Folha de S.Paulo

Deputados e senadores de Nova York aprovaram, nesta terça (30), o projeto de lei que legaliza o uso recreativo da maconha. O governador Andrew Cuomo sancionou a proposta na tarde desta quarta (31), tornando o estado o 16º a descriminalizar a cânabis nos Estados Unidos.

“Esta legislação histórica faz justiça a comunidades há muito tempo marginalizadas, abraça uma nova indústria que vai fazer a economia crescer e estabelece garantias de segurança para a população”, afirmou Cuomo em um comunicado. “Nova York tem uma longa história como capital progressista da nação, e esta importante legislação carregará esse legado.”

Na Câmara estadual, o projeto foi aprovado com 100 votos favoráveis e 49 contrários. No Senado, foram 40 a 23. O Partido Democrata, de Cuomo e do presidente Joe Biden, tem maioria nas duas Casas.

A lei de taxação e regulação da maconha (MRTA, na sigla em inglês) prevê que maiores de 21 anos possam comprar e cultivar a planta para consumo pessoal. Além disso, o estado vai remover os antecedentes criminais de pessoas condenadas por crimes relacionados à cânabis e suspender multas de quem havia sido pego com até 85 gramas, o novo limite de posse individual.

A nova lei também estabelece a criação de um imposto sobre o comércio legal da substância com alíquota de 13%, dos quais 9% irão para um fundo estadual, 3% para o município e 1% para o condado onde foi feita a venda.

A estimativa do governo estadual é que a legalização da maconha em Nova York pode gerar cerca de US$ 350 milhões (R$ 2 bilhões) em receita tributária anual. Um estudo mais abrangente da Associação da Indústria de Cânabis Medicinal de Nova York e da consultoria MPG traz números ainda mais expressivos.

Estima-se que o mercado da maconha no estado gere US$ 1,2 bilhão (R$ 6,9 bi) em impostos em 2023. Quatro anos depois, a cifra deve ser de US$ 4,2 bilhões (R$ 24 bi). Entre outros impactos econômicos, o estudo aponta que o setor deve empregar 20,9 mil pessoas até 2023 e 76 mil até 2027, movimentando nesses anos, respectivamente, US$ 2,8 bilhões (R$ 16,16 bi) e US$ 10,1 bilhões (R$ 58,3 bi).

Uma das principais bandeiras do projeto também é a reparação dos danos causados às comunidades mais afetadas por décadas de guerra às drogas. Historicamente, negros e hispânicos de Nova York tornaram-se alvos preferenciais das políticas de enfrentamento aos entorpecentes e de maneira desproporcional quando comparada às abordagens feitas a pessoas brancas.

Segundo a polícia da cidade de Nova York, 94,5% dos presos em 2020 por crimes relacionados à posse ilegal de maconha eram pessoas não brancas. Negros, que correspondem a 24,3% da população da cidade, são 57% dos detidos.

A disparidade racial é menor entre os latinos, que são 29,1% do total de pessoas e 35,7% dos encarcerados, mas fica evidente diante da proporção dos brancos —4,6% dos presos por ilícitos relacionados à maconha, embora sejam 32,1% dos nova-iorquinos.

Por isso, o projeto prevê que milhões de dólares em receitas fiscais do setor de venda de maconha sejam reinvestidos em comunidades formadas por essas minorias, e parte considerável das licenças para a comercialização da cânabis, reservada a empresários dessa faixa da população.

Assim, segundo o projeto, 40% da receita tributária da maconha serão investidos em comunidades formadas por minorias, outros 40% serão direcionados para a educação, e os 20% restantes irão para o tratamento, prevenção e educação contra drogas.

Ainda não há uma data definida para o início das vendas legais de maconha em Nova York, mas a estimativa é que elas comecem em 2022. O prazo é necessário para que as autoridades definam as regras de controle desse mercado, incluindo a regulamentação de atacadistas, normas de distribuição, cultivo e varejo, além da criação de impostos.

O estado também criará um gabinete responsável por supervisionar o setor. Esse conselho será formado por cinco membros, três indicados pelo governador e os outros dois pela Câmara e pelo Senado.

Para a socióloga Nathália Oliveira, a nova lei tem um caráter simbólico porque parte de um movimento em que o Estado reconhece a nocividade de uma lei que atingiu de maneira desproporcional uma camada da população.

“A nova lei envolve a releitura histórica do processo, a crítica e a apresentação de medidas que corrijam rapidamente os efeitos dessa desproporcionalidade”, diz Oliveira, que é cofundadora da Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, uma organização da sociedade civil brasileira que atua desde 2015 em busca de justiça racial e de reformas na atual política de enfrentamento às drogas.

Segundo a socióloga, uma aprovação dessa magnitude em Nova York abre espaço para reformas semelhantes em outros estados americanos e, principalmente, ajuda a construir precedentes para quando discussões similares chegarem com força ao Brasil.

O historiador Dudu Ribeiro, coordenador da Iniciativa Negra, reforça o fato de que a criminalização do uso do maconha sempre esteve associada a políticas racistas e eugenistas. Esse pensamento levou intelectuais brasileiros a classificarem a droga como espécie de vingança dos negros recém-egressos da escravidão.

O grupo político de lobby pró-maconha Norml estima que o número de nova-iorquinos encarcerados todos os anos por pequenos delitos relacionados à substância esteja na casa das dezenas de milhares, a maioria sendo jovem, pobre e não branca.

“A legalização da maconha é um imperativo de justiça racial e criminal” afirmou a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, em comunicado.

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