contas hoje, indicam uma queda entre 2% e 3% do PIB, com espaço para piorar. Mas isso, repito, é uma fotografia de momento”, afirma. A previsão é mais positiva do que a de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), ambas na casa dos 5% de queda.

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